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Temos que começar a reabrir as escolas, diz diretor da Fundação Lemann

A equação que deveria considerar apenas aspectos de saúde e educação tem sido contaminada pelas eleições municipais

Sala de aula vaziaSala de aula vazia - Foto: Arthur Mota / Folha de Pernambuco

Após meio ano de confinamento e escolas fechadas no Brasil, ganha força o debate sobre a necessidade de retomar as aulas presenciais assim que a pandemia permitir. Se até agora as discussões não iam muito além dos riscos da contaminação, algo natural diante da tragédia da pandemia no país, com a melhora dos números em algumas regiões, abre-se espaço para se abordar os prejuízos do isolamento para as crianças e adolescentes.

A equação que deveria considerar apenas aspectos de saúde e educação, no entanto, tem sido contaminada, a dois meses das eleições municipais, pelo cálculo político-eleitoral, com prefeitos adiando a reabertura em razão de pesquisas que mostram o medo dos pais.

"Parece difícil compreender por que o último setor para que iremos discutir protocolos de reabertura seja o setor educacional. Quando a gente já vê as cidades autorizando o funcionamento de restaurantes, bares, shoppings, todo tipo de comércio, me parece uma resposta excessivamente pautada na pressão de alguns grupos", afirma Denis Mizne, 44.

Diretor-executivo da Fundação Lemann, uma das principais organizações sem fins lucrativos voltadas à melhoria da educação no país, Mizne é contundente, nesta entrevista à Folha, sobre a necessidade de reabrir escolas o quanto antes, diante de enormes prejuízos para a saúde mental e para o aprendizado. Para ele, devemos aprender também na educação a conviver com o vírus, porque não haverá um cenário de risco zero.

PERGUNTA - Como o sr. avalia a discussão sobre a retomada das aulas presenciais?
DENIS MIZNE - É uma discussão que tem que levar em conta três grandes aspectos. De um lado, as questões sanitárias, que é onde há maior ênfase da discussão atual. Em segundo lugar, o risco da aprendizagem, o que significa ter dezenas de milhões de alunos no Brasil privados de ter aulas de qualidade. E, por último, mas não menos importante, a saúde mental dos alunos.

Temos que olhar para esse conjunto de informações para tomar a decisão mais responsável. O que a gente tem visto fora do Brasil, que pode servir como estímulo, é que a imensa maioria dos países europeus que reabriu no final do primeiro semestre não teve aumento de contágio. Claro que esses países tomaram as medidas sanitárias necessárias, como testagem, cuidados com higiene, e a pandemia estava em outro estágio. Agora, nesta semana, a gente poderá acompanhar o que acontecerá nos Estados Unidos e na Europa, que estão retomando as aulas presenciais com um número de casos muito mais alto do que estavam em maio ou junho.

P. - No estado de São Paulo, apesar de o governo ter anunciado a reabertura das escolas para acolhimento e recuperação a partir de setembro e para aulas com previsão para outubro, a adesão das prefeituras para a retomada ainda é pequena, e algumas anunciaram o adiamento para 2021. No senso comum, parece haver pouca diferença voltar tão perto do fim do ano. Como avalia essa postura?

DM - Parece difícil compreender por que o último setor para que iremos discutir protocolos de reabertura seja o setor educacional. Quando a gente já vê as cidades autorizando o funcionamento de restaurantes, bares, shoppings, todo tipo de comércio, me parece uma resposta excessivamente pautada na pressão de alguns grupos.

P. - Como nos demais setores, é preciso tempo para as escolas se prepararem. Em vez de ficar discutindo qual a data da reabertura, deveríamos estar preparando os protocolos. Como será feito o isolamento das turmas, o controle da contaminação, como serão os protocolos de higiene, como garantir que os postos de saúde tenham capacidade de testagem reforçada para atender a essa demanda.

A retomada deve se dar o quanto antes e temos que discutir de que forma, pois corremos o risco de retomar essa discussão apenas em 2021 e ficar sem aula no ano que vem também. Devemos lembrar que se, por algum motivo, decidirmos não voltar com as aulas presenciais neste ano, há um grande risco de não voltarmos no ano que vem também. Porque, do ponto de vista de imunização coletiva, não haverá grandes mudanças entre novembro deste ano e fevereiro do ano que vem. Não teremos toda a população vacinada.

Temos que começar a reabrir para aprender como a escola pode funcionar na pandemia e discutir como garantir o aprendizado das crianças neste contexto. É complexo, difícil e temos que considerar questões sanitárias em cada local. Algumas escolas europeias abriram por poucas semanas antes das férias de verão e já tiveram grandes aprendizados. Agora, já estão mais preparadas para o começo do ano letivo. Não há vantagem em postergar as aulas por uma simples questão de calendário.

Os diretores e diretoras das escolas precisam falar com as famílias para explicar como será a volta. Se não houver esse diálogo, é claro que a imensa maioria dos pais não vai querer a reabertura.

P. - A capital paulista também tem pendido para o adiamento, apesar de anunciar que deve entrar na fase verde já em setembro. Teremos quase todas as atividades retomadas, menos escolas. É diferente lidar com o risco da contaminação nas escolas?
DM - A discussão não deve ser se reabre agora ou depois, mas como será a reabertura. A gente aprendeu a funcionar na pandemia em diversas áreas, com o retorno ao trabalho, ida ao mercado, fábricas e escritórios retomaram suas atividades, então temos que aprender a funcionar na escola também. Não fazer essa discussão é privar os alunos do convívio social, do direito a aprender, do futuro.

P. - Muitas prefeituras têm encomendado pesquisas que mostram que os pais estão com medo da reabertura das escolas. Os prefeitos também sofrem pressão dos professores contra o retorno. Diante disso, fazem uma avaliação política dos riscos para a eleição de abrir as escolas. É possível esperar que esse fator não interfira na decisão?
DM - É difícil, principalmente em ano de eleições, mas espero que não tenha interferência e que as decisões sejam tomadas com base em dados. Em julho, a pesquisa Datafolha que encomendamos mostrou que 89% dos pais de alunos de escolas públicas defendem a continuidade das atividades pedagógicas em casa com as aulas presenciais. Outro dado recente mostrou 74% dos estudantes estão tristes, irritados e ansiosos com o isolamento social. São dados que mostram que devemos discutir incansavelmente de que forma a retomada será feita. A educação tem que ser prioridade no país.

P. - Que riscos corremos se as prefeituras adiarem a reabertura das escolas para além do que seria necessário do ponto de vista do contágio da Covid-19?
DM - Corremos o risco de a defasagem ficar tão grande que vamos levar anos para conseguir recuperar o conteúdo pedagógico. Uma das consequências que isso traz é a evasão escolar e o abandono escolar não é um evento pontual. Estamos falando de uma criança que será privada de trilhar seu caminho no futuro, de ter escolhas na vida e, no cenário atual, de pandemia, estamos falando de uma geração inteira que pode ser prejudicada.

DENIS MIZNE, 44
É diretor-executivo da Fundação Lemann desde 2002. Advogado formado pela USP, com passagens pelas universidades Columbia, Yale e Harvard, nos EUA. Foi assessor especial e chefe de gabinete do Ministério da Justiça (1999-2000) e integrou o Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), o Conselho Parlamentar de Cultura de Paz da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e o Conselho Municipal de Direitos Humanos de São Paulo. Fundou e preside o conselho do Instituto Sou da Paz. É membro do conselho da Fundação Roberto Marinho e do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife).

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