Tocofobia: síndrome que provoca medo extremo da gravidez e parto afeta vida de pacientes
Condição gera muita ansiedade em mulheres e pode fazer com que usem diversos métodos contraceptivos ou adotem abstinência sexual
A ideia de uma gravidez indesejada sempre tirou o sono da universitária Júlia, 22 anos, que toma pílula anticoncepcional Qlaira há alguns anos. Ela não consegue “imaginar a agonia de ter um bebê crescendo” dentro de sua barriga, embora admita a possibilidade de adotar uma criança no futuro.
Apesar do contraceptivo, Julia não consegue escapar da tensão toda vez que a menstruação não vem, um dos efeitos comuns da pílula. O medo de engravidar a assombra há anos, muito antes dela começar a ter relações sexuais.
— Quando a menstruação não desce, mesmo sabendo que é normal, faço uns três ou quatro testes de gravidez. Já fiz mais de cem testes na vida, com certeza — desabafa Júlia, que sofre com o transtorno da tocofobia.
A condição foi reconhecida oficialmente em 2000, após a publicação de um estudo no British Journal of Psychiatry, da Universidade de Cambridge.
A tocofobia consiste no medo extremo da gravidez e do parto. O distúrbio afeta profundamente a saúde mental e sexual da mulher, podendo acarretar crises de ansiedade, períodos depressivos, diminuição da atividade sexual e falta de conexão entre mãe e filho.
Em geral, a fobia é classificada em dois níveis. A tocofobia primária ocorre em pessoas que nunca engravidaram e pode ser quase imperceptível para quem a tem.
Já a secundária é desenvolvida após um evento traumático durante a gravidez ou parto, como trabalho de parto difícil ou natimorto. A condição é classificada como um tipo de transtorno de ansiedade generalizada (TAG) — ainda pouco estudada.
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A razão não consegue aliviar a sensação de ansiedade e medo de engravidar, de acordo com a ginecologista e sexóloga Nathalie Raibolt:
— Frequentemente, atendo mulheres que já têm um método contraceptivo e se preocupam em usar um segundo porque não se sentem tranquilas em relação ao risco de gravidez. São pessoas com capacidade de compreender a ação dos métodos, mas não se sentem seguras. É um medo irracional.
Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH), o psicólogo e pesquisador Itor Finotelli conta que, em casos extremos, a mulher opta por não se relacionar mais sexualmente.
— A abstinência sexual e o comportamento de evitar relações afetivas e sexuais podem ser estratégias de fuga para lidar com a condição. A tocofobia pode impactar a pessoa de forma integral, já que ela acaba se privando de vivenciar as experiências que deseja — avalia.
A psicanalista e terapeuta sexual Laura Meyer afirma que o medo e a ansiedade podem levar mulheres a ter pouco ou nenhum prazer na relação. No entanto, não é apenas o sexo que é afetado. Em alguns quadros, há perda de sono, dificuldade de se alimentar e pensamentos obsessivos.
A universitária Joyce Marinho, 21 anos, combina dois métodos contraceptivos: o DIU hormonal e o uso de preservativos. No entanto, convive com os sintomas da tocofobia, que começaram na adolescência, e se intensificaram à medida em que iniciou sua vida sexual.
— Morria de medo antes mesmo de começar a vida sexual. Naqueles momentos, esquecia tudo que havia aprendido sobre educação sexual e biologia. O medo falava mais forte. Quando passava mal com a gastrite e vomitava, já pensava: será? — conta ela, que sofre com crises de ansiedade. — Tomo todos os cuidados possíveis, acredito no DIU, mas o medo fala mais alto. O maior desafio é ter uma vida sexual plena.
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Sintomas
Segundo Finotelli, sintomas comuns da tocofobia são:
A hipervigilância das alterações do corpo e monitoramento constante;
O uso excessivo e inadequado de métodos contraceptivos, provocando excessos para o corpo;
Rigidez em práticas sexuais e o monitoramento em situações que possam provocar uma gravidez, diminuindo a vivência prazerosa e espontânea do sexo;
A escolha por parto cesárea para evitar o desconforto natural ao parto vaginal;
Agressões e mutilações corporais na possibilidade de uma gravidez;
Culpa, isolamento, sentimento de inadequação constantes, além de evitar contato físico com qualquer pessoa.
Impactos nas relações com outras pessoas (por não entenderem essa condição);
Impactos diretos na relação com a parceria, frustrações das expectativas sobre as práticas sexuais e a reprodução;
Pensamentos recorrentes de medo e preocupações irracionais sobre a possibilidade da gravidez, como o monitoramento constante do ciclo menstrual e análise obsessiva de possíveis erros estatísticos no uso dos métodos contraceptivos;
A busca irracional pela esterilização, provocando uma mutilação;
Evitar consultas com profissionais da área da saúde e recusa de procedimentos e exames necessários;
Dificuldade em tomar decisões sobre reprodução;
Evitar contextos em que as questões da gravidez são evidentes, como livros, filmes, chás de bebê, reuniões familiares e etc;
Sentimento de desconexão com o próprio corpo, percebendo-o como inimigo, gerando aversão e dissociação corporal;
Crises de pânico e reações emocionais intensas perto de pessoas grávidas e/ou crianças;
Desenvolvimento de crenças irracionais ou exageradas sobre os perigos da gravidez e do parto, como acreditar que engravidar vai resultar em uma experiência de parto traumática ou fatal.
— Se está sofrendo, busque ajuda. Há formas de resolver o problema. Tem cura. Uma psicoterapia pode te ajudar a resolver — orienta Laura.
Nathalie Raibolt associa o medo da gravidez a uma questão cultural. A “mulher fica a cargo de toda a responsabilidade de uma gravidez”, já que a postura masculina é, muitas vezes, de desapego e despreocupação em relação ao uso de métodos contraceptivos, detalha. Em situações em que o parceiro não quer usar o preservativo, por exemplo, a preocupação recai sobre a mulher.
— O início da vida sexual da mulher é atravessado pelo medo de engravidar. A tocofobia é consequência de uma estrutura social que sobrecarrega as mulheres em relação à maternidade e à cultura da ausência da educação sexual para o prazer.