Sumiço de autoridades na China: o que pode estar por trás dos aparentes expurgos?
Analistas apontam que destituições podem ter o objetivo de reforçar liderança de Xi Jinping enquanto lida com crises internas
O sumiço de autoridades do governo chinês nos últimos meses alimenta uma série de rumores sobre os bastidores da política em Pequim. As ausências em eventos públicos, por vezes seguidas de destituição, fazem especialistas avaliarem que o presidente Xi Jinping recrudesceu a repressão contra dissidências, utilizando a força do regime para evitar questionamentos à sua liderança enquanto o país atravessa algumas instabilidades internas.
Os casos mais notórios são de quatro autoridades chinesas desapareceram ou foram demitidas desde junho, mas relatos de Pequim apontam que várias outras pessoas, incluindo da comissão militar central do Partido Comunista, estariam sob investigação. O último da lista foi o ministro da Defesa, o general Li Shangfu, que não é visto em público há semanas, desde que viajou para a Rússia e para a Bielorrússia em meados de agosto. Pequim chegou a justificar a ausência do ministro em uma agenda recente, no Vietnã, por motivo de saúde, mas fontes do governo americano apontam que Li teria sido afastado de suas funções e colocado em investigação.
Leia também
• Líder da extrema direita francesa é acusada de desvio de verbas da UE
• Recusa de visto de atletas gera choque diplomático entre Índia e China
• China controlará 50% dos eletrolisadores de hidrogênio no mundo até o fim do ano
A explicação foi a mesma utilizada pelo governo chinês enquanto o processo de fritura do ministro de Negócios Estrangeiros Qin Gang era concluído. O chanceler ficou cerca de um mês sem ser visto em público até Pequim confirmar sua demissão e substituição por Wang Yi, seu antecessor e que ocupava a liderança do escritório geral do Comitê Central de Relações Exteriores do Partido Comunista.
Tanto Li quanto Qin haviam sido indicados pelo próprio Xi aos cargos cerca de seis meses antes de serem escanteados pelo regime. Além deles, Li Yuchao e Xu Zhongbo, então comandante da Força de Foguetes do país e comissário político do braço armado, respectivamente, foram substituídos sem mais explicações. Os dois também foram indicados aos cargos durante o governo de Xi.
De acordo com analistas, o cerco a figuras proeminentes do governo, principalmente militares, pode ser indicativo de uma série de questões internas, desde um esforço de Xi para aprofundar o combate à corrupção no país — com possíveis motivações para além de responsabilização e controle — até uma tentativa de tirar o foco dos problemas econômicos e reforçar sua imagem.
— Xi Jinping começou um expurgo nos altos escalões das forças militares e de segurança. E este continua atualmente — explicou Sheena Chestnut Greitens, especialista em políticas autoritárias no Leste da Ásia e professora da Universidade do Texas, em entrevista à AFP. — [A corrupção é uma] ameaça fundamental [para Xi] porque torna as pessoas leais aos lucros pessoais, e não ao Partido.
Embora analistas apontem que as demissões podem ser um sinal de reafirmação do controle do presidente sobre o Exército de Libertação Popular (ELP), a explicação por si só não explica o motivo dos alvos serem indicados do próprio Xi, que no ano passado realizou uma manobra política para permanecer no poder, tornando-se o líder chinês mais dominante desde Mao Tsé-tung.
— [A situação] diz muito sobre a imprevisibilidade das decisões pessoais e da política interna da China hoje — afirmou o diretor do Programa sobre China no Centro Stimson em Washington, Sun Yun. — Caso Li também tenha sido destituído, isto não seria uma imagem positiva para Xi. Qin e Li foram selecionados por ele.
O impacto das mudanças na imagem do presidente até o momento é incerto. No entanto, a colunista Frida Ghitis, da CNN, apontou que um sentimento de autopreservação poderia explicar as ausências recentes do líder chinês na Assembleia Geral da ONU e no encontro do G20, um fórum ao qual a China sempre deu importância por sua posição econômica. Em vez de comparecer aos eventos multilaterais, Xi ficou em Pequim, onde se reuniu com figuras pouco representativas na política internacional, Bashar al-Assad e Nicolás Maduro, que se destacam apenas por suas oposições ao Ocidente.
Ainda de acordo com Ghitis, o uso de repressão e desaparecimentos de figuras públicas não é um modus operandi novo em Pequim para conter a influência de lideranças de diferentes setores. A analista lembra que a mesma tática já foi empregada contra magnatas como Jack Ma, do AliBaba, e Bao Fan, da China Renaissance Holdings, empresa de tecnologia que atendia clientes como Tencente Baidu.
— Isto reforça a sensação de imprevisibilidade a respeito da política externa chinesa, no momento em que o sistema político da China já é menos transparente e mais difícil de ser compreendido pelos estrangeiros — destacou Chestnut Greitens.
O aparente expurgo nas Forças Armadas não é o único assunto interno que preocupa Xi. Os analistas também recordam que o gigante asiático enfrenta um momento de baixa nos resultados econômicos, o que pode afetar o humor do país de quase 2 bilhões de habitantes, após anos de restrições pela Covid-19.
O assunto foi rapidamente abordado por Joe Biden durante uma viagem recente ao Vietnã. Quando perguntado sobre a ausência de Xi no G20, o presidente americano se limitou a dizer que o canal para diálogo entre Pequim e Washington estava em aberto e que entendia a falta do líder chinês, que estaria ocupado lidando com "um desemprego esmagador entre os jovens".
Lyle Morris, pesquisador de política externa e de segurança nacional no Asia Society Policy Institute, escreveu que o desaparecimento de Li Shangfu sugere que o expurgo nas Forças Armadas está longe de terminar. "Ele não é um funcionário obscuro que pode ser varrido para debaixo do tapete", escreveu Morris nas rede social X (antigo Twitter). (Com AFP e The New York Times)