DIPLOMACIA

Troca de prisioneiros ocorre no pior momento das relações EUA-Rússia em décadas

Em uma rara vitória da diplomacia, Washington e Moscou conseguiram costurar acordo

Ex-prisioneiros Gershkovich, Whelan, Kurmasheva e Kara-MurzaEx-prisioneiros Gershkovich, Whelan, Kurmasheva e Kara-Murza - Foto: Natalia Kolesnikova, Kirill Kudryavtsev, Alexander Nemenov/reprodução/AFP

A troca de prisioneiros entre Rússia e Estados Unidos, que resultou na libertação do jornalista Evan Gershkovich, foi a maior operação desta natureza desde o fim da Guerra Fria.

O acordo diplomático, que envolveu a libertação de 24 prisioneiros, entre americanos, russos e de outras nacionalidades, é uma vitória do diálogo em um momento em que as relações entre o Ocidente e Moscou alcançaram o pior patamar em décadas com a invasão russa à Ucrânia.

— Desde a Guerra Fria, não houve um número semelhante de indivíduos trocados dessa forma, e nunca houve, até onde sabemos, uma troca envolvendo tantos países — disse o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, pouco após a confirmação do acordo.

— É o ápice de muitas rodadas de negociações complexas e meticulosas.

A troca é uma das poucas áreas restantes de cooperação diplomática entre os EUA e a Rússia depois da invasão da Ucrânia.

O conflito contrapôs Moscou, que acusou o avanço da Otan em direção ao Leste Europeu para justificar sua "operação militar especial", e o bloco ocidental, que efetivamente admitiu a entrada da Finlândia, ampliando a fronteira direta com a Rússia.

O apoio bélico da Otan também possibilitou a Kiev resistir no campo-de-batalha.

Embargos econômicos e financeiros foram aplicados pelos principais países ocidentais contra os russos, que também viram uma debandada de empresas internacionais do país.

Em certa altura, o presidente russo, Vladimir Putin, chegou a afirmar que os embargos e os fornecimentos ocidentais eram equivalentes a uma participação direta na guerra.

Dezenas de diplomatas russos foram expulsos dos EUA e da União Europeia desde o início da guerra, sob suspeita de espionagem, uma medida que Moscou espelhou.

Washington acusou o Kremlin de perseguir cidadãos americanos em território russo, para fazê-los de reféns e forçar trocas por agentes presos no estrangeiro — uma alegação que Moscou nega.

A troca desta quinta-feira, porém, não envolveu apenas EUA e Rússia. A Turquia, país-membro da Otan, mas cujo presidente Recep Tayyip Erdogan tem relação próxima com o Putin, atuou como mediador e sediou a troca, que ocorreu em um aeroporto da capital, Ancara.

Do lado do Ocidente, Alemanha, Eslovênia, Noruega e Polônia também trocaram prisioneiros, ao passo que a Bielorrússia, aliada de Moscou, também se beneficiou do acordo.

Apesar do momento de crise entre Otan e Rússia, pode ter contribuído para o acordo o fato de tanto Putin quanto os líderes ocidentais, sobretudo o presidente americano, Joe Biden, enxergarem vitórias nos termos negociados, que podem ser apresentados ao público interno.

Biden, que recentemente cedeu a pressões do Partido Democrata e desistiu de tentar a reeleição, tem uma última conquista forte em termos de política externa.

Ao lado de familiares de Gershkovich e dos outros reféns libertados, o presidente prometeu continuar trabalhando para devolver às famílias americanas todos os cidadãos "injustamente detidos ou mantidos reféns ao redor do mundo".

O democrata também passou mensagens políticas. Ele ressaltou o papel da Alemanha para que o acordo fosse fechado, uma vez que um dos principais alvos de Putin, Vadim Krasikov, estava preso por homicídio em Berlim.

O presidente citou o governo alemão, fazendo menção à importância de ter "aliados" — uma fala que, em meio à campanha presidencial americana, ressoa as narrativa democrata de que a volta do ex-presidente Donald Trump faria o país tender ao isolacionismo.

Ao fim da entrevista, Biden ainda respondeu diretamente a uma pergunta sobre Trump, que afirmou que poderia libertar prisioneiros sem uma troca — inclusive afirmando que Putin "faria isso" por ele.

— Por que ele não fez isso quando era presidente? — perguntou Biden, já de saída.

O argumento do presidente ganha força quando se nota que parte dos prisioneiros já estavam presos em solo russo quando Trump era o presidente, como é o caso do ex-fuzileiro Paul Whelan, que estava sob poder da Rússia desde 2018.

Do lado de Moscou, Putin pode se gabar para o seu público interno do fato de ter conseguido repatriar uma série de alvos considerados de alto valor, pela forma como foram presos em países ocidentais.

No caso de Krasikov, a prisão pelo homicídio de um líder separatista checheno era tida como uma barreira insuperável para sua liberação antes do início das negociações.

Em uma entrevista ao jornalista e ativista de direita Tucker Carlson, Putin já havia feito menção a um cidadão preso em um país aliado dos EUA, definindo-o como uma pessoa com sentimentos patrióticos, sugerindo que uma troca pelo jornalista americano seria possível. Isso se confirmou, e agora Putin pode se congratular por isso.

Cada lado também ganhou a possibilidade de alardear que conseguiu termos melhores. Putin pode justificar que conseguiu repatriar alvos com valor maior em termos estratégicos, apesar de ter liberado o dobro de prisioneiros.

Também faz um forte aceno a seus agentes no exterior, mostrando que a Rússia não vira as costas aos que são capturados em serviço.

Biden, por sua vez, tem a seu favor o fato de que conseguiu fechar o primeiro acordo desde o colapso soviético que incluiu a libertação de figuras proeminentes da oposição, que poderão retomar suas atividades contra o governo Putin do exílio. 

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