Trump tenta dominar narrativa de atos, e Biden reage para evitar revés
Os números chamaram a atenção de Joe Biden logo após a convenção republicana. No estado de Wisconsin, considerado chave na disputa à Casa Branca, o apoio a protestos contra o racismo e a violência policial tinha despencado 13 pontos percentuais de junho a agosto.
Feito pela Marquette Law School, o levantamento era localizado e media a opinião de eleitores pouco antes da nova onda de manifestações no país, mas preocupou o candidato democrata.
As reivindicações de grupos progressistas são geralmente positivas para Biden, mas o esforço de Donald Trump em dominar a narrativa dos protestos com o discurso da lei e da ordem fez com que o ex-vice de Barack Obama reagisse para evitar uma reviravolta.
Líder nas pesquisas nacionais e na maior parte dos estados decisivos, Biden tem trajetória centrista, mas é acusado por Trump de ser um radical de esquerda que vai mergulhar o país na violência caso seja eleito.
O presidente usa a retórica do medo para animar sua base conservadora e também tentar assustar eleitores independentes e moderados que escolheram o republicano em 2016 e agora, cansados de sua postura agressiva, flertam com a candidatura de Biden.
"Essa eleição decidirá se protegemos os americanos que cumprem a lei ou se damos rédea solta aos violentos anarquistas, agitadores e criminosos que ameaçam nossos cidadãos", disse Trump na semana passada, durante a convenção republicana.
Diante do discurso encaixado do presidente, Biden reviu estratégias e decidiu viajar a Wisconsin e a outras regiões decisivas após um longo período evitando aparições públicas em razão da pandemia.
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O democrata também lançou comerciais de TV específicos para esses estados, tentando rebater a mensagem de que é uma ameaça aos EUA e imprimir em Trump a marca de um líder irresponsável, que legitima o ódio e o racismo.
"Eu pareço um socialista radical com uma queda por desordeiros? Sério?", disse Biden em evento no início da semana. "Tumultos não são protestos. Saquear não é protestar. Atear fogo não é protestar. São ilegalidades, pura e simplesmente. Aqueles que o fazem devem ser processados. A violência não trará mudanças, apenas destruição."
Em 23 de agosto, Jacob Blake, um homem negro morador de Kenosha, em Wisconsin, foi baleado sete vezes pelas costas durante uma abordagem policial, transformando a cidade de 100 mil habitantes em um ponto crucial na corrida à Casa Branca.
O episódio deu novo fôlego aos atos que tomaram o país desde maio, quando George Floyd, um homem também negro e desarmado, foi asfixiado por um policial branco em Minnesota.
A maioria dos atos tinha ocorrido de forma pacífica até então, mas o caso de Blake escalou a polarização nas ruas com confrontos entre racistas e antirracistas e a morte de ao menos três pessoas.
Em Kenosha, um jovem ligado a organizações de extrema direita matou dois manifestantes antirracistas usando um fuzil AR-15. Em Portland, no Oregon, um homem que usava um boné de um grupo de extrema direita foi morto em meio aos atos por um homem que se declarava antifascista –e que acabou morto pela polícia na quinta (3).
Trump não criticou o atirador de Kenosha e se solidarizou com a vítima em Portland, carregando os protestos para o centro do debate eleitoral.
A menos de 60 dias da eleição, Trump joga por uma arrancada, enquanto Biden atua para manter a liderança.
Segundo o site FiveThirtyEight, que compila a média das principais pesquisas do país, Biden tem 50,2% ante 42,9% de Trump. A diferença já chegou a quase dez pontos –inclusive em Wisconsin–, mas hoje está na casa de sete, tanto em termos nacionais como no estado.
Em 2016, Trump também usou o medo contra Hillary Clinton, ao dizer que imigrantes violentos invadiriam os EUA caso a democrata fosse eleita. Conseguiu uma vitória surpreendente, atropelando as previsões que, como agora, mostravam seu nome atrás em todas as pesquisas.
Naquela época, porém, outros fatores contribuíram para o resultado, como o cansaço de parte da população da política tradicional e o baixo comparecimento de eleitores progressistas, entre negros e jovens –o voto não é obrigatório nos EUA.
Neste ano, Trump é o presidente no cargo, sob uma pandemia que matou milhares e uma crise que deixou milhões de desempregados. A taxa de desemprego chegou a 14% durante a pandemia e, em agosto, caiu para 8,4%.
A economia era o principal trunfo de Trump no início do ano, quando os números eram bastante positivos. Agora, apesar de a recuperação ainda estar claudicante, a melhora dos índices de desemprego foi celebrada pelo presidente, que promete "um ano ainda melhor"para 2021.
Sua popularidade tem caído desde o início do ano, mas, nas últimas semanas, seu desempenho melhorou em alguns estados-chave.
Especialistas ressaltam que a confiabilidade das pesquisas pode variar, inclusive de acordo com o comparecimento do eleitorado, e não há dados conclusivos que mostrem que moderados votariam em Trump porque temem a violência, por exemplo. Mas Biden não quer arriscar.
Em 2016, Trump venceu no Colégio Eleitoral –sistema indireto que escolhe o presidente– por uma margem estreita na Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, que ganhou novos holofotes agora com os protestos em Kenosha.
Na terça-feira (1º), Trump viajou à cidade e enalteceu policiais, anunciou o repasse de recursos para as forças de segurança e chamou os protestos de "terrorismo doméstico".
Dois dias depois, foi a vez de Biden fazer a cruzada para se contrapor ao presidente.
O democrata falou com Blake ao telefone e teve uma reunião reservada com seus familiares –que não se encontraram com Trump na visita do presidente. Biden também conversou com lideranças comunitárias em uma igreja, equilibrando oportunidades e riscos de atestar sua promessa de unificar o país mesmo em tempos tão divisivos.
A equipe de Biden sabe que os protestos não são fonte certa de votos –ele tem dificuldade de conquistar eleitores jovens e negros, maioria nas ruas, mas conta com Obama, popular entre esses grupos, como principal cabo eleitoral.
O democrata aposta num grande arco anti-Trump para atrair de progressistas a moderados e avalia que o desafio aumentou com os protestos a partir de Wisconsin.
Assessores do presidente, por sua vez, dizem que, para ficar na Casa Branca, Trump pode perder em Michigan e na Pensilvânia (Biden lidera nos dois estados), contanto que leve Wisconsin e os outros estados onde venceu há quatro anos.
Numa eleição disputada em que é impossível dominar os fatos, avança uma casa quem controlar a narrativa.