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Opinião

Tsunami em Pernambuco?

Na manhã de 1º de novembro de 1755, dia de Todos os Santos, a cidade de Lisboa foi sacudida por um forte tremor de terra. Ao ruído ensurdecedor de um estrondo seguiu-se um dos maiores abalos sísmicos de que se tem notícia no mundo ocidental. As igrejas, lotadas por ser dia de festa religiosa, se inundaram com o pânico dos fiéis aturdidos pelo caos. Depois do sismo, numerosos incêndios alastraram-se por uma cidade.

Quem ainda estava vivo apressava-se para se salvar ou se desesperava na busca dos entes queridos. Muitos correram para as embarcações surtas nos cais do Tejo. Quando tudo parecia haver passado, o rio estranhamente começou a esvair-se, mostrando seu fundo lodacento. Momentos depois uma onda descomunal invadiu toda a parte baixa de Lisboa, levando consigo os barcos e causando mais morte e destruição. 

A capital do reino foi vitimada pelo que chamamos hoje tsunami. Aonde a água não chegou, o fogo ardeu por mais cinco ou seis dias. Os tremores foram sentidos em outras partes da Península Ibérica. Na Espanha, ruiu a torre da catedral de Ciudad Rodrigo e a da catedral de Salamanca se inclinou. As águas do rio Guadalquivir subiram até as imediações de Sevilha. Na costa da África registraram-se ondas de trinta metros de altura. Os Açores e as Antilhas também foram golpeados por vagas gigantes.

Dois curiosos documentos manuscritos conservados no Arquivo Histórico Ultramarino indicam-nos que os efeitos do tsunami de Lisboa talvez tenham chegado a ser sentidos na costa pernambucana. Em carta datada de 28 de fevereiro de 1756, o governador recém-empossado de Pernambuco, Luís Diogo Lobo da Silva, informou que chegara ao Recife dias antes com o temor de encontrar aqui os mesmos efeitos do tsunami registrados nas colônias inglesas e francesas da América do Norte. 

Para sua tranquilidade, viu que o Recife estava em perfeitas condições, embora seus negociantes tivessem amargado pesados prejuízos com a perda de mercadorias estocadas em Lisboa. Não obstante, reporta que foram registradas “enchentes” nas praias de Tamandaré e Itamaracá, no mesmo dia da catástrofe em Lisboa. A subida das águas teria provocado a destruição de casas de pescadores nas duas localidades. 

Um segundo testemunho conservado é uma carta de João de Melo, datada de 4 de março de 1756, na qual informa que em “Tamandaré chegou a enchente do terremoto às dez horas [de 01/11/1755], e dizem que entrou pela terra cerca de uma légua e que levou algumas casas de palhoças [sic], e que falta um rapaz e uma mulher”, ou seja, que duas pessoas desapareceram. É possível que em sua propagação a “enchente do terremoto” tenha alcançado as costas sul-americanas. Não obstante, uma ocorrência tão peculiar não teria provocado mais registros? Por que apenas dois ou três pontos da costa seriam afetados? Estas são perguntas que somente com a localização de mais documentação poderemos responder.


*Professor do Departamento de História da UFPE, doutor em História pela Universidade de Salamanca, pesquisador do CNPq

 

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