Terremoto no Marrocos foi causado por fratura de 25 km de extensão; entenda
Energia acumulada na separação das placas tectônicas da Eurásia e da África também causaram fenda de 20 quilômetros de largura; sismo já causou mais de dois mil mortos
O sul da Espanha peninsular e o norte de Marrocos olham-se através de uma fronteira geológica, que separa as placas tectônicas da Eurásia e da África. Lá, esses dois continentes colidem lentamente, causando o atrito associado aos terremotos. Contudo, nos mapas de risco, as regiões a norte dessa fenda são muito mais escuras do que a sul, em Marrocos. Porque são elaborados com base em dados recentes de sismicidade e a informação é pior abaixo do Estreito de Gibraltar. E, no entanto, a região atingida pelo terremoto de magnitude 6.8 a sudoeste de Marrakech repousava sobre uma falha conhecida, numa cordilheira, o Atlas, que se eleva justamente pelo empurrão entre as placas. Ali, a energia acumulada naquela falha gerou uma fratura com cerca de 25 quilômetros de comprimento e 20 quilômetros de largura, num deslizamento de até 1,5 metros, conforme calculado pelo US Geological Survey (USGS).
— O mapa [de risco] é calculado probabilisticamente com base nos terremotos ocorridos. No sul da Península Ibérica, conhecemos vários sismos de magnitude significativa nos últimos 200, 300 anos, e também grandes sismos recentes, como o de Lorca — explica a sismóloga Itahiza Domínguez, do Instituto Geográfico Nacional (IGN), da Espanha.
Ou seja, há toda uma série de sismos que poderiam ter servido para fazer este cálculo e, por isso, regiões como Múrcia ou Granada aparecem mais coloridas.
— No norte de Marrocos também há níveis de perigo mais elevados, o problema é que naquela região [onde ocorreu o sismo] quase não existem valores elevados, excluindo Agadir, que foi onde ocorreu outro grande sismo de magnitude 5.8, mas cujos efeitos se limitam apenas a uma área muito específica — afirma o especialista. — O perigo é calculado com base nos dados que temos e, se não tivermos dados, não podemos saber que existe um perigo — resume.
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O terremoto que abalou o Atlas na noite de sexta-feira foi de magnitude 6.8 – trinta vezes maior que o de Agadir, que matou mais de 12 mil pessoas – e afetou um raio de 100 quilômetros. Desde então, o IGN registrou cerca de quarenta réplicas de magnitude superior a 3 e duas de magnitude superior a 4.
Os dados que os sismólogos tinham sobre esta região (até esta semana) é que ali está o Atlas, uma cadeia de montanhas que crescem devido à colisão continental, e há falhas geológicas reconhecidas na área, mas com baixa sismicidade, porque não é contínua em termos geológicos.
— Isso é um pouco enganador, pode fazer você pensar que não parece uma área onde a energia se acumula. E neste caso é obviamente um erro, agora percebemos. É algo que já aconteceu outras vezes em outras áreas do mundo, onde talvez não se esperava um grande terremoto, e no final aconteceu — acrescenta Domínguez.
Placas que se chocam lentamente
As placas tectônicas africana e euroasiática não se movem uma contra a outra em alta velocidade: por isso os tempos de recorrência nesta região são muito longos, ou seja, o período que decorre até que uma falha acumule energia suficiente para gerar um grande terremoto. Perto de Marrocos, a placa euroasiática move-se para sul e leste em relação à placa núbia (africana), a uma taxa de apenas 4 milímetros por ano.
— Não é como no Japão ou no Chile, onde a cada 50 ou 100 anos certamente haverá um grande terremoto, aqui demora mais — esclarece Domínguez. Talvez o maior terremoto em Marrocos tenha ocorrido em 1624, perto de Fez, no nordeste de Marrocos, mas não há registros diretos.
“Nesta região, o limite [da placa] é muito complexo, com múltiplas zonas de deformação ativas em vez de uma única falha bem definida”, explica num artigo a especialista em placas tectônicas Judith Hubbard . “Como os movimentos relativos são lentos, é difícil usar ferramentas como a geodésica para definir quais falhas estão ativas e com que rapidez elas realmente se movem. Como resultado, ainda temos muito que aprender sobre o perigo que representam as falhas nesta área”, resume este geólogo da Universidade Cornell.
Este terremoto ocorreu nas montanhas a meio caminho entre Agadir e Marrakech, cerca de 500 quilômetros a sul da fronteira entre a placa tectônica africana e a placa euroasiática, onde não houve nenhum sismo de magnitude superior a 6,0 num raio de 500 quilômetros em torno do epicentro atual, pelo menos desde 1900, quando os registros sísmicos científicos começaram a estar disponíveis.
Isso explicaria por que nem os cidadãos, nem os edifícios, nem as autoridades estiveram bem preparados para um choque destas dimensões. Os edifícios não eram resistentes a terremotos porque não era esperado que o fossem.
Brian Baptie, chefe de Sismologia do British Geological Survey, concorda com o diagnóstico do especialista do IGN: “Os terremotos são relativamente incomuns nesta região de Marrocos, com a maior atividade sísmica no nordeste, mais perto da fronteira da placa entre África e Europa.”
“No entanto, no passado ocorreram terremotos nas proximidades e os sismos continuam a ser um grande perigo nesta região de Marrocos”, explica Baptie em declarações ao serviço de informação científica SMC.
“Ocorreram terremotos naquele ambiente no passado e eles continuam a ser um grande perigo nesta região de Marrocos. Em 1960, um terremoto de magnitude 5.8 abalou a cidade de Agadir, causando entre 12.000 e 15.000 mortes, tornando-se o terremoto mais mortal da história de Marrocos”, continua Baptie.
Colin Taylor, professor emérito de engenharia sísmica na Universidade de Bristol, explica: “Sabemos como resolver este problema, mas aplicar o conhecimento é uma enorme exigência econômica e política a longo prazo. Marrocos não sofre grandes terremotos com tanta frequência, talvez um para cada geração, por isso a consciência pública diminui e outros desafios de vida, mais imediatos, captam a sua atenção e impulsionam as agendas políticas”.