Ucrânia tenta retirar mais civis de Mariupol e Kiev entra em toque de recolher
Mais de 200 mil pessoas estão bloqueadas em Mariupol
As autoridades ucranianas anunciaram nesta terça-feira (22) uma nova tentativa de retirar os civis da cidade portuária de Mariupol, cercada pelas tropas russas praticamente desde o início da invasão há um mês, ao mesmo tempo que a capital Kiev iniciou um toque de recolher.
Mais de 200 mil pessoas estão bloqueadas em Mariupol, descrita por aqueles que conseguiram fugir como um "inferno gelado repleto de cadáveres e edifícios destruídos", afirmou a organização Human Rights Watch, que citou um balanço divulgado por um funcionário do governo local.
"Sabemos que não haverá espaço suficiente para todos nesta terça-feira, mas vamos tentar concretizar a retirada até a saída de todos os habitantes de Mariupol", disse a vice-primeira-ministra Iryna Vereschuk.
Com o país sob ataques constantes, o presidente ucraniano Volodimir Zelensky convidou o papa Francisco a atuar como mediador no conflito, um dia depois de se declarar aberto a discutir qualquer questão em um diálogo direto com Vladimir Putin.
Nas frentes de batalha, a violência não dá trégua, mas sem grandes vitórias para as tropas russas, o que leva alguns a temer uma intensificação dos ataques.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, alertou que Putin está considerando usar armas químicas e biológicas na Ucrânia, enquanto conversa com os aliados europeus sobre o que chamou de "táticas brutais" de Moscou.
Na quinta-feira, o atual ocupante da Casa Branca viajará a Bruxelas para uma série de encontros com líderes da Otan, da União Europeia (UE) e do G7 antes de visitar a Polônia, país que recebeu a maioria dos três milhões de exilados ucranianos.
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Tentativa "desesperada"
Desde o início da invasão, em 24 de fevereiro, ao menos 117 crianças morreram na guerra, informou o Ministério Público Federal da Ucrânia. Além disso, 548 escolas foram atingidas - 72 delas completamente destruídas.
Uma fonte do Departamento de Defesa dos Estados Unidos afirmou que a Rússia intensificou a atividade militar, com 300 voos em 24 horas, em uma tentativa "desesperada" de mudar o cenário contra a resistência ucraniana.
O comando militar da Ucrânia afirmou que as tropas russas têm munições, comida e combustível apenas para mais três dias. Também afirmou que 300 soldados russos desertaram na região de Sumy (nordeste).
Mesmo nas áreas capturadas pela Rússia persiste a resistência. Autoridades ucranianas acusaram nesta terça-feira as tropas russas de abrir fogo contra manifestantes desarmados na cidade ocupada de Kherson.
Vídeos publicados nas redes sociais e no aplicativo Telegram mostram dezenas de pessoas reunidas na Praça Liberdade de Kherson para protestar contra a tomada da cidade.
Os soldados russos aparecem nas imagens atirando para o alto, enquanto um idoso ensanguentado é retirado do local, mas as autoridades afirmaram que não foram registradas mortes.
Negociar com Putin
As autoridades ucranianas afirmaram que a prioridade desta terça-feira é a retirada de moradores de Mariupol. Para isto foram elaboradas três rotas entre a cidade e Zaporizhzhia, a mais de 200 km de distância.
A localidade, às margens do Mar de Azov, é bombardeada sem trégua e mais de 2.000 pessoas morreram, segundo as autoridades locais.
A Rússia anunciou que Mariupol tinha até 5h00 de segunda-feira para rendição, mas a Ucrânia rejeitou o ultimato e afirmou que a resistência na cidade fortaleceu a defesa de toda a Ucrânia.
Mariupol é um alvo crucial na guerra de Putin, por servir de ponte entre as forças russas na Crimeia e nos territórios controlados por Moscou no norte e leste.
As negociações entre Rússia e Ucrânia registram poucos avanços. Depois de conversar nesta terça-feira por telefone com o papa Francisco, o presidente ucraniano afirmou que o governo "apreciaria" que a Santa Sé assumisse "um papel de mediador [...] para acabar com o sofrimento humano".
Na véspera, Zelensky insistiu na necessidade de estabelecer uma discussão direta com Putin na qual seria possível "abordar todas as questões", inclusive o status da península da Crimeia anexada pela Rússia e das áreas separatistas pró-Moscou do Donbas (leste).
"No primeiro encontro com o presidente da Rússia, estou preparado para abordar estes temas", declarou Zelensky. "Resolveríamos tudo na reunião? Não, mas existe a possibilidade de que possamos, ao menos parcialmente, deter a guerra", acrescentou.
Ele insistiu que a Ucrânia "já entendeu" que não pode aderir à Otan, mas acrescentou que suas compatriotas não podem simplesmente "entregar" a capital ou as cidades de Kharkiv e Mariupol.
"A Ucrânia não pode aceitar nenhum ultimato da Rússia. Em primeiro lugar, terão que destruir a todos e só então seus ultimatos serão respeitados", disse.
Toque de recolher em Kiev
Kiev prossegue em um toque de recolher de 35 horas que começou às 20H00 (15H00 de Brasília) de segunda-feira, depois que os bombardeios russos destruíram o shopping Retroville, onde morreram pelo menos oito pessoas.
"Foi a maior bomba que caiu na cidade até agora", declarou Dima Stepanienko, de 30 anos.
A Rússia afirmou que o centro comercial era utilizado para armazenar sistemas de foguetes e munições.
A secretária de Direitos Humanos do Parlamento ucraniano, Liudmila Denisova, afirmou que vários ataques russos foram registrados no leste do país nas últimas horas.
Ela disse que "disparos de artilharia e bombardeios aéreos destruíram completamente Avdivka", na periferia de Donetsk, onde morreram cinco civis.
Em Lysyshansk, 150 km ao nordeste, morreram duas pessoas, E em Kharkiv (nordeste), pai, mãe e a filha de nove anos morreram e o filho de 17 anos ficou ferido quando um tanque russo atirou contra seu carro, apesar do veículo exibir uma bandeira branca.
A guerra provocou o deslocamento de quase 10 milhões de ucranianos - um terço deles deixaram o país -, segundo a ONU, enquanto aumenta o temor de fome em outros países porque Rússia e Ucrânia são grandes exportadores agrícolas.
Para tentar suavizar a devastação econômica da Ucrânia, os líderes europeus estimulam a criação de um fundo fiduciário para o país, segundo um rascunho de documento ao qual a AFP obteve acesso.
"A UE se compromete a prestar apoio ao governo ucraniano para suas necessidades imediatas e, após o fim do ataque russo, para a reconstrução de uma Ucrânia democrática", afirma o texto.