meio ambiente

UE cede a pressões e propõe adiar lei antidesmatamento por 12 meses

Nova regra veta importação de produtos de áreas desmatadas, mesmo legalmente, o que afeta o Brasil. Proposta é que legislação passe a vigorar em 30 de dezembro de 2025 para grandes empresas

Vista aérea de uma área da floresta amazônica desmatada por incêndio ilegal no município de Lábrea, estado do Amazonas, BrasilVista aérea de uma área da floresta amazônica desmatada por incêndio ilegal no município de Lábrea, estado do Amazonas, Brasil - Foto: Evaristo Sa / AFP

A Comissão Europeia propôs quarta-feira adiar por um ano a aplicação da controversa lei antidesmatamento, que deveria entrar em vigor em 30 de dezembro deste ano, após a forte pressão exercida por países produtores de commodities e da indústria.

Em seu comunicado divulgado nesta quarta-feira, a Comissão Europeia, braço executivo da UE, propôs que a lei — European Union Deforestation Act (EUDR)— entre em vigor em 30 de dezembro de 2025 para as grandes empresas, e em julho de 2026 para as pequenas e médias empresas (PMEs).

"Tendo em vista os comentários recebidos de parceiros internacionais sobre o estado de seus preparativos, a comissão (...) propõe dar às partes interessadas tempo adicional para se prepararem", anunciou a instituição em um comunicado.

A legislação proíbe a importação pela União Europeia de produtos, como café, cacau, soja e carne bovina, provenientes de áreas desmatadas, mesmo legalmente.

Potências agrícolas globais, como Brasil e Indonésia, criticaram duramente os planos, preocupadas com o impacto negativo sobre pequenos agricultores e a possível redução de exportações importantes. O Brasil calcula que um terço de suas exportações pode ser afetada.

Em setembro, o governo brasileiro apresentou formalmente ao comissário europeu de Agricultura, Janusz Wojciechowski, um pedido de adiamento da entrada em vigor da lei, iniciativa que recebeu o apoio da Alemanha, a locomotiva econômica da UE.

A extensão do prazo dará mais tempo para as partes se prepararem, mas “de maneira alguma coloca em questão” os objetivos da lei, disse a Comissão Europeia em seu comunicado. A proposta precisará da aprovação tanto do Parlamento Europeu quanto dos estados-membros, já que o regulamento estava previsto para entrar em vigor em 30 de dezembro deste ano.

“A comissão reconhece que, a três meses da data prevista para a implementação, vários parceiros globais expressaram repetidamente preocupações sobre seu estado de preparação”, afirmou. “O estado de preparação entre as partes interessadas na Europa também é desigual.”

O bloco perdeu recentemente o parlamento mais verde de sua história, e os governos de todo o continente têm enfrentado pressão para suavizar suas ambições ambientais devido a preocupações com os custos. Estados-membros e grupos industriais manifestaram alarme em relação ao regulamento de desmatamento, alertando sobre possíveis interrupções na cadeia de suprimentos e aumento da inflação.

— Um adiamento traria um grande alívio para as cadeias de valor da UE afetadas, desde o cacau até o óleo de palma — e, sobretudo, para os consumidores europeus, já impactados pela crise do custo de vida — disse Carlos Mera, analista do Rabobank em Londres.

As regras exigem sistemas complexos de rastreamento, com os importadores sendo obrigados a coletar dados precisos para identificar as áreas onde os produtos foram cultivados. As empresas devem garantir que os produtos que trazem não foram produzidos em áreas desmatadas ou degradadas após 2020.

"Um prazo adicional de 12 meses para implementar o sistema é uma solução equilibrada para apoiar os operadores ao redor do mundo, garantindo uma implementação tranquila desde o início", disse a comissão.

Embora os preços dos grãos tenham se mantido estáveis este ano, os custos do café e do cacau dispararam em meio à falta de colheitas e preocupações com interrupções na cadeia de suprimentos.

Preocupações com o cumprimento da lei levaram comerciantes de café a estocar grãos antes do prazo, e um grande torrador disse que os consumidores europeus pagariam mais à medida que o regulamento entrasse em vigor. Em setembro, um grupo do setor de cacau afirmou que a lei estava caminhando para um "fracasso crítico".

Os futuros do café robusta caíram mais de 5% nesta quarta-feira, enquanto a soja registrou queda de cerca de 1%. O cacau em Nova York também caiu.

— O desmatamento é um grande problema — disse Peter Liese, um legislador alemão que coordena questões ambientais no Partido Popular Europeu. — Isso é um desastre tanto para o clima global quanto para outras questões, mas precisamos fazer isso da maneira correta e envolver mais aqueles afetados pela lei.

Questionamentos de aliados

De acordo com a ONG Fundo Mundial para a Natureza (WWF), as importações da UE são responsáveis por 16% do desmatamento mundial.

Em resposta a esses dados, o bloco adotou a controversa lei — conhecida por sua sigla EUDR — para vetar a entrada de produtos que causam desmatamento.

No entanto, após o Brasil apresentar seu pedido formal, a Alemanha apoiou a ideia, alegando que "as empresas precisam de tempo para se preparar". A postura alemã foi anunciada pelo ministro da Agricultura, Cem Özdemir, um representante do partido dos Verdes na política alemã.

Apenas um dia antes, o chefe do governo alemão, Olaf Scholz, admitiu que havia sugerido à presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, adiar a implementação da lei "até que as questões em aberto fossem esclarecidas".

Em junho, os Estados Unidos também pediram à UE que adiasse a implementação da lei, que também suscita preocupações de países africanos e asiáticos.

Já em setembro de 2023, um grupo de 17 países (11 latino-americanos, três asiáticos e três africanos) alertou a UE sobre os efeitos da normativa.

Grupos ambientais europeus, no entanto, se opõem ao adiamento da implementação da lei. Para Julian Oram, diretor de políticas da ONG Mighty Earth, a iniciativa da Comissão é uma "traição às gerações presentes e futuras de cidadãos da UE".

Adiar a legislação "é um ato de vandalismo contra a natureza que só servirá para impulsionar uma maior destruição industrial das florestas tropicais", acrescentou.

Enquanto isso, Luciana Téllez Chávez, pesquisadora de Meio Ambiente e Direitos Humanos da Human Rights Watch (HRW), apontou que a iniciativa "contradiz o compromisso da UE, assumido na Declaração de Glasgow de 2021, de pôr fim à perda de florestas".

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