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PREVENÇÃO

Hanseníase: Fiocruz recebe alerta verde da Anvisa para testar 1º vacina contra a doença; veja

Brasil é o segundo país com maior número de casos da condição no mundo; apenas em 2023, foram 22.773 novos casos

Hanseníase causa lesões na pele dos pacientesHanseníase causa lesões na pele dos pacientes - Foto: SMS de Mesquita/RJ

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou nesta segunda-feira, 14, testes para uma vacina inédita contra a hanseníase.

O imunizante será testado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Chamada de LepVax, a vacina será a primeira para a doença avaliada no país durante testes clínicos.

O Brasil é o segundo país com maior número de casos da doença no mundo, atrás apenas da Índia. Em dez anos, de 2014 a 2023, foram quase 245 mil novas infecções, segundo o Ministério da Saúde. Apenas em 2023, foram 22.773 novos casos.

O Instituto foi escolhido como centro clínico responsável pelos testes por sua larga contribuição científica nos estudos de hanseníase. O Laboratório de Hanseníase do IOC atua na pesquisa e no atendimento a pacientes no âmbito do Serviço de Referência Nacional em Hanseníase junto ao Ministério da Saúde.

Se os resultados dos estudos forem positivos, a vacina para hanseníase poderá, futuramente, fazer parte do calendário nacional de imunizações.

“O Brasil concentra 90% dos casos de hanseníase das Américas. A cada quatro minutos, é registrado um novo caso de hanseníase no mundo. A OMS já apontou que precisamos de novas ferramentas para controle da hanseníase e as pessoas afetadas pela hanseníase merecem uma vacina”, afirma a chefe substituta do Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz e líder científica do ensaio clínico da LepVax, Verônica Schmitz.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a infecção ocorre em 120 países, com cerca de 200 mil novos casos a cada ano. O agravo atinge principalmente populações em vulnerabilidade e recebe poucos investimentos.

Imunizantes
Embora seja uma das doenças mais antigas do mundo, com relatos de casos há mais de quatro mil anos, até hoje não existe uma vacina. A imunização com a vacina BCG é indicada para prevenir a infecção em pessoas de maior risco, mas a proteção é parcial.

A hanseníase é uma doença crônica infecciosa e curável causada pela microbactéria Mycobacterium leprae, ou bacilo de Hansen.

Ela é transmissível por gotículas de saliva ou secreção nasal depois de um longo período de contato próximo com uma pessoa infectada. Um dos principais sintomas da hanseníase é a alteração da sensibilidade térmica em partes do corpo.

Quais os sintomas da hanseníase?

Aparecimento de caroços pelo corpo
Segundo especialistas, as lesões na pele podem demorar de 3 a 7 anos para serem notadas, porque geralmente são assintomáticas e a doença têm um longo período de incubação.

A alteração da sensibilidade térmica, entretanto, está presente desde o início da doença.

"A eliminação sustentada da hanseníase enquanto problema de saúde pública requer uma vacina. Neste cenário, a LepVax surge como uma vacina profilática e terapêutica, que poderá contribuir para as metas de controle da doença", avalia a chefe do Laboratório de Hanseníase do IOC, Roberta Olmo.

A LepVax foi desenvolvida pelo Access to Advanced Health Institute (AAHI), instituto americano de pesquisa biotecnológica, sem fins lucrativos. Trata-se da primeira vacina específica contra a bactéria Mycobacterium leprae e sua formulação foi desenvolvida com uma das tecnologias mais modernas para a produção de imunizantes, chamada de subunidade proteica.

Primeiros testes
Testes pré-clínicos tiveram resultados promissores. Em camundongos vacinados com LepVax, a taxa de infecção foi significativamente reduzida, mesmo diante da exposição a grande quantidade de bactérias.

Quando a vacina foi administrada após a infecção, o dano no nervo motor e sensorial foi retardado em tatus, que são considerados como modelo para estudos da forma neurológica da hanseníase. Esses resultados sinalizaram o potencial para uso da vacina na prevenção e no tratamentodadoença.

A primeira etapa do ensaio com seres humanos, chamada de fase 1a, foi realizada nos Estados Unidos, com imunização de 24 voluntários sadios.

O estudo demonstrou segurança da vacina, sem nenhum registro de evento adverso grave. Também apontou imunogenicidade, ou seja, capacidade de estimular a resposta imunológica.

A transmissão ocorre quando uma pessoa na forma infectante da hanseníase e sem tratamento libera o bacilo de Hansen para o exterior por meio de espirro ou tosse, podendo infectar pessoas suscetíveis diante de um contato prolongado. Pacientes com baixa concentração de bacilos têm menos chance de serem vetores da doença.

— Por ser uma doença associada a locais com aglomeração, lugares que aumentaram muito a sua capacidade econômica e habitacional, como a Europa, praticamente acabaram com a hanseníase — explica o dermatologista Egon Daxbacher, diretor do departamento de hanseníase da Sociedade Brasileira de Dermatologia do Rio de Janeiro.

Ensaio no Brasil
O teste no Brasil será o primeiro da LepVax em um território com transmissão da hanseníase. Classificado como um ensaio clínico de fase 1b, o estudo terá o objetivo de confirmar a segurança e a imunogenicidade da vacina.

Segundo Schmitz, essa avaliação é importante porque, considerando o cenário epidemiológico do país, possivelmente o sistema imunológico de grande parte dos brasileiros teve contato anterior com micobactérias, o que pode influenciar na resposta à vacina. O cenário é o mesmo nos demais países endêmicos para hanseníase, onde o imunizante poderá ser adotado.

“No Brasil, mesmo as pessoas que nunca tiveram hanseníase podem ter entrado em contato com a M. leprae e temos circulação de outras micobactérias, como a causadora da tuberculose. Os brasileiros também são vacinados com BCG ao nascer. É uma realidade diferente dos Estados Unidos, onde não existe transmissão do agravo”, explica a imunologista.

O estudo terá participação de 54 voluntários sadios que serão divididos aleatoriamente em três grupos. Dois receberão a vacina, sendo um com dose baixa e outro com dose alta. O terceiro grupo receberá o placebo – uma solução salina, que não causa efeito biológico.

Independentemente da dosagem baixa ou alta, a vacinação será realizada em três aplicações, com intervalo de 28 dias entre elas, assim como ocorreu no teste americano. Depois disso, os participantes serão acompanhados por um ano, totalizando 421 dias de ensaio clínico.

Recrutamento dos participantes
Para participar, é preciso ter entre 18 e 55 anos e boas condições de saúde. Nessa etapa do estudo, os voluntários não podem ser pessoas que já tiveram a doença ou com contato próximo com pacientes com hanseníase. A imunização experimental também não pode ser aplicada em grávidas.

A participação na pesquisa terá duração aproximada de 14 meses. Nesse período, os voluntários deverão comparecer a onze consultas, sendo três para aplicação da vacina e as demais para acompanhamento. Durante as visitas, os participantes passarão por avaliação clínica e exames de sangue e urina.

Líder médico do estudo, o dermatologista e pesquisador do Ambulatório Souza Araújo, Cássio Ferreira, explica que a segurança da vacina será avaliada através do acompanhamento clínico e exames laboratoriais.

“Nos Estados Unidos, o resultado foi muito positivo, sem nenhum evento adverso de maior gravidade. As reações registradas, como dor no local da injeção, cansaço e dor de cabeça, são comuns em imunizações. Essa primeira demonstração de segurança foi fundamental para a pesquisa avançar para a fase 1b no Brasil”, destacou Cássio.

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