Ucrânia alerta para situação "catastrófica" em Mariupol antes de nova rodada de negociações
Quase 20 mil ucranianos morreram de maneira violenta desde que a Rússia iniciou a invasão
A Ucrânia advertiu nesta segunda-feira (28) que a situação humanitária na cidade de Mariupol, bombardeada e cercada pelas tropas russas desde o fim de fevereiro, é "catastrófica", antes de uma reunião durante a semana entre negociadores russos e ucranianos em Istambul.
Quase 20 mil ucranianos morreram de maneira violenta desde que a Rússia iniciou a invasão, em 24 de fevereiro, e 10 milhões foram obrigados a abandonar suas casas, de acordo com as autoridades do país. Várias cidades são bombardeadas sem trégua, como é o caso de Mariupol, no sul.
Muitos na Ucrânia suspeitam que a Rússia poderia usar as conversações como uma oportunidade para reagrupar forças e tentar resolver graves problemas táticos e logísticos de suas forças militares.
O chefe do serviço de inteligência ucraniano, Kyrylo Budanov, afirmou no Facebook que o presidente russo Vladimir Putin poderia tentar dividir o país em dois, como na Coreia, ao "impor uma linha de separação entre as regiões ocupadas e não ocupadas" da Ucrânia.
"Após o fracasso em capturar Kiev e remover o governo ucraniano, Putin muda suas principais direções operacionais", escreveu Budanov. "Será uma tentativa de criar as Coreias do Sul e do Norte na Ucrânia".
A Rússia tem o controle de fato sobre a região da Crimeia (sul) e as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk, na região leste do Donbass.
O governante da região separatista ucraniana de Lugansk afirmou que um referendo poderia ser organizado sobre a anexação à Rússia.
A resistência na cercada Mariupol é o principal obstáculo para que Moscou conquiste o controle terrestre contínuo entre Donbass e Crimeia.
Urgência humanitária
Na frente de batalha, a esperança russa de arrasar a Ucrânia sem resistência desapareceu.
As tropas russas registraram poucos avanços em capturar as principais cidades ucranianas, o que provocou o aumento dos bombardeios aéreos contra civis.
Apoiados por armamento ocidental, os combatentes ucranianos resistem e, inclusive, provocam alguns recuos dos russos.
As linhas de combate pareceram recuar de Mykolaiv, após uma contra-ofensiva estabelecida em Kherson, a 80 km de distância.
E na cidade portuária de Mariupol, no sul do país, as necessidades humanitárias são extremas. Quase 170 mil civis estão sem alimentação adequada, água ou medicamentos, cercados pelas tropas russas, segundo o ministério ucraniano das Relações Exteriores.
O ministério chamou a situação de "catastrófica" e afirmou que o ataque russo, executado por terra, mar e ar, transformou a cidade, de 450.000 habitantes, em poeira.
França, Grécia e Turquia pretendem organizar uma "operação humanitária" para retirar civis nos próximos dias, segundo o presidente francês, Emmanuel Macron, que buscou a aprovação de Vladimir Putin para a medida.
A vice-primeira-ministra ucraniana, Iryna Vereshchuk, anunciou que o país não abriria corredores humanitários nesta segunda-feira por temer as "provocações" das tropas russas.
Em Rubizhne, na região de Lugansk, uma pessoa morreu e outra ficou ferida em bombardeios russos durante a noite passada, de acordo com as autoridades locais.
Perto da capital Kiev, Andrii Ostapets se mostrou decidido a retornar para sua cidade, Stoyanka, para levar comida aos vizinhos, caso continuem vivos, apesar da ameaça dos franco-atiradores russos.
"Vimos pessoas mortas, casas queimadas, vivemos em um inferno quando a Rússia ocupou Stoyanka", declarou o homem de 69 anos e proprietário de um museu, uma semana depois de fugir do município.
Ele afirmou que os soldados ucranianos estão conseguindo impedir o avanço das tropas russas. "Os russos não têm opção para continuar com vida, podem render-se ou morrer".
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Linhas vermelhas
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que a primeira rodada de negociações presenciais desde 10 de março, que provavelmente começará na terça-feira em Istambul (Turquia), deveria trazer a paz "os mais rápido possível".
A "neutralidade" da Ucrânia e o futuro status da região de Donbass, duas exigências da Rússia, podem ser abordadas nas conversações.
Zelensky afirmou que a questão da "neutralidade" está sendo examinada de maneira "cuidadosa".
"Entendemos que é impossível libertar todo o território pela força, que isto poderia significar a Terceira Guerra Mundial, isso eu entendo totalmente", afirmou Zelensky.
Mas, ao citar suas linhas vermelhas na negociação, acrescentou: "A soberania da Ucrânia e sua integridade territorial não estão em questão. Garantias efetivas de segurança para nosso Estado são obrigatórias".
Putin evita revelar detalhes sobre as metas da invasão, destacando apenas que deseja "desmilitarizar" e "desnazificar", mas não ocupar a Ucrânia.
Analistas esperam que os termos vagos permitam uma margem de manobra para que aceite um acordo, reivindique a vitória e acabe com a guerra.
A reunião de Istambul segue o encontro de 10 de março na cidade costeira de Antalya, também na Turquia, entre o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, e seu colega ucraniano, Dmytro Kuleba. O evento, no entanto, não resultou em acordo de cessar-fogo.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que a retomada dos encontros presenciais é "importante", depois que a reuniões por videoconferência não alcançaram "avanços significativos".
Lavrov disse que um encontro entre Putin e Zelensky seria "contraproducente" e estaria condicionado à adoção das exigências de Moscou.
Declarações "alarmantes"
Também resta saber se a declaração do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de que Putin "não pode permanecer no poder" afetará as negociações.
O Kremlin classificou os comentários de "alarmantes" e as declarações também levantaram preocupações nos Estados Unidos e em outros países. Macron apontou que qualquer escalada "de palavras ou ações" poderia prejudicar seu esforço de diálogo com Putin para que aceite a retirada de civis de Mariupol.
Questionado no domingo se estava pedindo uma mudança de regime na Rússia, Biden respondeu "não".
Assim como a França, Alemanha e Reino Unido também se distanciaram das declarações do americano.