Vacina de RNA avança contra o tumor, um dos mais letais com apenas 13% de chance de sobrevivência
Novos dados mostram que pacientes ainda tinham uma resposta imunológica três anos após a aplicação e registraram menos retorno da doença
O laboratório alemão BioNTech, junto ao Centro de Câncer Memorial Sloan Kettering (MSK) e à empresa de biotecnologia Genentech, do Grupo Roche, anunciaram novos dados dos testes de uma vacina terapêutica contra o câncer de pâncreas nesta semana no encontro anual da Associação Americana para Pesquisa do Câncer, que acontece em San Diego, nos Estados Unidos.
Os resultados, considerados promissores para o tratamento de um dos tipos mais letais de câncer, mostram que metade dos pacientes que receberam a dose na fase 1 dos estudos clínicos ainda tinha uma resposta imunológica contra o tumor três anos depois da aplicação.
Essa persistência da resposta imune, medida pela ativação de células T de defesa contra o tumor, foi associada também a uma sobrevida mais longa, com um risco menor de retorno do câncer. De acordo com números da Associação Americana de Câncer, o tumor no pâncreas é um dos mais agressivos, com uma taxa de sobrevida de apenas 13%.
Leia também
• Quem é Isabel Veloso, jovem de 17 anos com câncer terminal que compartilha sua história nas redes
• Casos de câncer de próstata aumentarão devido ao envelhecimento populacional, diz estudo
Isso quer dizer que, a cada 100 pacientes que recebem um diagnóstico, somente 13 ainda estão vivos cinco anos depois. O tipo investigado no estudo, um adenocarcinoma ductal pancreático, tem uma letalidade ainda maior – aproximadamente 90% dos pacientes morrem dentro de dois anos após descobrirem a doença.
"As opções atuais de tratamento para o câncer de pâncreas permanecem muito limitadas”, diz Vinod P. Balachandran, líder do estudo e pesquisador do MSK, em comunicado. "Estamos animados com nossas descobertas mais recentes, que continuam a apoiar a exploração da vacina como uma abordagem para tratar o câncer de pâncreas no cenário pós-cirúrgico e adjuvante”.
Em maio do ano passado, o laboratório já havia anunciado os primeiros dados positivos da fase 1 dos estudos clínicos, que foram publicados na revista científica Nature. Nos testes, um grupo de 16 pacientes recebeu a vacina em conjunto com outras imunoterapias e quimioterapia, depois de passar por cirurgias de remoção do tumor.
No primeiro acompanhamento, que durou um ano e meio, os pesquisadores mostraram que, em oito participantes, metade, a vacina tinha induzido uma resposta imune direcionada ao tumor.
Agora, na atualização de três anos, os novos dados mostram que mais de 80% dessas células de defesa ainda podiam ser detectadas no sangue dos oito voluntários. E, de forma mais importante, que seis desses participantes continuavam livres da doença. Já entre os oito pacientes que não desenvolveram uma resposta imune, sete tiveram um retorno do câncer.
"Esses novos dados são um sinal inicial do potencial de nossa abordagem individualizada de vacina contra o câncer por mRNA nessa indicação com uma necessidade médica não atendida”, diz Özlem Türeci, cofundador e diretor médico da BioNTech, em nota. Ele destaca ainda que os resultados indicam que a abordagem consegue ativar células T de defesa para “ajudar a eliminar focos de tumor residual em estágios iniciais da doença para retardar ou evitar a recorrência".
Os dados são animadores, mas ainda não comprovam a eficácia da vacina – a primeira etapa dos testes clínicos busca avaliar a segurança da dose com um número muito pequeno de voluntários. Estudos de fase 2, que vão ampliar a análise de segurança e investigar a eficácia do imunizante, começaram em outubro do ano passado e estão, no momento, recrutando cerca de 260 pacientes.
Os testes vão comparar a aplicação da vacina junto a uma imunoterapia da classe dos inibidores de checkpoint, em relação ao tratamento padrão apenas com quimioterapia. O objetivo é impedir o retorno do câncer, ambas as estratégias serão conduzidas em voluntários que já tenham passado por uma cirurgia para ressecção do tumor.
Tecnologia que ganhou o Nobel
A vacina contra o câncer de pâncreas utiliza uma tecnologia inovadora para induzir o sistema imunológico: o RNA mensageiro. A plataforma é estudada há mais de 30 anos por ser facilmente adaptada a diferentes doenças, mas saiu do papel apenas com a pandemia da Covid-19, que levou a um investimento inédito no recurso e ao desenvolvimento mais rápido de imunizantes já visto na história.
A crise sanitária também comprovou a segurança e a eficácia do RNA mensageiro com a maior campanha de vacinação já feita. A tecnologia funciona como uma espécie de código com instruções para que as próprias células do corpo produzam determinada proteína.
No caso das vacinas do coronavírus, por exemplo, em vez de o imunizante introduzir o vírus inativado ou uma parte dele para que o sistema imunológico produza as defesas, o RNAm utiliza o próprio organismo como “fábrica” da proteína S do coronavírus, que então é lida pelo corpo para produzir as células de defesa e anticorpos.
No ano passado, a bioquímica húngara Katalin Kariko e o cientista americano Drew Weissman ganharam o Prêmio Nobel de Medicina pelas suas descobertas que viabilizaram o uso do RNAm e abriram caminho à produção de vacinas contra a Covid-19.
No caso das vacinas para o câncer, a diferença é que a estratégia é utilizada para induzir as células de defesa para atacar uma doença, e não preveni-la. Isso porque os tumores produzem proteínas, como as chamadas de checkpoints, que impedem a ação do sistema imunológico contra eles.
Para contornar isso, os cientistas coletam amostras dos tumores específicos de cada paciente e criam imunizantes individualizados de RNAm, com instruções para induzir o sistema imune a passar a atacar aquele câncer.