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Tren de Aragua: facção considerada "terrorista" pela Casa Branca é alvo de operação de deportação

Organização venezuelana tornou-se uma das mais temidas e violentas da região e, aliada ao PCC, chegou a assumir o controle de áreas no Brasil

Membros da organização criminosa Tren de Aragua chegam ao Centro de Confinamento ao Terrorismo Membros da organização criminosa Tren de Aragua chegam ao Centro de Confinamento ao Terrorismo  - Foto: Presidência de El Salvador / AFP

O governo do presidente americano, Donald Trump, anunciou no sábado ter prendido e expulsado mais de 200 supostos membros da gangue venezuelana Tren de Aragua para El Salvador, onde foram encarcerados — mesmo com um juiz federal dos Estados Unidos ordenando a suspensão das deportações. O decreto do republicano teve como alvo cidadãos da Venezuela com 14 anos ou mais e que tenham vínculos com a gangue transnacional.

Apesar de a decisão de Trump ter sido rapidamente contestada na Justiça, a gangue tem sido uma crescente preocupação nos EUA nos últimos tempos. A administração de Joe Biden (2021-2025) classificou o Tren de Aragua como uma organização criminosa transnacional no ano passado, e a Casa Branca de Trump iniciou o processo para designá-la como uma organização terrorista estrangeira ainda em janeiro.

O Tren de Aragua nasceu em 2014, dentro da prisão de Tocorón, no estado de Aragua. Sob a liderança de Héctor Rustherford Guerrero Flores, conhecido como “Niño Guerrero”, Tocorón tornou-se uma das prisões mais notórias da Venezuela. A liberdade dos criminosos no local e os lucros obtidos com suas atividades permitiram a construção de uma piscina, restaurante, boate e até um zoológico dentro da prisão.

 

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Com o colapso econômico da Venezuela e o governo de Nicolás Maduro se tornando mais repressivo, a gangue começou a explorar migrantes vulneráveis. Em pouco tempo, sua influência se espalhou por outras partes da América Latina, e o Trem de Arágua passou a ser uma das organizações criminosas mais violentas da região, com foco no tráfico sexual, contrabando de pessoas e tráfico de drogas.

Em 2022, autoridades colombianas acusaram o grupo de pelo menos 23 assassinatos depois que a polícia começou a encontrar partes de corpos em sacos plásticos. Integrantes do grupo também foram presos no Chile e no Brasil, onde a gangue se aliou ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Relatórios obtidos pelo GLOBO mostram que a facção assumiu o controle de bocas de fumo em pelo menos cinco bairros de Roraima, além de Manaus e cidades fronteiriças no Amazonas.

Presença nos EUA
Nos Estados Unidos, embora muitos detalhes sobre o tamanho e a sofisticação do grupo ainda sejam desconhecidos, a gangue passou a ser uma preocupação real para as autoridades nos últimos anos. Em Nova York, o grupo tem se concentrado no roubo de celulares, furtos no varejo e assaltos. A gangue ainda está envolvida na distribuição de uma droga sintética rosa em pó, conhecida como Tusi, frequentemente misturada com cetamina, MDMA ou fentanil.

As autoridades também acreditam que o grupo recruta membros dentro dos abrigos para migrantes da cidade e que, em diferentes momentos, entrou em conflito ou formou alianças com outras gangues. Em outras partes do país, pessoas acusadas de ligação com o Tren de Aragua foram indiciadas por crimes como tiroteios e tráfico de pessoas, geralmente tendo como alvo membros da comunidade venezuelana.

Em maio de 2024, autoridades federais descobriram uma rede de tráfico sexual na qual a gangue forçava mulheres venezuelanas a se prostituírem para pagar dívidas contraídas com coiotes que as ajudaram a atravessar a fronteira. A rede operava em Louisiana, Texas, Virgínia, Flórida e Nova Jersey, de acordo com uma denúncia apresentada em um tribunal.

A presença do grupo nos EUA foi um tema polêmico nas eleições de 2024, com Trump acusando a administração Biden de permitir a entrada de criminosos no país. Durante um debate presidencial, Trump chegou a afirmar falsamente que a gangue havia tomado conta de Aurora, no Colorado. Na época, a polícia chamou a declaração de “exagerada”, embora tenha reconhecido que investigava membros do grupo.

‘Guerra irregular’
O governo Trump tem repetidamente descrito o Tren de Aragua como um dos focos de suas políticas de deportação, indicando que os membros da organização infiltraram-se ilegalmente no país e “estão conduzindo uma guerra irregular e realizando ações hostis”. Migrantes venezuelanos que buscam asilo nos Estados Unidos relatam que a presença da gangue e o discurso em torno dela, porém, geraram um estigma prejudicial.

— Agora eles acham que qualquer um de nós que tenha tatuagens faz parte do Tren de Aragua — disse Evelyn Velasquez, uma venezuelana de 33 anos, ao The Times em setembro. — Vou procurar emprego e, quando ouvem que somos venezuelanos, nos recusam.

Em fevereiro, a secretária de imprensa da Casa Branca afirmou que dez homens detidos e enviados para Guantánamo, em Cuba, eram membros do Tren de Aragua. Familiares de pelo menos um dos detidos negaram o envolvimento do preso. No mesmo mês, o governo Trump esvaziou dois centros de detenção onde estavam 177 venezuelanos deportados.

Agora, os Estados Unidos estão pagando El Salvador para manter os venezuelanos presos sob um acordo intermediado pelo secretário de Estado americano, Marco Rubio, com o presidente salvadorenho, Nayib Bukele. Trump acelerou as deportações ao invocar a Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1798, um estatuto anteriormente usado para justificar a internação de nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial.

“Neste fim de semana, sob orientação do presidente, o Departamento de Segurança Interna prendeu com sucesso quase 300 terroristas do Tren de Aragua, salvando inúmeras vidas americanas”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, em nota. “Esses monstros hediondos foram extraídos e removidos para El Salvador, onde não poderão mais representar qualquer ameaça ao povo americano”.

‘Criminalização de migrantes’
O momento exato das transferências não ficou claro, e os EUA também não detalharam publicamente como identificaram os venezuelanos como membros da gangue. As deportações ocorreram mesmo após o juiz James Boasberg bloqueá-las por 14 dias para poder avaliar a contestação legal movida pela União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês) e pela Democracy Forward.

No sábado, Boasberg chegou a dizer que qualquer voo que transportasse pessoas deportadas sob a ordem de Trump teria que retornar aos Estados Unidos no meio do trajeto. Leavitt, porém, disse que a “ordem [do juiz], que não tinha base legal, foi emitida depois que os terroristas do Tren de Aragua já haviam sido removidos do território americano”. Questionado se seu governo havia violado a ordem de Boasberg, Trump disse:

— Não sei. Você tem que falar com os advogados — afirmou ele a repórteres no domingo, a bordo do Air Force One, acrescentando: — [Os deportados são] um grupo ruim de ‘hombres’ que invadiram o nosso país. Nesse sentido, isso é uma guerra.

A proclamação presidencial afirma que o Tren de Aragua está promovendo uma “migração ilegal em massa para os Estados Unidos” com o objetivo de prejudicar os cidadãos do país, minar a segurança e apoiar os esforços de Maduro para desestabilizar nações democráticas. Após uma vitória eleitoral impulsionada em parte pela preocupação dos eleitores com a imigração ilegal, Trump tem intensificado deportações e reforçado as fronteiras do país.

Em resposta, o governo da Venezuela afirmou que a proclamação dos EUA “criminaliza de forma infame e injusta” os migrantes venezuelanos, descrevendo a medida como algo que remete aos “momentos mais sombrios da humanidade”. (Com Bloomberg e New York Times)

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