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AMÉRICA LATINA

Tortura e prisão: quase 3 mil menores detidos em El Salvador sob regime de exceção, diz relatório

Documento da Human Rights Watch foi intitulado 'Seu filho não existe aqui' e relata casos de violações no país

Nayib Bukele, presidente de El SalvadorNayib Bukele, presidente de El Salvador - Foto: Marvin Recinos/AFP

Quase 3 mil menores de idade estão presos em El Salvador sob um regime de exceção vigente desde 2022, afirmou nesta terça-feira a Human Rights Watch (HRW), que denunciou "maus-tratos", "detenções indiscriminadas" e casos de tortura no país centro-americano.

Em um relatório intitulado "Seu filho não existe aqui", a organização documentou casos de violações de direitos humanos enquanto vigoram em El Salvador normas extraordinárias para combater as gangues.

O documento relata numerosas operações da polícia e do exército em comunidades vulneráveis, onde a violência das gangues era constante, com um saldo de mais de 80 mil detidos, incluindo quase 3 mil menores.

Além disso, o texto contabiliza mais de mil crianças que foram condenadas, com sentenças que variam de dois a 12 anos de prisão, em alguns casos "por acusações definidas de forma excessivamente ampla como o crime de [integrar] grupos ilícitos, e frequentemente com base em testemunhos policiais não corroborados", indica o texto.

"As crianças e adolescentes de comunidades vulneráveis em El Salvador sofreram graves violações dos direitos humanos devido às detenções indiscriminadas implementadas pelo governo" do presidente Nayib Bukele, disse a diretora das Américas da HRW, Juanita Goebertus.

"O governo deveria implementar uma política de segurança eficaz e respeitosa dos direitos humanos que desmantele as gangues, previna o recrutamento de crianças e lhes forneça proteção e oportunidades", acrescentou.

Bukele lançou em março de 2022 uma "guerra" contra as gangues sob o regime de exceção, que permite prisões sem ordem judicial. Foi decretado pelo Congresso após uma escalada de violência que tirou a vida de 87 pessoas.

'Confissões falsas'
Um caso documentado pela HRW é o de um estudante de 16 anos que foi detido em maio de 2022 em Sensuntepeque, a 83 km a nordeste da capital, San Salvador.

"Um familiar disse à Human Rights Watch que os soldados o obrigaram a se despir, queimaram seu torso com um isqueiro e ordenaram que ele confessasse a qual gangue pertencia", diz o relatório.

HRW afirmou que o jovem foi acusado de integrar grupos ilícitos "com base em um único testemunho de um 'testemunha criteriosa' anônima, e condenado a seis anos de prisão". Ele ainda está preso.

"Em muitos casos, as autoridades forçaram os menores a realizar confissões falsas, mediante uma combinação de acordos judiciais abusivos e, às vezes, maus-tratos ou tortura", disse a HRW.

A ONG salvadorenha Cristosal informou na semana passada que pelo menos 176 crianças ficaram órfãs pela morte de algum de seus progenitores presos, enquanto 261 adultos "morreram sob custódia estatal entre 2022 e 2024".

Bukele rejeita acabar com o regime de exceção e desdenha das críticas de grupos humanitários, enquanto seu comissário de direitos humanos, Andrés Guzmán, nega casos de tortura.

Com sua cruzada, os homicídios foram drasticamente reduzidos e Bukele se tornou o mandatário mais popular da América Latina, segundo uma pesquisa regional. Em fevereiro, foi reeleito com 85% dos votos.

Revisar casos
HRW recomendou "estabelecer um mecanismo" para revisar os casos de detidos "sem evidência credível e dispor sua libertação imediata".

Nesse sentido, a HRW propôs "dar prioridade" à revisão dos casos de menores presos, bem como pessoas com deficiência ou graves problemas de saúde e mulheres grávidas.

Sobre os menores "identificados de forma credível como membros de gangues, os juízes deveriam levar em conta fatores atenuantes como circunstâncias do recrutamento da criança, o contexto familiar e social e sua relativa falta de maturidade", disse.

Segundo a HRW, as sentenças "devem sempre promover a reabilitação e a reintegração dos menores", como exige a Convenção sobre os Direitos da Criança e outros instrumentos legais.

A HRW pediu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que publique "prontamente" um relatório sobre "as violações" dos direitos humanos no país e "solicite permissão" ao governo de Bukele para visitar as prisões.

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