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RIO DE JANEIRO

Rio não conseguiu retestar todas as amostras para HIV e terá que examinar quem recebeu órgão

Negociação aconteceu após o escândalo de procedimentos com órgãos infectados, que veio a público no último dia 11 de outubro

Transplantes infectados: Rio não conseguiu retestar todas amostras para HIV e terá que examinar paciTransplantes infectados: Rio não conseguiu retestar todas amostras para HIV e terá que examinar paci - Foto: Rafael Campos/Polícia Civil do Rio

Há cerca de 15 dias a secretaria de Saúde do Rio anunciou uma notícia que pacientes transplantados de pacientes do Rio aguardavam com ansiedade e preocupação: o Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (Hemorio) havia feito análises preliminares que constaram que nenhuma das 288 outras amostras de sangue de doadores de órgãos estava infectada com HIV.

Os testes tiveram que ser refeitos após a divulgação de que seis pacientes haviam sido infectados com o vírus, erro inédito no país. No entanto, documentos obtidos pelo Globo revelam que não foi possível realizar o reteste de 39 doadores e, por isso, a secretaria de Saúde quer examinar 59 pacientes transplantados com órgãos desses doadores.

O erro do laboratório PCS Lab Saleme foi revelado em 6 de outubro, apesar da secretaria de Saúde já saber do problema desde o início de setembro, quando um hospital privado alertou à pasta que um paciente havia se infectado após um transplante. Entre as ações tomadas pelo governo do Rio para garantir a lisura do programa de transplantes no estado foi fechar o laboratório, t ransferir todos os novos exames ao Hemorio e que o Instituto retestaria 288 amostras de sangue de doadores. O número abrangeria todos os pacientes que foram analisados pelo PCS: entre dezembro de 2023 e setembro deste ano.
 

Em uma nota enviada à imprensa em 19 de outubro, o Hemorio informou que " as análises preliminares constataram que não havia mais nenhuma amostra de sangue de doador de órgãos infectada por HIV". O Instituto ainda afirmou que por causa da "enorme relevância do caso" iria fazer uma segunda bateria de testes com cada uma das amostras.

No entanto, na última semana a secretária estadual de Saúde Claudia Maria Braga Mello enviou um ofício a 11 hospitais que realizaram transplantes de pacientes no Rio pedindo para que eles localizem os receptores. Segundo o documento, não foi possível fazer as análises de todas as amostras de sangue. No ofício, Claudia Mello diz que "dos 288 doadores 39 tiveram amostras insuficientes para retestagem, resultando na necessidade de realizarmos o teste em 59 receptores". A mensagem foi direcionada às unidades públicas e privadas onde as cirurgias com órgãos desses pacientes foram feitas.

A secretária ainda pede para que um representante de cada unidade vá à sede da pasta para buscar a listagem individual de pacientes. No documento, Cláudia Mello ainda diz que o Hospital Universitário Pedro Ernesto terá um centro de testagem exclusivo para atender esses casos e os exames poderão ser feitos de segunda à sexta-feira de 8h às 17h. Os testes deveriam ainda ser marcados por um telefone ou email exclusivo do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (CIEVS): "Caso os pacientes já tenham sido testados, solicitamos que nos enviem a resposta com os respectivos resultados", completa a secretária no ofício.

Além do HIV
Nos ofícios ainda constam todos os testes que precisam ser feitos em cada um dos 59 pacientes que receberam os órgãos. Além de testes para o vírus HIV será preciso refazer todos os exames do protocolo de doação de órgãos do Ministério da Saúde, como hepatites, sífilis e doença de chagas.

Na semana passada, a Polícia Civil indiciou e pediu a prisão preventiva de seis pessoas, entre sócios e funcionários do PCS Lab Saleme. Para a Delegacia do Consumidor (Decon), os investigados almejavam o lucro e reduziram o controle de qualidade dos exames. Em seu Relatório de Inquérito Final, o delegado titular da Decon Wellington Pereira afirma ainda que o laboratório não seguia o protocolo do Ministério da Saúde para testes de doadores mortos.

Segundo o documento, nesses casos, quando há resultado negativo, é necessário um teste complementar molecular, que o PCS Lab Saleme não tinha. O custo dessa metodologia é muito superior ao da testagem usada pela empresa.

“A vontade livre e consciente dos indiciados para praticarem os crimes investigados é notória, não sendo aceitável a alegação de ‘simples falha’. Em prol da segurança, é determinada a impossibilidade de realização de apenas um teste em caso de ‘doador cadáver’ com resultado negativo, justamente para evitar situações como as que ocorreram, e isso foi claramente ignorado pelos indiciados”, escreveu o delegado.

O Ministério Público denunciou o grupo, que está preso preventivamente. Além dessas investigações, a própria secretaria estadual de Saúde abriu uma sindicância para apurar os erros cometidos no laboratório. Nesta terça-feira foi publicada no Diário Oficial a extensão dessa investigação por mais 30 dias. Entre os pontos a serem elucidados estão as falhas de controle interno da secretaria, reveladas pelo GLOBO na semana passada.

Procurada, a secretaria de Saúde afirma que "que acompanha, junto aos centros transplantadores, os pacientes que receberam órgãos entre dezembro de 2023 e setembro de 2024", que "não foram encontrados novos casos de infecção por HIV" e que " os testes estão sendo feitos diretamente nos centros transplantadores ou em centro especializado da rede estadual".

Novo laboratório
A secretaria estadual de Saúde (SES) do Rio fechou a contratação da empresa Blessing Análises Clínicas para substituir o PCS Lab Saleme na prestação de serviços para 13 unidades da rede estadual de saúde do Rio. A troca foi feita após o escândalo dos transplantes com órgãos infectados com HIV, que veio a público no último dia 11 de outubro e pelo qual o PCS — responsável pelos testes falhos — foi interditado. O novo contrato de R$ 11,3 milhões é emergencial e valerá por um ano, mas pode ser interrompido antes caso a pasta escolha uma nova empresa por licitação.

Desde 14 de setembro o PCS Saleme não prestava mais serviços à Central de Transplantes do Rio (CET), onde ocorreram os falsos negativos para HIV. No início de outubro o laboratório, que também fazia exames para outras 12 unidades estaduais, foi interditado pela Vigilância Sanitária e os exames para o CET passaram a ser feitos somente pelo Hemorio.

Com o fechamento do prestador de serviço, a pasta buscou as empresas que participaram da licitação vencida pelo PCS em 2023. O segundo colocado no processo declinou da proposta, abrindo caminho para o Blessing.

O contrato prevê que a nova empresa faça exames das mesmas 13 unidades que o PCS atendia, incluindo a Central de Transplantes. A SES afirma que será feito um aditivo retirando a CET e o Hemorio da prestação do serviço.

Empresa já recebeu R$ 6,2 milhões sem licitação
Não será a primeira vez, no entanto, que a empresa atuará no estado sem licitação: desde 2022, é desta forma que o Blessing recebeu R$ 6,2 milhões da Saúde fluminense. A maioria dos valores foi relacionada ao Hospital estadual Azevedo Lima (HEAL), em Niterói.

Nos dois últimos anos, por exames na unidade, o laboratório obteve R$ 5 milhões em 17 pagamentos por Termos de Ajuste de Contas (TACs), feitos quando não há uma cobertura contratual para um serviço prestado. Nessas ocasiões, há um acordo por comodato: a empresa faz todos os exames que o hospital solicita e, depois, cobra do governo, enviando comprovações de que realizou as análises. No fim, é feito um TAC, e o montante é pago ao fornecedor.

De OS à Fundação Saúde
Como O Globo vem mostrando nas últimas semanas, os TACs e as contratações emergenciais — que deveriam ser excepcionais — têm superado as feitas com licitação na Fundação Saúde, que administra as unidades de saúde do estado.

No caso do Blessing, a empresa já operava no Azevedo Lima quando o hospital era gerido por uma Organização Social (OS). A Fundação Saúde passou a administrar o HEAL em abril de 2023, quando pediu para que o laboratório — e outras empresas terceirizadas — continuassem suas atividades com a finalidade de garantir que não houvesse “interrupção do serviço público, garantindo-se a indenização”, como escreveu a diretora administrativa financeira Alessandra Pereira, em um ofício dias antes de a Fundação assumir o hospital.

À época, para assumir como diretor-geral da unidade, o escolhido foi o ortopedista Marcus Vinicius Dias. O médico é o mesmo que, na semana passada, em meio à crise dos transplantes infectados, foi nomeado como novo diretor executivo da Fundação Saúde. Ele assumiu o lugar de João Ricardo Pilotto, exonerado após toda a diretoria da empresa pública colocar os cargos à disposição.

As conversas entre o Blessing e o governo fluminense para que o laboratório substitua o PCS Lab Saleme, no entanto, começaram antes mesmo que Pilotto fosse exonerado e o nome de Marcus Vinicius Dias fosse cotado para a função. Além disso, a Fundação Saúde afirma que as chefias dos hospitais “não participam da contratação dos prestadores de serviço”.

A empresa pública sustenta ainda que a necessidade dos TACs ocorreu porque, até 2020, a fundação era responsável por apenas 11 unidades. Mas, por causa de uma lei estadual que determinou o fim da gestão por OSs no Rio, o número saltou para 65. “Essa transição exigiu a contratação, de forma emergencial, de fornecedores e prestadores de serviço, para que não houvesse descontinuidade da assistência à população”, alegou.

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