Talibãs fecham colégios do Ensino Médio para afegãs pouco depois da reabertura
Poucas horas depois do reinício das aulas, os líderes do governo islamita determinaram o retorno das jovens para casa
As adolescentes afegãs retornaram nesta quarta-feira (23) aos colégios do Ensino Médio, sete meses após a tomada de poder pelos talibãs, mas poucas horas depois do reinício das aulas os líderes do governo islamita determinaram o retorno das jovens para casa, em uma mudança política repentina que provocou grande confusão.
"Hoje, a promessa de um retorno à escola para milhões de mulheres alunas de ensino médio foi quebrada no Afeganistão. É um retrocesso enorme. O acesso à educação é um direito fundamental", disse no Twitter a chefe da Unesco, Audrey Azoulay.
Today, the promise of a return to school was broken for millions of secondary school girls in #Afghanistan. This is a major setback. Access to education is a fundamental right. @UNESCO reiterates its call: girls must be allowed to return to school without further delay.
— Audrey Azoulay (@AAzoulay) March 23, 2022
"A Unesco reitera seu apelo: as mulheres devem ser autorizadas a voltar à escola sem prazos adicionais", insistiu Azoulay.
Os Estados Unidos também condenaram a decisão do Talibã nesta quarta-feira.
"Nós nos juntamos a milhões de famílias afegãs hoje para expressar a nossa profunda, profunda decepção e condenação com a decisão do Talibã de não permitir que mulheres e meninas voltem à escola após a sexta série", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price.
O ministério da Educação não deu qualquer explicação clara, apesar de, na capital, as autoridades terem organizado uma cerimônia para marcar o início do ano letivo.
"No Afeganistão, especialmente nas aldeias, as mentalidades não estão prontas", disse a repórteres o porta-voz do ministério da Educação, Aziz Ahmad Rayan. "Temos algumas restrições culturais, mas os principais porta-vozes do Emirado Islâmico vão oferecer melhores esclarecimentos", acrescentou.
Uma equipe da AFP estava no colégio Zarghona de Cabul, um dos maiores centros de ensino da capital, quando um professor entrou e ordenou que as alunas retornassem para casa. Abatidas, as estudantes reuniram seu material, entre lágrimas, e deixaram o local.
"Vejo minhas estudantes chorando e relutantes em deixar a aula", afirmou Palwasha, professora na escola para mulheres Omra Khan de Cabul. "É muito doloroso ver as suas estudantes chorando", acrescentou.
A enviada da ONU Deborah Lyons afirmou que as informações sobre o fechamento eram "perturbadoras". "Se for verdade, qual poderia ser a razão?", questionou no Twitter.
Quando os talibãs tomaram o poder em agosto de 2021, as escolas estavam fechadas devido à pandemia de Covid-19, mas apenas os homens e as mulheres do ensino básico foram autorizados a retornar às aulas dois meses depois.
A comunidade internacional considera o acesso das mulheres às escolas um ponto fundamental nas negociações de ajuda e reconhecimento do regime islamita, que em seu mandato anterior (1996-2001) proibiu a educação para as mulheres.
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"Responsabilidade"
Nesta quarta-feira, a ordem de reinício das aulas não foi seguida de maneira igual em todo o país. Em Kandahar (sul), berço do movimento Talibã, o retorno estava previsto para o próximo mês.
Mas vários colégios abriram as portas na capital e em regiões como Herat ou Panshir, ao menos por algumas horas.
"Todas as estudantes que vemos hoje estavam muito felizes e com os olhos bem abertos", declarou à AFP Latifa Hamdard, diretora da escola Gawharshad Begum de Herat.
Os talibãs alegaram que precisavam de tempo para garantir que as jovens com idades entre 12 e 19 anos permaneceriam bem separadas dos homens e que os centros de ensino fossem administrados de acordo com os princípios islâmicos.
"Não abrimos as escolas para agradar a comunidade internacional ou para obter o reconhecimento do mundo", disse Ahmad Rayan, porta-voz do ministério da Educação.
"Nós fazemos isto como parte da nossa responsabilidade de fornecer educação e estruturas educacionais a nossas alunas", acrescentou.
Muitas estudantes estavam ansiosas para voltar às aulas, apesar dos códigos de vestimenta rigorosa que as obrigavam a cobrir quase todo o corpo. "Já estamos atrasadas em nossos estudos", reclamou Raihana Azizi, de 17 anos.
"Qual será o nosso futuro?"
Algumas famílias. no entanto, desconfiavam do governo Talibã e tinham medo de permitir a saída de suas filhas. Ou não veem sentido na educação das mulheres diante de um futuro sombrio para o trabalho das jovens.
Em sete meses de governo, os talibãs determinaram várias restrições às mulheres, que foram excluídas dos empregos públicos, enfrentam controles em sua forma de vestir e são impedidas de viajar sozinhas para fora de sua cidade.
O regime fundamentalista também prendeu várias ativistas que defenderam os os direitos das mulheres.
"As meninas que concluíram os estudos permanecem em casa e seu futuro é incerto", lamenta Heela Haya, que decidiu abandonar a escola. "Qual será o nosso futuro?", questiona a jovem.
"Por que você e sua família fariam enormes sacrifícios para estudar se nunca poderá ter a carreira com que sonha?", perguntou Sahar Fetrat, pesquisadora assistente da ONG Human Rights Watch.
Devido à pobreza ou ao conflito que devastou o país, os estudantes afegãos perderam grandes períodos dos anos letivos. Alguns continuam seus estudos até os 20 anos.
O país também enfrenta uma escassez de professores, depois que muitos fugiram ao lado de dezenas de milhares de afegãos após a tomada de poder pelos talibãs.