SAÚDE

Ter pouca flexibilidade corporal aumenta em até 5 vezes o risco de morte, revela novo estudo

Trabalho brasileiro mostrou que ser menos flexível aos 40 anos está associado à menor longevidade

Foto: Freepik

Ter uma boa flexibilidade está longe de ser importante apenas para atletas da ginástica artística, como Rebeca Andrade e Simone Biles. Essa aptidão física é fundamental para termos boa qualidade de vida e, de acordo com um novo estudo, longevidade.

O trabalho inédito, publicado nesta quarta-feira (21), na revista científica Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports mostrou que níveis de flexibilidade podem afetar a sobrevivência.

— As pessoas muitas vezes acham que ser fisicamente ativo é caminhar regularmente, etc. Isso é ótimo, mas a aptidão física inclui pelo menos cinco componentes: aeróbico, força e potência muscular, flexibilidade, equilíbrio e composição corporal — explica o médico do exercício e do esporte Claudio Gil S. Araújo, diretor de pesquisa e educação da Clinimex (Clínica de Medicina do Exercício), no Rio de Janeiro, e autor correspondente do estudo.

 

— Já sabemos que uma baixa capacidade aeróbica, pouca força e um equilíbrio ruim foram associados à maior risco de morte. Agora, conseguimos mostrar que uma baixa flexibilidade corporal também está relacionada à baixa sobrevida em homens e mulheres — completa.

Para avaliar se o nível de flexibilidade de uma pessoa impacta no risco de morte, pesquisadores da Clinimex, em parceria com pesquisadores do Reino Unidos, Estados Unidos e Finlândia e da Austrália, analisaram dados de 3.139 indivíduos com idades entre 46 e 65 anos. Essa faixa etária foi escolhida porque a correlação foi com o risco de morte, então em pessoas mais jovens, isso é raro, enquanto em pessoas mais velhas, é mais comum, o que poderia interferir nos resultados.

A flexibilidade foi avaliada por um teste chamado Flexitest, desenvolvido por Gil. A grande vantagem desse teste para o “seat and reach” (sentar e alcançar, em tradução livre para o português), que é o teste de flexibilidade mais usado no mundo, no qual o indivíduo se senta no chão com as pernas esticadas e inclina o corpo em direção aos pés, com os braços e mãos esticadas, é que o Flexitest avalia a amplitude de movimento passiva em 20 movimentos, envolvendo 7 articulações diferentes. O “Seat and reach” avalia apenas a amplitude articular do movimento da cadeia muscular posterior dos membros inferiores e pode ser influenciado por fatores como o tamanho dos braços ou das pernas.

No Flexitest, a amplitude de cada movimento recebe uma pontuação de 0 a 4, sendo 0 a pior amplitude e 4, a melhor. E o nível de flexibilidade individual é então medido por um indicador chamado Flexindex, que é a somatória dos movimentos do Flexitest, com uma faixa de pontuação total que varia de 0 a 80.

No estudo, os participantes foram acompanhados por, em média, 12,9 anos. Ao longo desse período, 302 indivíduos (9,6%), incluindo 224 homens e 78 mulheres, morreram.

Os resultados mostraram que tanto para homens quanto para mulheres, o Flexindex exibiu uma relação inversa com o risco de mortalidade e foi quase 10% maior para os sobreviventes em comparação com os não sobreviventes. Mas as mulheres tiveram um Flexindex 35% maior do que os homens.

De acordo com Araújo, isso já era esperado porque as mulheres têm mais flexibilidade que os homens naturalmente.

— Isso (a vantagem feminina) começa mais ou menos aos 8, 10 anos de idade e continua para o resto da vida — pontua.

Por isso, a associação entre flexibilidade e risco de morte foi avaliada separadamente por sexo. Após considerarem fatores como idade, índice de massa corporal e estado de saúde, a equipe concluiu que os homens com um Flexindex baixo tiveram um risco 1,87 vezes maior de morrer, em comparação com aquele com um Flexindex alto. Já para as mulheres, o risco foi 4,78 vezes maior.

A flexibilidade corporal é a capacidade de movimentar o corpo por meio de uma ampla variedade de movimentos sem sentir dor ou lesionar músculos e articulações. Além disso, uma boa flexibilidade é fundamental para realizar atividades cotidianas como amarrar os sapatos, pegar objetos no chão e caminhar sem dificuldade.

— É ruim não ter flexibilidade. A baixa flexibilidade não só está associada ao aumento do risco de mortalidade como à perda de autonomia e qualidade de vida. Você não consegue mais amarrar seu sapato, cortar as unhas do pé, lavar as costas, abaixar para pegar os óculos no chão, entre outras coisas — ressalta Araújo.

Como esse estudo é observatório e exploratório, os pesquisadores não avaliaram por quais mecanismos a baixa flexibilidade pode aumentar o risco de morte. Mas existem algumas hipóteses capazes de explicar essa associação, como maior fragilidade do indivíduo ou ainda a presença de doenças subjacentes.

— Uma pessoa com menos flexibilidade tem mais chances de cair e se machucar, de perder o equilíbrio e não recuperar, de se lesionar porque os ligamentos são muito rígidos, tem mais dificuldade de realizar tarefas cotidianas. Além disso, sabemos que a glicose alta, como em pessoas com diabetes, ataca os tendões, deixando-os mais rígidos. Também deve haver outro tipo de associação que vai mexendo na biologia dos tendões e das articulações, deixando a pessoa menos flexível e resulta nessa associação de que pessoas menos flexíveis tem mais probabilidade de morrer precocemente — diz o médico.

Uma característica curiosa da flexibilidade é que enquanto outros fatores que influenciam na aptidão física - e no risco de morte – a capacidade aeróbica e a força de um indivíduo vão aumentando conforme a criança vai crescendo, até atingir seu pico em adultos jovens, a flexibilidade já começa a diminuir na infância, a partir dos 2 anos de idade.

— Crianças pequenas se contorcem, colocam o pé na cabeça e caem no chão sem dificuldade e sem se machucar. Aos 10 anos de idade, por exemplo, isso já não é mais possível. Então a flexibilidade funciona como um relógio do envelhecimento — diz Araújo.

A boa notícia é que como os outros fatores que impactam na aptidão física, a flexibilidade também pode e deve ser treinada e melhorada. Segundo Araújo, para a população em geral, o ideal é que homens tenham pelo menos um escore 2 nos movimentos do Flexitest e as mulheres, um escore 3 porque elas são mais flexíveis.

Ao fazer o teste com um profissional de saúde, como um educador físico, personal trainer ou médico do esporte, é possível avaliar em quais movimentos o indivíduo precisa melhorar e trabalhá-los por meio de exercícios de flexibilidade.

— Tem um caso bem emblemático de um paciente que foi avaliado primeira vez em 1994, aos 52 anos e, recentemente, eu o reavaliei aos 82 anos de idade. Ele era fisicamente ativo, jogava tênis etc, mas não era excepcionalmente flexível. Ele foi treinando e hoje tem uma flexibilidade de alguém de 50 anos — conta Araújo.

Mas a pergunta que não quer calar: melhorar a flexibilidade ajuda a reduzir o risco de morte? Tudo indica que sim, mas ainda não existem dados que comprovem isso – embora esse seja o próximo passo da equipe.

— Sabemos que melhorar no aeróbico, por exemplo, reduz a chance de mortalidade. É possível que aconteça a mesma coisa com a flexibilidade — ressalta o médico.

De qualquer forma, vale a pena prestar mais atenção aos exercícios de flexibilidade — não só a partir dos 40 anos, mas durante toda a vida — e incluir rotineiramente avaliações da flexibilidade corporal como parte de todas as avaliações de aptidão física relacionadas à saúde.

Araújo é internacionalmente conhecido por ter desenvolvido o mais aplicado teste de avaliação da aptidão física, o de sentar e levantar. Consiste basicamente em se sentar e levantar do chão com o menor número de apoios possível. Ele avalia a capacidade dos quatro componentes não aeróbicos da aptidão física: força/potência, equilíbrio, composição corporal (relação de massa muscular e gordura) e flexibilidade.

Em 2022, a equipe já havia mostrado que o equilíbrio - ou melhor, a falta dele -, outro componente pouco valorizado da aptidão física, aumenta o risco de morte. O estudo publicado no British Journal of Sports Medicine (BJSM) mostrou que não conseguir se sustentar numa perna só aumenta em quatro vezes a chance de óbito. O próximo passo é avaliar se outra variável, a potência muscular, também impacta no risco de morte.

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