Termo isentava OceanGate mesmo em negligência ou falha de operação de submarino; leia trecho
Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que documento pode ser questionado na Justiça e gerar responsabilização
Antes de embarcar no submersível Titan para uma expedição aos destroços do Titanic, a 3,8 km de profundidade no Atlântico Norte, os passageiros eram orientados a assinar um termo de responsabilidade que previa o risco de danos físicos e psicológicos, inclusive de morte. O site "TMZ" teve acesso uma íntegra do documento, entregue a aventureiros para viagens semelhantes à que culminou na explosão da nave aquática, esta semana, e deixou cinco pessoas mortas.
De acordo com o site, o documento menciona "repetidamente" o risco de ferimentos graves ou morte e deixa claro aos passageiros que eles assumem o risco sem a possibilidade de qualquer recurso contra a empresa OceanGate, responsável pela expedição, ainda que haja negligência ou problemas na operação do Titan.
"Assumo total responsabilidade pelo risco de lesões corporais, invalidez, morte e danos materiais devido à negligência da [OceanGate] durante o envolvimento na operação", diz trecho do documento.
Em outro trecho, o documento destaca que a operação é feita por meio de uma "embarcação submersível experimental".
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"A embarcação submersível experimental não foi aprovada ou certificada por nenhum órgão regulador e pode ser construída com materiais que não foram amplamente utilizados em submersíveis ocupados por humanos", ressalta o texto, em referência à mistura de titânio e fibra de carbono aplicada no Titan e considerada incomum para veículos do tipo.
O termo de responsabilidade ressalta que, nas profundezas do oceano, a embarcação "estará sujeita a extrema pressão e que qualquer falha a esta altura "pode causar ferimentos graves ou morte". Ao assinarem o documento, os passageiros consentiam em se expor a "riscos associados a gases de alta pressão, manutenção de oxigênio puro, sistemas elétricos de alta tensão e outros perigos que podem levar a danos materiais, lesões, invalidez e morte".
Ao fim do documento, os passageiros da OceanGate renunciavam à possibilidade de responsabilizar a empresa por quaisquer danos.
"Eu entendo os riscos inerentes às atividades que serão realizadas durante a operação, e assumo total responsabilidade por todos os riscos de danos materiais, ferimentos, invalidez e morte.... Concordo em defender, indenizar, salvar e isentar a OceanGate Expeditions, Ltd. de qualquer perda, responsabilidade, dano ou custos que possam incorrer devido a qualquer reclamação apresentada em violação deste termo", destaca o texto.
Documento pode ser questionado, afirmam especialistas
O desaparecimento do submersível foi precedido por uma série de erros e condutas imprudentes por parte da fabricante. Um ex-funcionário da OceanGate alertou para problemas de "controle de qualidade e segurança" do Titan, em 2018. David Lochridge, então diretor de operações marítimas da empresa, apontou em um relatório que os passageiros correriam perigo conforme o veículo atingisse águas mais profundas por conta da pressão sobre a estrutura do veículo marinho.
Além disso, a OceanGate ignorou o alerta feito por meio de uma carta assinada por 38 empresários, exploradores de águas profundas e oceanógrafos, em 2018. O documento foi enviado ao CEO, Stockton Rush, e expressava "preocupação unânime" com a "abordagem 'experimental' adotada", que poderia acarretar "resultados negativos (de menores a catastróficos) com sérias consequências para todos".
Um dos signatários da carta de 2018, o engenheiro mecânico e pesquisador Bart Kemper, que trabalha em projetos de submarinos, afirmou em uma entrevista que a OceanGate evitou ter que cumprir os regulamentos dos EUA. Para isso, a empresa levou o Titan para águas internacionais, onde as regras da Guarda Costeira americana não se aplicavam, segundo o jornal The New York Times. Um ex-passageiro do submarino que implodiu disse, ainda, que o veículo já havia perdido contato com a superfície em outras quatro viagens.
Advogados consultados pelo GLOBO afirmam que o termo de responsabilidade assinado por passageiros em expedições de aventura como a do submersível Titan é válido, mas não é "carta branca" para a operação da empresa, especialmente diante de tantos relatos de negligência. Mestre em direito internacional, Victor Del Vecchio ressalta que as famílias podem buscar a reparação dos danos na Justiça, mas uma vitória nos tribunais é incerta.
"As leis variam de país para país, no entanto, existem direitos humanos universais, como ao direito à vida, que não podem ser objeto de renúncia. No caso dos tripulantes do submarino, os termos por eles assinados não ferem diretamente esses direitos, apenas expressam ciência dos riscos assumidos. É claro que se pode argumentar que a empresa não deveria, em hipótese alguma, operar com um equipamento ainda não certificado por agências reguladoras, mas isso já entra na análise subjetiva que pode ocorrer em tribunais. Não é uma lógica óbvia e tampouco certa de que as famílias das eventuais vítimas conseguirão quaisquer indenizações", diz o advogado.