Violência no Amazonas

Um mês após mortes de Dom e Bruno, insegurança persiste no Vale do Javari

o Vale do Javari, no Amazonas, continua uma terra sem lei, denunciam indígenas e servidores da Funai

Vale do Javari, no AmazonasVale do Javari, no Amazonas - Foto: Agência Brasil

Um mês após as mortes do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, o Vale do Javari, no Amazonas, continua uma terra sem lei, denunciam indígenas e servidores da Funai.

Apesar das ações judiciais, articulações parlamentares e mobilizações de funcionários, a fundação e o governo federal não tomaram ainda medidas para garantir a segurança dos moradores e indigenistas. Servidores continuam recebendo ameaças, diretas e veladas, de invasores.

— Quem vai ser o próximo colega que vamos enterrar? A gestão da Funai está omissa. O presidente sabe dos crimes, foi advertido de todas as formas, mas nada foi feito — afirma um indigenista da fundação que não quis se identificar. — Sabemos que as comissões externas (da Câmara e do Senado) tentam soluções. Mas dependemos de respostas do Executivo.

O indigenista acompanhou as vistorias recentes na região por deputados e senadores, quando ficou constatada a ausência do Estado no Vale do Javari, diz.

— O Estado só se fez presente após a notícia dos desaparecimentos, mas agora o pouco que teve já está deixando o local — critica o indigenista, que lembra que Bruno foi o terceiro servidor morto em campo no governo Bolsonaro.

A Funai possui no vale uma sede da coordenação regional e outra da Frente de Proteção Etnoambiental, que trabalha junto aos indígenas isolados. A autarquia informou que tem 152 servidores para estes dois postos e as cinco coordenadorias técnicas locais e cinco bases de proteção etnoambiental na terra indígena. Mas, segundo os funcionários, somente 26 seriam servidores efetivos, e os demais trabalhadores temporários.

Apenas uma base na TI Vale do Javari, de Ituí-Itaquaí, tem segurança, com dois policiais militares. Os policiais foram destacados, segundo funcionários, depois de muita pressão e de a unidade ter sido atacada a tiros oito vezes em 2019.

Os servidores dizem que, por determinação do presidente da Funai, Marcelo Xavier, foram impostas dificuldades burocráticas no pagamento de diárias de PMs que, em situações de emergência, faziam a segurança nas unidades.

— O servidor da Funai protege a TI com peito aberto, e com um alvo pintado nele. Quando os invasores aparecem armados, ou deixa passarem ou vai morrer, se cumprir a proteção — avisa o indigenista.

Procurada, a fundação informou que “está em elaboração um contrato de prestação de serviços continuados de vigilância patrimonial ostensiva” da coordenação regional do Vale do Javari. A Funai acrescentou que pediu à Polícia Militar o “destacamento de praças que possam atuar durante o horário de expediente da unidade descentralizada do órgão” e o reforço no policiamento ostensivo no vale.

A fundação afirmou que “além disso, servidores da Força Nacional têm atuado de forma permanente na região em apoio aos trabalhos da Funai” e é realizado um recrutamento interno de servidores para dar “suporte administrativo e operacional” às unidades na região.

Visita suspeita

Na sexta-feira, dois colombianos se apresentaram à sede da coordenadoria da Funai, em Atalaia do Norte, pediram para falar com o chefe da divisão técnica — que não estava presente — e insistiram em obter autorização para entrada na Terra Indígena, alegando que queriam fazer pesquisas, o que é proibido. O caso foi registrado na delegacia de Polícia Civil da cidade.

A funcionária que prestou queixa disse que sentiu medo principalmente quando os colombianos, que cheiravam a álcool, segundo ela, fizeram perguntas sobre a morte de Dom Phillips e “qual teria sido a causa”. Além ser denunciado à polícia, o episódio foi informado em um ofício ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Procurado, o ministério não se manifestou sobre o caso.

Decisão judicial não foi cumprida

Em 14 de junho, a Justiça Federal, após ação do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União, determinou que a Funai providenciasse o “envio imediato de forças de segurança pública específicas para garantir a integridade dos seus servidores e dos povos indígenas em todas as Bases de Proteção do Vale do Javari”. Mas as medidas não foram tomadas.

A Defensoria pediu anteontem à Justiça que a Funai seja intimada a se manifestar sobre o assunto. A DPU destacou que, na vistoria em Tabatinga e Atalaia do Norte, ficou constatado o “nível de desespero, medo e sensação de total falta de segurança” entre os indígenas e funcionários da Funai.

Presente na vistoria do dia 30, o defensor federal Renan Vinicius Sotto Mayor lembra que fez outra há três anos, após o assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos com dois tiros na cabeça em Atalaia, crime ainda não solucionado. Sotto Mayor avalia que o temor se agravou. O defensor destaca que uma estratégia de segurança foi elaborada por Bruno num plano que incluiria Funai, Exército, polícias ambientais e indígenas.

— O Bruno deu a solução, mas a Funai não homologou até hoje — lamenta. — Os servidores estão acuados e os indígenas relatam medo muito grande . Eles já estavam desesperados e agora o nível aumenta ainda mais. Passaram três anos, mas infelizmente há omissão estrutural do estado brasileiro.

Presidente do Indigenistas Associados, uma associação de servidores da Funai, Fernando Vianna diz que a regulamentação para porte de arma é uma demanda dos funcionários. Mas reconhece que não seria o suficiente (Bruno estava armado quando foi morto):

— O porte está previsto na criação da Funai, mas nunca foi regulamentado. Mas diante do quadro na região, o mínimo que se esperava era um plano emergencial de segurança. O que queremos é apoio permanente e contínuo da Força Nacional.

Procurador jurídico da União dos Indígenas do Vale do Javari, Eliesio Marubo lembra que não avançou a ideia de uma missão de Garantia de Lei e Ordem sugerida num encontro com o procurador-geral da República, Augusto Aras.

— As estruturas estão totalmente vulneráveis. Não há nada que garanta segurança dos funcionários e nem de quem passa por lá. Patrocinamos várias conversas para alinhamento entre setores do governo, mas não conseguimos avançar. Essa semana vamos oficiar a Procuradoria Geral da República, para saber se há novidades no pleito.

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