Um mês após chuvas de Petrópolis, famílias esperam quatro desaparecidos
Muito além da mera estatística, últimos nomes dessa lista representam angústia sem fim na vida de seus parentes
Um mês após a tragédia de Petrópolis, que deixou pelo menos 233 mortos, o par de chinelos de Pedrinho na sala de casa alimenta um fio de esperança de que o pequeno vascaíno, de 8 anos, venha a passar pela porta.
Perto dali, aos 81 anos, Alcidéa tira a força típica das mães para cumprir um ritual quase diário: vai à residência do filho Heitor, de 61 anos, abre portas e janelas para arejar e mantém uma luz acesa.
Vítimas das chuvas que devastaram a cidade no dia 15 de fevereiro, o garoto Pedro Henrique Braga Gomes da Silva e Heitor Carlos dos Santos, assim como Lucas Rufino da Silva, de 21 anos, e Antonio Carlos dos Santos, de 56, ainda são considerados desaparecidos pela Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA). Os quatro últimos nomes dessa lista, além da mera estatística, representam angústia sem fim na vida de seus parentes.
Não bastasse a falta de notícias do neto, uma outra catástrofe aconteceu na vida de dona Sônia, avó de Pedrinho. Dois dias depois do temporal, sua casa no Morro do Gulf foi atingida por um incêndio, possivelmente provocado por um curto-circuito.
Leia também
• Governo autoriza repasse de mais de R$ 1 milhão para Petrópolis
• Sobe para 233 número de mortos pelas chuvas em Petrópolis
• Rumo a um novo começo, primeiras famílias começam a deixar abrigos em Petrópolis
Com o rosto queimado, ela conseguiu escapar e apagar o fogo. Hoje, divide um imóvel com a filha Rafaela, de 31 anos, e a neta Maria Luísa, de 13, mãe e irmã do menino desaparecido. No dia das chuvas, Rafaela acompanhava o filho, que voltava da Escola Terra Santa, num dos ônibus carregados pela correnteza. Só ela conseguiu escapar.
"Minha filha é bipolar, já teve oito convulsões depois que o Pedrinho desapareceu. Uma pessoa a puxou para fora do ônibus. A toda hora ela se cobra e pergunta por que não conseguiu salvar o menino", conta Sônia, que perdeu a esperança de encontrá-lo : "Mas quero que achem o corpo, senão não vou ter sossego. Até agora, nem a mochila nem as roupas dele encontraram."
Na tentativa de conter a dor, avó, filha e neta passaram a dormir no mesmo cômodo, onde lembranças de Pedrinho aparecem na forma de roupas reviradas, bolas e outros brinquedos. Muito agarrada ao irmão, Luísa encontra conforto na cama de Pedrinho. No colchão dela, Sônia e Rafaela passaram a se acomodar.
Fã de matemática, música e futebol, Pedrinho tornou-se conhecido como um bom aluno. E, desde cedo, já sabia o que queria ser no futuro: policial, como o tio Renan Pedro, que é agente penitenciário e dono de uma academia de tiro. Morador de Joinville, em Santa Catarina, Renan visitou a família em Petrópolis, pouco antes da tragédia.
"Ele levou o Pedrinho num shopping. Foi como uma despedida", lembra Sônia.
Como o menino, na hora do temporal Heitor estava em um dos ônibus atingidos e jogados no Rio. Foi visto pela última vez por uma vizinha, que ele chegou a ajudar, antes de o coletivo virar. Uma câmera mostra o momento em que saía de casa, na Ponte Fones, usando bermuda e chinelos. Pouco antes das 16h do dia 15 de fevereiro, Alcidéa telefonou e falou pela última vez com o filho, que disse que não estava em casa.
"Não parem as buscas, continuem", apela Alcidéa Lauterbach dos Santos, que é viúva há 30 anos, tem quatro filhos, cinco netos e três bisnetos. "É muito triste perder um filho. Não acredito que esteja vivo, mas para Deus nada é impossível."
Heitor é forte, pesa cerca de cem quilos. Pouco fala, e, desde que operou um furúnculo nas costas, quase não saía de casa. Vinha tentando se aposentar. Antes da doença, tinha uma carrocinha para vender salgados.
Antonio Carlos é solteiro, estudou pouco, já trabalhou como ascensorista e zelador. Também andava em busca da aposentadoria, como Heitor, só que é agitado e falante e tinha o hábito de andar muito. "Ele tem mania de perguntar para todos na rua: 'Vai chover ou fazer sol?'", diz a irmã Maria da Glória dos Santos.
Terceiro mais novo de 11 irmãos, dois deles já falecidos, Antonio Carlos é morador do Alto Independência, perto de Maria da Glória. No início da tarde da tragédia, esteve na casa dela, deixou duas garrafas de cloro e seguiu apressado para a Igreja Sagrado Coração de Jesus, no Centro.
Na última sexta-feira, a irmã começou a espalhar cartazes, com uma foto de Antonio Carlos e telefones. "O meu coração diz que meu irmão não está morto. Pode ter surtado e estar perdido", diz, emocionada.
Já a família de Lucas está convencida de que o jovem não sobreviveu. O tio Ricardo Rufino conta que encontrou o corpo soterrado sob os escombros da casa atingida pela avalanche no Morro da Oficina, no Alto da Serra, ajudou a retirá-lo e o entregou a bombeiros para que o levassem até o Instituto Médico Legal (IML). Na tragédia, morreram a mãe do rapaz, Eliane Regina, e a irmã Ana Clara, de 6 anos. Da família mutilada escaparam com vida o pai Adauto e a irmã Joyce, de 26 anos.
"Onde está o Lucas? É isso que a gente quer saber", diz Ricardo. Lucas trabalhava com o pai numa confecção. O jovem era flamenguista roxo, lembra Cristiano Rufino, outro tio do rapaz. Com 23 anos, Cristiano foi criado com Lucas no morro.
"Ele era muito divertido, gostava de jogar futebol e tinha uma namorada. Mas era família, não gostava de bagunça", diz, se referindo ao sobrinho no passado.
Em nota, a Polícia Civil afirma que pode ter havido um mal-entendido, porque que outro corpo, com as mesmas características, foi localizado no Morro da Oficina.A Defesa Civil afirma que as buscas pelos quatro desaparecidos prosseguem.