Quais obstáculos Trump terá de superar para cumprir plano de deportação em massa nos EUA?
Em entrevista à NBC News, republicano reiterou que custo dessa política não será um impedimento para o seu governo
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, reiterou esta semana sua promessa de campanha de deportação em massa de imigrantes irregulares, afirmando à NBC News, em seus primeiros comentários públicos desde que venceu a eleição, que o custo dessa política não será um impedimento para o novo governo.
Disse ainda que sua prioridade ao assumir o cargo em janeiro seria tornar a fronteira sul "forte e poderosa".
— Não é uma questão de custo [para implementar a medida]. Realmente, não temos escolha. — declarou na quinta-feira a noite.
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Mas como essa promessa de campanha realmente funcionaria e quais são os obstáculos que Trump pode enfrentar para deportar milhões de imigrantes irregulares?
Quantos imigrantes irregulares estão no país?
Havia 11 milhões de imigrantes irregulares vivendo nos EUA em 2022, de acordo com as últimas estimativas do governo, um número que se manteve relativamente estável desde 2005. A maioria — oito em cada 10 — está no país há mais de uma década.
Quem seria alvo de deportação e quão fácil seria removê-los?
Os imigrantes irregulares que vivem no país há anos têm proteção legal e direito ao devido processo legal, incluindo uma audiência judicial antes de sua remoção.
Um aumento drástico nas deportações provavelmente implicaria em uma grande expansão do sistema de tribunais de imigração, que tem sido afetado por atrasos.
O consenso entre os especialistas em imigração e ex-funcionários da segurança interna é que as barreiras logísticas, legais, burocráticas e de custo tornariam praticamente impossível realizar as deportações em massa que Trump busca no período de um mandato presidencial de quatro anos.
— É extremamente complicado e caro decidir deportar pessoas que estão aqui há anos — disse Laura Collins, especialista em imigração do Instituto George W. Bush em Dallas.
Isso custaria “bilhões de dólares, provavelmente levaria 20 anos" e "causaria o encolhimento da economia”, acrescentou.
— Mesmo se ele tiver um Congresso disposto a promulgar reformas estatutárias drásticas e a se apropriar das dezenas de bilhões necessários, não há como esse sistema estar totalmente funcional em um período de quatro anos — afirmou John Sandweg, funcionário de segurança interna do governo Barack Obama (2009-2017).
Quais seriam os outros obstáculos?
Aqueles que entraram ilegalmente no país nos últimos anos foram processados na fronteira e, em seguida, liberados com ordens para comparecer ao tribunal para audiências de deportação.
Enquanto seus casos tramitam no tribunal de imigração, o que normalmente leva vários anos, eles têm o direito de permanecer nos EUA.
— Trump precisaria triplicar o tamanho dos tribunais de imigração para chegar perto dos números de que ele está falando — explicou Sandweg. — Mesmo assim, ele precisaria de financiamento para construir novos tribunais, contratar pessoal de apoio e treinar juízes.
Além do custo, um Congresso polarizado, mesmo controlado pelos republicanos, ainda teria que chegar a um consenso sobre a essência da operação, uma perspectiva desafiadora, considerando que os parlamentares não conseguiram reformular o sistema de imigração por mais de duas décadas.
É provável que qualquer programa de deportação em massa também seja quase imediatamente confrontado com uma enxurrada de desafios legais de ativistas de imigração e direitos humanos.
Uma decisão da Suprema Corte de 2022, no entanto, determina que os tribunais não podem emitir liminares sobre as políticas de aplicação de leis de imigração, o que significa que elas continuariam mesmo enquanto as contestações percorressem seu caminho no sistema jurídico.
Há pessoal, instalações, aviões e outros meios de transporte suficientes para uma operação de deportação em massa nos EUA?
Se um governo dos EUA conseguisse avançar legalmente com os planos de deportações em massa, as autoridades ainda teriam que enfrentar enormes desafios logísticos.
Para identificar e prender milhões de pessoas no interior do país, seriam necessários dezenas de milhares de agentes de imigração a mais, segundo Janet Napolitano, secretária de Segurança Interna durante o governo Obama.
Trump disse que alistaria a Guarda Nacional e outros recursos das Forças Armadas para executar seu plano.
As autoridades policiais locais poderiam ser encarregadas de identificar pessoas sem documentos e entregá-las ao Departamento de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês), o que já aconteceu no passado em algumas localidades.
No entanto, muitas das maiores cidades e condados do país, incluindo Chicago, Denver, Los Angeles e Filadélfia, aprovaram leis que restringem a cooperação da polícia local com o ICE, pois temem que essa cooperação promova a criação de perfis raciais e coloque imigrantes que cometeram delitos menores, como infrações de trânsito, em processos de deportação.
Trump se comprometeu a tomar medidas contra essas “cidades santuário”, mas a colcha de retalhos de leis locais, estaduais e federais dos EUA complica ainda mais o cenário.
Atualmente, os agentes do ICE se concentram em localizar e deportar criminosos condenados, como molestadores de crianças e outros suspeitos de serem uma ameaça à segurança pública ou nacional. Cerca de um milhão de imigrantes com ordens de remoção definitivas que vivem no país poderiam ser um grupo-alvo.
Quanto custaria uma operação de deportação em massa?
Os especialistas estimam que a conta total de um milhão ou mais de deportações chegaria a dezenas ou até centenas de bilhões de dólares.
Todo deportado em potencial é mantido em um centro de detenção e, no ano fiscal atual, o Congresso financiou a detenção de 41,5 mil imigrantes diariamente a um custo de US$ 3,4 bilhões, que precisaria aumentar exponencialmente.
E muitos imigrantes vêm de países que não têm laços diplomáticos com os EUA ou que se recusam a receber seus cidadãos de volta. Eles não podem ser levados imediatamente para fora do país, e a Suprema Corte decidiu que as pessoas não podem permanecer detidas por períodos ilimitados aguardando a remoção.
O orçamento do ICE para transporte e deportação no ano fiscal de 2023 foi de US$ 420 milhões, e a agência deportou 142.580 pessoas naquele ano.
Como Trump pode acelerar o ritmo das remoções?
Em seu próximo mandato, Trump poderia acelerar as deportações encerrando os programas que o governo Biden introduziu. Por exemplo, desde 2022, cerca de 500 mil pessoas de Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela foram autorizadas a voar para os EUA e viver e trabalhar por dois anos, desde que tenham um empregador. Biden também permitiu que quase 700 mil migrantes cruzassem a fronteira por meio de uma entrada oficial e recebessem autorizações de trabalho.
— Trump poderia apertar o botão e revogar isso — disse Neifach, acrescentando, porém, que muitos dos migrantes poderiam fazer pedidos de asilo e se tornar parte dos tribunais entupidos.
A remoção acelerada na fronteira permite a rápida deportação de migrantes sem uma audiência, a menos que eles convençam um agente de que enfrentariam a ameaça de violência em seu país, e Biden emitiu em junho uma ordem executiva que está sendo contestada no tribunal para ampliar o uso dessa ferramenta. Trump poderia tentar estendê-la para o interior, embora provavelmente enfrentaria desafios judiciais.
Haveria alguma exceção entre os deportados?
Trump não disse se exerceria algum poder discricionário ou se abriria alguma exceção.
Mais de um milhão de americanos são casados com uma pessoa em situação irregular no país, e uma grande parte desses imigrantes tem filhos que são cidadãos americanos.
— Quando se fala em números desse tipo e da presença de agentes da lei, é preciso pensar nas consequências: o que isso faz com a atmosfera do país? — concluiu Napolitano, ex-secretária de Segurança Interna.
As deportações em massa já aconteceram antes?
Durante os quatro anos do governo Trump anterior, cerca de 1,5 milhão de pessoas foram deportadas, tanto da fronteira quanto do interior dos EUA.
E o governo Biden está a caminho de igualar esse número, com cerca de 1,1 milhão de pessoas deportadas até fevereiro deste ano, segundo estatísticas.
Durante os dois mandatos do presidente Barack Obama — quando Biden era vice-presidente — mais de três milhões de pessoas foram deportadas, levando alguns defensores da reforma imigratória a apelidar Barack Obama de “deportador-chefe"
A única comparação histórica com um programa de deportação em massa ocorreu em 1954, quando 1,3 milhão de pessoas foram deportadas como parte da Operação Wetback, cujo nome deriva de uma calúnia depreciativa comumente usada contra os mexicanos na época. No entanto, esse número é contestado pelos historiadores.