TikTok, 'tarifaço' e cooperação com Rússia: saiba como a China reagiu às falas de Trump sobre Pequim
Americano expressou sua vontade de trabalhar com o governo chinês em várias questões, mas também o acusou de capitalizar vantagens
Não faltaram referências à China nas falas de Donald Trump em seu primeiro dia de volta à Casa Branca. Na segunda-feira, o recém-empossado presidente dos Estados Unidos expressou sua vontade de trabalhar com Pequim em várias questões, incluindo o comércio bilateral e o futuro do TikTok, o popular aplicativo de mídia social de propriedade chinesa que quase foi barrado por Washington.
Ao mesmo tempo, acusou a China de capitalizar vantagens injustas em relação aos EUA, incluindo compromissos relacionados ao clima, contribuição para a Organização Mundial da Saúde (OMS) e taxas de transporte no Canal do Canadá, que Trump alegou ser efetivamente operado por Pequim, apesar de a hidrovia ser controlada pelo governo panamenho há décadas.
Em seu discurso de posse, Trump deu uma série de sinais sobre o que esperar do novo governo — uma versão muito mais agressiva de sua primeira passagem pela Casa Branca, entre 2017 e 2021.
Leia também
• Trump rejeita acordo tributário da OCDE e quer reforçar soberania econômica dos EUA
• 'Botão' para refrigerante diet, busto de Churchill e mais: Trump redecora Salão Oval da Casa Branca
• Xi e Putin mostram bom entendimento um dia após posse de Trump
Ele prometeu uma "revolução do bom senso" e enfatizou que "a partir de agora, o declínio dos Estados Unidos acabou", uma fala que tanto pode ser interpretada como uma crítica ao governo de seu antecessor, Joe Biden, quanto um alerta à disputa com a China por influência global.
Mas Trump, que em diversos momentos pediu uma linha mais dura com Pequim, também expôs sua intenção de visitar a China para se reunir pessoalmente com Xi Jinping dentro de 100 dias após assumir o cargo. A informação foi divulgada por assessores do republicano, que falaram sob condição de anonimato ao Wall Street Journal no sábado, um dia após uma ligação telefônica entre ele e o líder chinês, na qual discutiram o fortalecimento das relações bilaterais.
Coincidência ou não, Xi Jinping, por sua vez, expressou nesta terça-feira o desejo de elevar as relações de Pequim com a Rússia — um inimigo histórico dos EUA — a "novos patamares".
Veja abaixo a reação da China às diversas falas de Trump envolvendo Pequim:
Imposição de tarifas
O vice-primeiro-ministro da China, Ding Xuexiang, advertiu nesta terça-feira que nenhum país sairia vitorioso de uma guerra comercial, em um discurso no fórum econômico de Davos, um dia após Trump declarar que poderia impor tarifas se Pequim rejeitasse sua proposta de manter o aplicativo TikTok, de propriedade chinesa, operando nos Estados Unidos, vendendo metade dele.
— A transformação nunca vista em um século está se acelerando em todas as áreas com guerras tarifárias e comerciais iminentes — disse Ding. — O sistema de governança global está passando por ajustes profundos. A sociedade humana chegou mais uma vez a uma encruzilhada crítica.
Durante sua campanha eleitoral, Trump também prometeu impor tarifas mais altas à China depois de iniciar uma guerra comercial com o país durante sua primeira passagem pela Casa Branca.
— O protecionismo não leva a lugar algum, e não há vencedores em uma guerra comercial — afirmou Ding, sem mencionar Trump ou os Estados Unidos pelo nome.
Cooperação comercial
Por outro lado, a China também disse que espera cooperar com Washington para resolver disputas comerciais.
— A China está disposta a fortalecer o diálogo e a comunicação com os Estados Unidos e a lidar adequadamente com as diferenças — afirmou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Guo Jiakun. — Esperamos que os Estados Unidos trabalhem com a China para promover conjuntamente o desenvolvimento estável das relações econômicas e comerciais bilaterais.
Embora admitindo a existência de "diferenças e atritos" entre os dois países, cujas relações comerciais têm sido tumultuadas nos últimos anos, Guo observou que "os interesses compartilhados e o espaço para cooperação entre os dois países são imensos".
TikTok
Em resposta à retomada do serviço do TikTok nos EUA, bem como ao acordo proposto por Trump que daria aos EUA uma participação de 50% em uma joint venture da empresa, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, disse na segunda-feira que Pequim espera que os EUA ouçam seriamente as vozes racionais e forneçam um ambiente de negócios aberto, justo e não discriminatório para os participantes do mercado de vários países nos EUA.
— Sempre acreditamos que essas decisões devem ser tomadas de acordo com os princípios do mercado e ser determinadas pelas próprias empresas — afirmou Mao, referindo-se às operações comerciais e aquisições. — Se as empresas chinesas estiverem envolvidas, elas devem cumprir as leis e regulamentações chinesas.
Saída da OMS
A China prometeu apoiar a OMS depois que o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva ordenando que os Estados Unidos se retirassem do órgão, que ele criticou pelo modo como lidou com a pandemia de Covid-19.
— O papel da OMS só deve ser fortalecido, não enfraquecido — disse Guo Jiakun, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, nesta terça-feira. — A China, como sempre, apoiará a OMS no cumprimento de suas responsabilidades e trabalhará para construir uma comunidade compartilhada de saúde para a Humanidade.
Retirada do Acordo de Paris
A China também está “preocupada” com a nova saída dos EUA do acordo climático de Paris, disse Guo nesta terça-feira:
— A mudança climática é um desafio comum enfrentado por toda a Humanidade e nenhum país pode permanecer insensível ou resolver o problema sozinho.
O Acordo de Paris de 2015 para combater as mudanças climáticas foi ratificado por quase toda a comunidade internacional, com exceções como o Irã, a Líbia e o Iêmen.
O anúncio de Trump marca a segunda tentativa dos EUA de se desvincular do pacto. A primeira vez ocorreu em junho de 2017, durante seu primeiro mandato, embora não tenha sido formalizada até novembro de 2020 devido às próprias regras do acordo, portanto, teve pouco impacto. O governo democrata de Joe Biden reingressou em fevereiro de 2021.
Canal do Panamá
Em sua única referência à China durante o discurso oficial de posse, que contou com a presença do vice-presidente chinês, Han Zheng, Trump alegou que “a China está operando o Canal do Panamá, e nós não o demos à China, nós o demos ao Panamá, e estamos tomando-o de volta”.
A posição da China sobre questões relacionadas ao Canal do Panamá é consistente e clara, disse Guo durante uma entrevista coletiva nesta terça-feira, acrescentando que “não tenho informações adicionais para compartilhar.
Em 1903, os EUA receberam o controle da área onde seria construído o Canal do Panamá, cujas obras foram finalizadas em 1914, com poderes de usar a força para garantir a neutralidade da passagem usada hoje por cerca de 14 mil navios anualmente. Em 1977, o então presidente americano, Jimmy Carter, firmou um acordo com o ditador Omar Torrijos, que comandava o Panamá na época, devolvendo o controle do canal ao país, mas mantendo o direito de atuar para defender sua neutralidade. Os panamenhos retomaram a soberania sobre o canal em 1999, em uma decisão criticada por Trump.
Analistas veem nas falas de Trump uma preocupação com o avanço de empresas chinesas na região do canal. Dois portos, localizados nas duas extremidades da passagem, são administrados por empresas de Hong Kong, mas não há gestos visíveis vindos de Pequim de que o país estaria disposto a ampliar sua presença ali.
Cuba de volta à lista do terrorismo
A China disse nesta terça-feira que a reintegração de Cuba à lista de Estados patrocinadores do terrorismo pelo recém-empossado presidente Donald Trump foi uma demonstração da “intimidação” dos EUA. O uso repetido da lista por Washington “vai contra os fatos [e] revela totalmente a face hegemônica, autoritária e intimidadora dos Estados Unidos”, disse Guo.
Biden anunciou na semana passada, a poucos dias de encerrar seu mandato, que iria retirar Cuba da lista dos países patrocinadores do terrorismo, uma decisão que foi seguida de um anúncio do governo cubano de que libertaria 553 prisioneiros.
Relações Pequim-Moscou
Xi Jinping e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, demonstraram seu entendimento mútuo em uma chamada de vídeo nesta terça-feira, um dia após a posse de Donald Trump nos Estados Unidos.
Nas imagens da videoconferência, divulgadas pela Presidência russa, os dois líderes são mostrados sorrindo e elogiando a parceria estratégica bilateral, que tem como objetivo ser um contrapeso ao seu rival americano.
De acordo com a televisão estatal chinesa CCTV, Xi expressou seu desejo de elevar as relações entre seus países a "novos patamares".
— A estabilidade e a resiliência das relações entre a China e a Rússia ajudarão a lidar com as incertezas do ambiente externo, impulsionarão o desenvolvimento para a revitalização de ambos os países e defenderão a imparcialidade e a justiça internacionais — afirmou.
Xi também observou que Pequim e Moscou "devem aprofundar ainda mais sua coordenação estratégica, apoiar firmemente um ao outro e proteger os interesses legítimos de ambos os países".
Moscou e Pequim se aproximaram consideravelmente nos últimos anos, posicionando-se como um bloco contra a hegemonia dos EUA. E embora a China não apoie oficialmente a ofensiva da Rússia contra a Ucrânia, ela ajuda Moscou a lidar com as sanções ocidentais e até mesmo a contorná-las.