Ásia Central

Talibã ordena fechamento de salões de beleza no Afeganistão

Estabelecimentos terão um mês para encerrar suas atividades, em novo capítulo da redução dos direitos das mulheres no país

Este é o novo capítulo do Talibã para banir as mulheres da vida públicaEste é o novo capítulo do Talibã para banir as mulheres da vida pública - Foto: Wakil Kohsar / AFP

O Talibã ordenou, nesta terça-feira (4), o fechamento dos salões de beleza no Afeganistão, no novo capítulo de sua cruzada para banir as mulheres da vida pública no país da Ásia Central.

O grupo fundamentalista retornou ao poder em agosto de 2021, em uma ofensiva-relâmpago que coincidiu com a retirada das tropas dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) após duas décadas de invasão — a guerra mais longa travada pelos americanos no exterior.

Os estabelecimentos devem encerrar suas atividades em até um mês, seguindo outras regras que barram a presença feminina em escolas de Ensino Médio e no Ensino Superior, por exemplo. Há também diretrizes que as proíbem de andar desacompanhadas em espaços públicos e praticamente vetam sua participação no mercado de trabalho.

Um porta-voz do Ministério da Virtude, o vice-ministro Mohammad Sadeq Akif Muhajir, não deu detalhes do veto, apenas confirmando o conteúdo de uma carta que circula nas redes sociais. Datado de 24 de junho, o comunicado aparentemente repassa uma ordem verbal do líder supremo talibã, Haibatullah Akhunzad, cujas motivações não estão evidentes.

De acordo com o documento, os salões em Cabul e em todas as províncias do país têm um mês para fechar suas portas. Quando o prazo chegar ao fim, deverão produzir um relatório e enviá-lo ao governo comprovando que as ordens foram cumpridas, mudança que veio dias após Akhunzad afirmar que as mulheres estavam a salvo da "opressão" e que o Talibã faria tudo para garantir que tivessem uma "vida confortável e próspera" segundo a lei islâmica.

Questionado pela AFP sobre o motivo para a regra, Sadeq Akif Muhajir não deu uma resposta. Afirmou apenas que "assim que os salões forem fechados, compartilharemos a razão com a imprensa". Ele disse também que o prazo foi dado para que os negócios usem seus estoques sem que haja prejuízos adicionais.

A decisão, ainda assim, provocará o desparecimento de milhares de pequenos negócios geridos por mulheres — uma das poucas oportunidades que elas ainda tinham para trabalhar e socializar —, que se proliferaram durante os anos de invasão americana. Também cortará aquela que com alguma frequência a única fonte de renda para várias famílias.

— Creio que seria melhor se as mulheres não existissem nesta sociedade — disse à AFP a gerente de um salão em Cabul, pedindo anonimato. — Eu digo agora: gostaria de não existir. Gostaria que não tivéssemos nascido no Afeganistão.

Quando o Talibã voltou ao poder há dois anos, em meio à caótica retirada das tropas americanas e de seus aliados, o grupo prometia que respeitaria os direitos das mulheres, marginalizadas durante seu primeiro ato no poder, de 1996 a 2001. A queda veio com a invasão dos EUA, que acusavam os extremistas de darem abrigo a Osama bin Laden, fundador da rede al-Qaeda e arquiteto dos ataques terroristas do 11 de Setembro daquele ano nos EUA.

Após 20 anos, contudo, poucas foram as melhorias reais em solo afegão: em 2020, ano derradeiro da invasão, 49,4% da população vivia abaixo da linha da pobreza, e 56 de cada mil bebês nascidos morriam antes do 5º aniversário. Em 2022, 97% da população nacional corria risco de pobreza, e 18,9 milhões dos 40,8 milhões de habitantes do país enfrentavam insegurança alimentar.

Setenta e cinco porcento dos gastos públicos no país são subsidiados por auxílio internacional, mas a ajuda foi em grande parte suspensa — e os fundos do Banco Central afegão em bancos estrangeiros foi congelado — após a volta do Talibã ao poder. A erosão dos direitos das mulheres foi gradual, mas hoje o país é o 170º colocado de 170 países no Índice de Segurança, Mulheres e Paz da Universidade Georgetown, em Washington, que mede a inclusão feminina, a justiça e a segurança.

Gradualmente, as afegãs foram vetadas de trabalhar para a ONU ou outras organizações internacionais, de irem sozinhas a espaços públicos como parques ou jardins, e de viajarem sem um acompanhante homem que seja da família. Os salões de beleza, em particular, eram também considerados espaços seguros para que as mulheres pudessem se reunir sem a presença de homens.

— As mulheres estavam habituadas a conversar, contar fofocas. Não havia brigas, não havia distúrbios — disse a funcionária de um salão de beleza, que pediu para se identificar como Neelab. — Quando vemos rostos felizes e energizados, isso também nos dá vida. Os salões têm um papel muito importante: permitem que a gente se sinta bem.

Em um relato para o Conselho de Direitos Humanos da ONU na semana passada, o relator especial para o Afeganistão, Richard Bennett, disse que a situação das mulheres no país "era uma das piores no mundo". De acordo com ele, "a discriminação séria, sistêmica e institucionalizada contra meninas e mulheres está no cerne da ideologia e do poder do Talibã".

Uma mulher que se identificou pelo pseudônimo de Raha era estudante antes de ser impedida de frequentar a universidade pelas mudanças na lei do país. Nesta terça, foi a um salão se preparar para uma festa de noivado.

— Era o último lugar onde as mulheres podiam ganhar um sustento, e eles também querem acabar com isso — disse ela. — É uma pergunta que todos nós temos: por que eles estão fazendo isso?

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