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Estados Unidos

Trump é fichado e aguarda para ser formalmente acusado em caso de documentos sigilosos

Ex-presidente responde a 37 acusações criminais por levar consigo ao deixar o poder materiais com informações sensíveis e obstruir a Justiça para não devolvê-los

Comitiva do ex-presidente Donald Trump chega para audiência em MiamiComitiva do ex-presidente Donald Trump chega para audiência em Miami - Foto: Ricardo Arduengo/AFP

O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já foi fichado no tribunal em Miami e aguarda a audiência em que será formalmente acusado de obstrução de Justiça e posse ilegal de documentos sigilosos.

O republicano, que lidera as pesquisas para ser o candidato de seu partido nas eleições do ano que vem, é o primeiro ocupante da Casa Branca, antigo ou atual, a virar réu federal, e seus imbróglios com a Lei devem ser protagonistas na disputa presidencial de 2024.

Trump chegou ao fórum no centro de Miami por volta das 14h (15h no Brasil), e pouco antes postou em suas redes sociais que este é "um dos dias mais tristes da História do nosso país". Do lado de fora do prédio, há um até agora pequeno número de apoiadores que respondeu ao chamado do ex-presidente para protestar contra as acusações, que afirma ser um "caça às bruxas" do Departamento de Justiça e do presidente Joe Biden. Autoridades locais ressaltam, ainda assim, que há preocupações com a segurança.

Segundo a denúncia do promotor especial Jack Smith, cujo sigilo foi derrubado na sexta, Trump responde por 37 acusações referentes a sete crimes no caso relacionado à retirada de documentos sigilosos do governo ao fim de seu mandato. De acordo com a investigação de mais de um ano, o republicano pôs em risco segredos de Estado — entre eles um "plano de ataque" contra o Irã e informações sobre programas nucleares — ao armazenar os materiais em lugares como um chuveiro e e um salão de baile, compartilhá-los com pessoas sem autorização e dar ordens para que um assessor os escondessem da Justiça.

Ao todo, são 31 acusações de violar a Lei de Espionagem com a "retenção proposital" de documentos— cada uma referente a um documento sigiloso que armazenava irregularmente. As outras seis são referentes à posse dos materiais, à conspiração para obstrução de Justiça após se recusar a entregá-los mesmo após intimação judicial e às mentiras que contou aos investigadores.

O fichamento do ex-presidente, que teve suas digitais tiradas e postas no sistema, acabou por volta das 14h05 (15h05 no Brasil) — devido ao privilégio de ser ex-presidente, contudo, foi poupado de ter sua fotografia tirada. Em seguida haverá uma audiência no 13º andar comandada pelo juiz Jonathan Goodman, em que as acusações serão formalmente apresentadas. A expectativa é que Trump se declare inocente.

Câmeras estão banidas de dentro do tribunal e os repórteres presentes — tanto na sala da audiência quanto em um anexo — não podem usar telefones, computadores ou fazer anotações. As regras foram postas em vigor especificamente para Trump. Após os procedimentos, ele deve embarcar em um avião e voltar para seu campo de golfe em Bedminster, Nova Jersey, onde há previsto um pronunciamento nesta noite.

— O ex-presidente Donald Trump está em uma posição muito peculiar de não precisar ter sua fotografia tirada, obviamente — disse uma de suas advogadas, Alina Habba. — Ele não tem risco de fuga. Ele é um candidato líder nas intenções de voto para a nomeação republicana neste momento. O processo em curso foi coordenado com o Serviço Secreto e prosseguirá tranquilamente.

Os passos são similares aos que Trump tomou em abril, quando fez História ao se tornar o primeiro ex-presidente americano a virar réu depois que foi acusado pela Justiça estadual nova-iorquina pela falsificação de registros comerciais antes das eleições presidenciais de 2016 — entre eles, o suposto suborno de US$ 130 mil da atriz pornô Stormy Daniels para abafar um caso extraconjugal que mantiveram dez anos antes, e que ele sempre negou. Na ocasião, o ex-presidente declarou-se inocente em Manhattan e voou para a Flórida, onde fez um pronunciamento.

Ambos julgamentos devem coincidir com a corrida eleitoral, mas os problemas de Trump com a Justiça podem não parar por aí. Ele é alvo de uma outra investigação no estado da Geórgia por ter demandado que as autoridades eleitorais "encontrassem" os votos necessários para reverter a vitória de Biden em 2020.

Há ainda em curso uma investigação federal também comandada por Smith sobre o 6 de janeiro de 2021, quando turbas incitadas pelo então presidente Trump invadiram o Capitólio durante a sessão que confirmaria a vitória de Biden, etapa derradeira antes da transferência de poder.

A Casa Branca tenta se distanciar das acusações, buscando minimizar as oportunidades de ser acusada de politizar o processo judicial. Assim que Trump chegou ao tribunal, por exemplo, a porta-voz da Presidência americana, Karine Jean-Pierre, se recusou a comentar o tema:

— O Departamento de Justiça é independente e quer restaurar essa independência — afirmou ela.

No Partido Republicano, dominado pelo trumpismo desde que o então apresentador de televisão e magnata imobiliário surpreendeu e venceu as primárias da legenda em 2016, o apoio ao ex-presidente é quase unânime.

Até mesmo seus adversários na disputa pela indicação partidária para o pleito do ano que vem saíram a favor de seu maior adversário — segundo o agregador de pesquisas RealClearPolitics, Trump tem 52,7% da intenção de voto dos eleitores republicanos nas primárias. O governador da Flórida, Ron DeSantis, é o segundo colocado com 22%.

O consenso entre os correligionários é que o custo-benefício de explorar politicamente os imbróglios judiciais do líder nas pesquisas não é positivo. Diante da imensa polarização americana, o risco de parecer traidor ou alinhado aos democratas é fator predominante na equação.

Coube a Goodman presidir a audiência desta terça, majoritariamente procedural, mas a expectativa é que o julgamento em si fique sob comando da juíza Aileen Cannon, nomeada por Trump — diferentemente de como ocorre no Brasil, cabe ao presidente dos EUA indicar magistrados para cortes federais.

Ela chegou a emitir decisões favoráveis ao ex-presidente no ano passado, durante tentativas da sua defesa de atrasar os trabalhos do Departamento de Justiça.

As acusações contra Trump foram aprovadas na semana passada por um grande júri em Miami — pela lei federal, acusações criminais precisam passar pelo crivo dos cidadãos aleatoriamente convocados — que ouviu o depoimento de testemunhas e revisou evidências. O grupo, por fim, decidiu haver uma "causa razoável" para a acusação prosseguir.

Agora, um outro grupo de cidadãos será convocado para o julgamento. De acordo com o Departamento de Justiça, Trump levou consigo materiais sobre "programas nucleares americanos; vulnerabilidades em potencial dos EUA e seus aliados a ataques militares; e planos para possíveis retaliações em resposta a ataques estrangeiros".

As informações sigilosas eram mantidas em "um salão de baile, no banheiro, em um chuveiro, em um espaço de escritório, no seu quarto e em um depósito" em Mar-A-Lago, na Flórida, para onde se mudou depois que deixou Washington.

Cada uma das acusações por violar a Lei de Espionagem têm um tempo máximo de prisão de 10 anos — ou seja, um total de 310 anos. As outras acusações somadas podem render ao favorito para ser o candidato republicano nas eleições presidenciais do ano que vem mais 90 anos atrás das grades. É muito raro, contudo, que o tempo máximo de detenção seja aplicado.

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