Tensão na Bolívia após tentativa fracassada de golpe de Estado
Nesta quinta-feira, a tropa de choque redobrou a segurança em torno do palácio presidencial
O presidente Luis Arce comemorou com o punho erguido o fracasso da tentativa de golpe de Estado na Bokívia, mas a tensão política aumentou ainda mais a crise no país, abalado pela falta de dólares e combustível.
Nesta quinta-feira (27), a tropa de choque redobrou a segurança em torno do palácio presidencial, que na véspera foi cercado por militares e tanques que tentaram invadir a sede da Presidência a mando do ex-comandante do Exército, o general Juan José Zúñiga.
Após ter ameaçado prender o ex-presidente Evo Morales – rival de Arce – se insistisse em concorrer à presidência em 2025, Zúñiga foi demitido e preso. Ele pode ser condenado a até 20 anos de prisão por terrorismo e insurreição armada, segundo o Ministério Público.
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Na cidade vizinha de El Alto, reduto do governo, pequenos grupos de manifestantes saíram às ruas nesta quinta e queimaram pneus em apoio à Arce, que completa seu mandato em pouco mais de um ano.
"Nunca mais El Alto permitirá que aconteça (...) o golpe de Estado. El Alto está se mobilizando para fazer barricadas", disse Justino Apaza, um dos manifestantes, à imprensa.
Na quarta-feira, no momento de maior tensão, um dos tanques tentou derrubar a porta do palácio presidencial, onde Arce estava reunido com seu gabinete.
O presidente ficou cara a cara com Zúñiga, após o general entrar na sede do governo, e ordenou-lhe que voltasse aos quartéis, segundo um vídeo divulgado pela Presidência. O militar recusou, mas deixou o local minutos depois.
As tropas do ex-comandante do Exército recuaram após mais de três horas, quando o presidente empossou um novo comando militar. O general foi preso junto com o comandante geral da Marinha da Bolívia, o vice-almirante Juan Arnez Salvador, também destituído.
Apoiadores do chefe de Estado boliviano se reuniram em frente à sede do governo para apoiá-lo. Pelo menos oito civis ficaram feridos por projéteis disparados por militares, que também lançaram gás lacrimogêneo, informou o Ministério da Saúde.
Fortalecido pelo apoio internacional, Arce, de 60 anos, conseguiu sair vitorioso da tentativa de golpe.
"O fato de o golpe não ter sido bem-sucedido não significa que a situação na Bolívia tenha sido resolvida, pelo contrário: foi um sintoma de um descontentamento muito significativo que existe entre amplos setores", analisou Gustavo Flores-Macías, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos.
- Arce, vencedor? -
Com um longo histórico de golpes militares, a Bolívia atravessa uma crise econômica derivada da queda de receitas pela baixa produção de gás, sua principal fonte de rendas até 2023, associada à falta de investimentos e exploração.
A rebelião dos militares aconteceu em um cenário de turbulências na economia, devido à escassez de dólares, que afeta as importações, e de combustíveis, o que irrita os sindicatos de transporte de carga.
Como pano de fundo também está a disputa entre Arce e o seu mentor político, o ex-presidente Evo Morales (2006-2019), que promoveu reformas constitucionais para governar por três mandatos e tentou buscar um quarto. Os dois se enfrentam hoje pelas bandeiras do partido governista Movimento ao Socialismo (MAS) diante das eleições presidenciais de 2025.
Apesar de ter sido inabilitado pela Corte Constitucional, Morales não cede e acusa Arce de manobrar para retirá-lo da disputa.
Ex-ministro das Finanças de Morales durante todo o seu mandato, o atual presidente ainda deve anunciar se tentará a reeleição.
Arce parece "melhor posicionado" nesta crise do que seu adversário político, disse à AFP o analista Carlos Cordero, da Universidade Católica Boliviana.
Segundo o acadêmico, o atual chefe de Estado se mostrou como "um homem que pode sair à praça para repreender os militares e restaurar a paz social".
- Suspeitas -
Pouco antes de ser levado para uma delegacia, Zúñiga afirmou que a tentativa de golpe foi sugerida por Arce "para aumentar a sua popularidade".
"É absolutamente falso e são coisas que considero inconcebíveis", respondeu horas depois a ministra da Presidência, María Nela Prada, braço direito de Arce.
Em declarações à televisão, o ex-presidente Jorge Quiroga (2001-2002) descreveu o golpe como uma "opereta", o que evidencia "o grau de decomposição institucional após 18 anos de governo do Movimento ao Socialismo".
O ex-presidente centrista Carlos Mesa (2003-2005) também afirmou na rede social X que a mobilização militar "parece uma farsa".
Para Flores-Macías, é necessário "avaliar muito bem o quão generalizado está o descontentamento dentro das Forças Armadas (...) Mas para começar, o governo Arce está em um momento crítico de fraqueza".