OPINIÃO

Terrenos de Marinha: PEC 39, Senado e mísseis

Escrevo estas linhas do meu lar em Recife, enquanto mísseis russos bombardeiam o território da Ucrânia, no leste europeu, causando mortes e sofrimento humano. A distância dos fatos, em sua intrincada complexidade social e geopolítica, não é suficiente para causar-me indiferença humanitária, a mesma que dedico aos brasileiros que morreram e estão sofrendo as consequências das enxurradas que assolam o Brasil, neste momento.

Nesse contexto, a imprensa nacional repercutiu a aprovação em dois turnos da PEC/39, de 2011, na Câmara dos Deputados, conforme texto substitutivo do Dep. Alceu Moreira (MDB/RS). O discurso (equivocado) é de que estaria havendo a extinção do famigerado instituto dos terrenos de marinha.

Primeiramente, destaco que o texto original da PEC 39, do qual foi signatário o ex-deputado José Chaves (PTB/PE), era substancialmente mais condizente com a propagada “extinção” desses terrenos da União, vez que, em suma, transferia de forma gratuita para entes públicos, foreiros e ocupantes a propriedade desses terrenos sobre os quais a União já arrecadou muitos bilhões com taxas anuais, foros anuais e laudêmios nas transferências, ao longo de várias décadas – via de regra –, muito mais do que valem os parcos direitos exercidos pelos particulares sobre tais imóveis. 

Saliento que o foco deste artigo é restrito à repercussão causada para os entes particulares a partir do texto substitutivo tal como aprovado na Câmara dos Deputados. 

Com efeito, para os foreiros e ocupantes, o texto apenas extingue a cobrança futura de foros, taxas e laudêmios, a partir da aprovação final da PEC/39. A despeito desta extinção de cobranças ser louvável, não há que confundi-la com a extinção efetiva dos terrenos de marinha da forma ansiada pelos milhões de brasileiros atingidos pelo instituto, cuja própria demarcação da Linha do Preamar Médio de 1831 pela SPU, a partir de onde surge esse “tesouro” submerso da União, é eivada de escandalosa ilegalidade, sobretudo pela Orientação Normativa que a regula desprezar o aumento do nível médio do mar e o avanços dos mares sobre o continente ocorridos desde 1831.  

Destarte, se, por um lado, o texto aprovado da PEC/39 extingue as cobranças, por outro lado cria uma verdadeira bomba de vários megatons para os ocupantes e foreiros, qual seja: a obrigação de aquisição compulsória e imediata dos direitos da União sobre tais terrenos, a preço de mercado atual, com desconto irrisório, conforme prevê o §1º, inciso II, do art. 2º do texto aprovado. 

Para os foreiros, que já são titulares do domínio útil, isso significa pagar de imediato o equivalente a quase 30 anos de foros futuros, já que a alíquota do foro anual é de 0,6% do valor do terreno de marinha e o direito da União (domínio direto), que lhe será “vendido” compulsoriamente por força da PEC/39, corresponde a 17% do valor do terreno. 

Todavia, para os ocupantes, que são a imensa maioria dos casos, o estrago do míssil proposto é muito maior: equivale a ter de obrigatoriamente adquirir o correspondente a 100% do valor do terreno de marinha, ou seja, comprar o que já lhe deveria pertencer, “adiantando” para a União o correspondente a 50 anos de taxas de ocupação anual, cuja alíquota é de 2% do valor do terreno.

Dito isso, tal como a resistência ucraniana, é preciso que o Senado Federal impeça a detonação desta verdadeira bomba nuclear na casa de milhões de brasileiros, alterando o texto da PEC/39 aprovado na Câmara de modo a obrigar à União, por um lado, a fazer a imediata e desburocratizada concessão de aforamentos para os ocupantes de forma gratuita e vinculada, conforme já previsto no §2º do art. 105 do Decreto-lei 9.760/46, bem como, estabelecer a opção para o foreiro/ocupante decidir se quer, ou não, realizar a aquisição dos direitos da União sobre os terrenos de marinha, além de melhor estabelecer as condições em que isso ocorreria, sob pena do texto aprovado afrontar garantias constitucionais que impedem que a Administração determine a aquisição compulsória de suas propriedades pelos entes particulares. Amigos, ainda não se pode celebrar a vitória! 

 

* Advogado especialista em terrenos de marinha
([email protected])

 

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