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Vacinação contra a Covid-19 segue a passos lentos no Brasil

País já ultrapassou a marca de um 1,6 milhão de pessoas imunizadas contra o coronavírus, mas ainda falta bastante até se atingir a imunidade de rebanho

Vacinas contra Covid-19Vacinas contra Covid-19 - Foto: Nelson Almeida/AFP

Menos de 15 dias após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar o uso emergencial da primeira vacina contra Covid-19 no Brasil, passou de um milhão e seiscentos o número de pessoas imunizadas no país, que até a última sexta-feira ocupava o décimo lugar do ranking das nações que mais vacinaram, ficando à frente de Espanha, França e Rússia, entre outros. No entanto, no pódio proporcional à população, o Brasil aparece na 43ª posição com um índice de 0,8 vacinado a cada 100 pessoas. Os dados são da plataforma Our World in Data, desenvolvida pela Universidade de Oxford e atualizada em tempo real. Ou seja, na corrida para impedir a proliferação do coronavírus seguimos caminhando a passos lentos. 

Atualmente, existem poucas doses disponíveis no Brasil, cerca de 10,8 milhões da Coronavac e 2 milhões de Oxford, suficiente para imunizar aproximadamente 6,4 milhões de pessoas. O pesquisador da Fiocruz Pernambuco e doutor em biologia molecular, Rafael Dhália, explica que só perceberemos o efeito da vacinação (em relação à redução mais drástica da circulação do vírus) à medida que formos nos aproximando da imunidade de rebanho, ou seja, quando em torno de 60% da população estiver imunizada. “Efeitos mais radicais só poderão ser observados a partir do primeiro e segundo mês, após alcançar essa imunidade”, acrescenta Dhália.

Quem já faz parte do grupo de imunizados é a aposentada Maria da Guia Vanderlei, 86 anos. Moradora do Recife, ela recebeu há alguns dias a vacina de Oxford. Ela conta que no dia da imunização ficou ansiosa para chegar na hora marcada e não perder a vez. “Não doeu nada. Agora estou mais tranquila e à espera da segunda dose”, confessa. A aposentada, que antes costumava sair bastante de casa, seja para ir ao salão ou a um café para comer as tortas que tanto gosta, atualmente ocupa o tempo assistindo TV e brincando com a cadela Panda. “Apesar dos dias tranquilos em casa, a esperança é que tudo volte ao normal o quanto antes”, comenta.

O pesquisador da Fiocruz ressalta que o país mais adiantado em relação à vacinação contra Sars-Cov-2 é Israel, que estima atingir a imunidade de rebanho no final de abril de 2021 (com cerca de 5 milhões de vacinados). “As primeiras evidências do efeito da vacinação em Israel, que utiliza a vacina da Pfizer, já podem ser observadas. Em um grupo de 50 mil idosos vacinados, houve um decréscimo de 60% no número de infectados e hospitalizações, ao longo de 23 dias depois da primeira dose”, disse o doutor em biologia molecular. No Brasil este efeito deve demorar mais para acontecer se continuarmos no atual ritmo de imunização.

Rafael Dhália explica ainda que para atingir a imunidade de rebanho, quanto maior for a eficácia da vacina menor o número necessário de vacinados. Ele afirma que utilizando-se apenas a Coronavac (50.4% de eficácia) seria necessário imunizar 160 milhões de brasileiros, enquanto com apenas a de Oxford (62.1% de eficácia), 130 milhões de habitantes. “Como temos as duas, e a perspectiva de termos ainda esse ano 100 milhões de doses da Coronavac e 200 milhões de doses da de Oxford, atingiríamos a imunidade de rebanho imunizando 50 milhões com a Coronavac e 100 milhões com a de Oxford, ou seja 150 milhões de habitantes, em regime de duas doses”, detalha.

Para se ter ideia da complexidade desse desafio, seria necessário manter uma vacinação de 8 milhões de doses por semana, durante aproximadamente dez meses. “A título de comparação, se tivéssemos a vacina da Pfizer (95% de eficácia), chegaríamos na imunidade de rebanho vacinando 80 milhões de pessoas, com o mesmo regime de vacinação, em cinco meses”, compara o pesquisador. Ele diz ainda que espera-se redução gradual da circulação do vírus, assim como diminuição nos casos de hospitalização e óbitos. “Os resultados mais imediatos que podemos esperar é a redução no número de infectados e de hospitalizações, nos subgrupos imunizados”, falou.

Diante de tantas incertezas sobre o calendário de vacinação no país, muitos desafios precisarão ser enfrentados. Na opinião do chefe de setor de Infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), Demetrius Montenegro, é preciso cobrar do Governo Federal a distribuição do quantitativo de imunizantes suficientes para que o processo de vacinação continue e possamos atingir o número da população suficiente para quebrar a cadeia de transmissão da Covid. “O ideal seria de 100%, mas lógico tem algumas pessoas que não podem nem se vacinar. Então, a gente tem que chegar aí na faixa em torno de 70% a 80% de pessoas vacinadas”, comentou.

Aposentada Maria da Guia Vanderlei, 86 anos, recebeu a vacina de OxfordAposentada Maria da Guia Vanderlei, 86 anos, tomou a vacina de Oxford

Variantes
Após a morte de milhões de pessoas pelo mundo, a vacinação contra a Covid-19 trouxe junto um sentimento de esperança de que poderíamos vencer a batalha. Contudo, desde que foi detectado pela primeira na cidade de Wuhan, na China, o coronavírus passou por diversas modificações em seu código genético. As mutações do vírus vêm colocando pressão sobre a eficácia dos imunizantes que estão sendo utilizados. Já foram detectadas variantes em lugares como Reino Unido e África do Sul. De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz, somente no Brasil, foram encontradas pelo menos 40 linhagens do novo coronavírus até dezembro do ano passado.

Estudos recentes mostraram que a taxa de mutação do Sars-Cov-2 que está sendo observada parece ser o dobro da esperada pelos mecanismos de evolução natural. De acordo com pesquisadores, provavelmente a rápida disseminação do vírus vem contribuindo e muito para isso. “Aparentemente, a principal proteína do vírus que está sendo utilizada nas formulações vacinais, a espícula ou 'spike', tem vários alvos para anticorpos neutralizantes, o que significa dizer que, mesmo com todas essas variações, as vacinas atuais teriam uma meia-vida razoável, para continuarem funcionais”, informa o pesquisador da Fiocruz Pernambuco, Rafael Dhália.

Ele comenta que das mutações estão sendo consideradas mais alarmantes: a N501Y (facilita a entrada do vírus nas nossas células, resultando inclusive em aumento considerável da transmissibilidade), e a E484K (dificulta a ligação de alguns anticorpos neutralizantes, portanto tem o potencial teórico de se evadir da resposta imune induzida pelas vacinas). No entanto, ainda não se sabe o efeito dessas mutações em relação à eficácia das vacinas disponíveis, embora alguns estudos como o da Moderna, por exemplo, indiquem que a vacina seja ainda considerada eficaz contra as formas mutantes.

Até o momento, as fabricantes dizem acreditar que a eficácia de seus imunizantes se mantém. Por outro lado, as farmacêuticas Pfizer e BioNTech informaram que vão criar uma nova dose de reforço da vacina desenvolvida por elas para que a nova fórmula consiga combater variantes do coronavírus. “Assim como as vacinas contra a gripe, existe a possibilidade das vacinas contra Covid-19 terem de ser reformuladas ao longo do tempo, para irem se adaptando às cepas variantes circulantes. Embora não pareça ser um problema imediato, pois as vacinas atuais são extremamente úteis e capazes de nos proteger, novas gerações de vacinas devem chegar nos próximos meses, para se somar às atuais no combate desta pandemia”, acrescenta.

Uma vacina nova que deve chegar, a NVX-Cov2373 (Novavax), baseada em proteína, mostrou que tem 90% de eficácia contra a variante da Inglaterra, mas esse desempenho cai para 49% em relação à cepa encontrada na África. “Não existem estudos abrangentes ainda com a variante de Manaus, mas esses resultados mostram que pode existir diferenças de eficácia contra determinadas cepas. Tudo indica que ajustes serão necessários nas vacinas, ao longo do tempo, para se adaptarem às variantes circulantes (como acontece em relação à vacina da gripe), mas com certeza os imunizantes atuais são úteis e deve-se incentivar a vacinação”, disse Dhália.

Rede privada
Com os mais diversos argumentos, clínicas particulares de vacinação e empresas vêm tentando adquirir imunizantes contra a Covid-19. A mais recorrente é que a vacinação pelo setor privado seria complementar ao programa de imunização do Governo Federal. A Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) concluiu as negociações com a importadora Precisa Medicamentos para a compra de cinco milhões de doses da vacina Covaxin, da farmacêutica Bharat Biontech, da Índia. A intenção da ABCVAC é disponibilizar a vacina contra o coronavírus primeiro para os trabalhadores da indústria e do setor produtivo. 

De acordo com o assessor técnico da associação, o infectologista Marcelo Daher, antes de tudo é preciso o registro da Covaxin na Anvisa. “Qualquer produto que estiver registrado regularmente, não em caráter de emergência, conseguiria ter comercialização no Brasil. Como não se tem ainda nenhuma vacina registrada, está se negociando com laboratório indiano para que ele tente fazer o registro e, com isso, a venda nas redes privadas”, explicou. Ele contou ainda que outro entrave é a produção insuficiente dos imunizantes para atender todos os interessados. “Existe um ordenamento legal no Brasil que o poder público tem preferência, depois as entidades filantrópicas e, por fim, o setor privado”, disse.

Na opinião de Daher, se não houver interferência nas compras de vacinas pela rede pública não teria problema algum entrar imunizantes pela rede privada. “Ninguém está tirando a vez de ninguém. Estou até talvez antecipando a vez de alguém. Não vou furar fila, vou fazer um serviço extra”, afirma. Recentemente, um grupo de pelo menos 12 empresas privadas brasileiras negociou com o Ministério da Saúde uma autorização para importar 33 milhões de doses da vacina de Oxford/Aztrazeneca. Chegou a ser noticiado que o governo enviou uma carta à fabricante dando aval para a transação desde que metade do lote seja doado ao SUS. 

No entanto, especialistas alertam sobre o risco de pessoas com condições financeiras serem imunizadas tendo em vista a falta de vacinas no mundo. Em comunicado oficial divulgado nesta semana, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) afirmou que o aval do governo é uma autorização oficial para inutilizar o esquema de prioridades elaborado pelo próprio governo. “A ressalva de que o negócio só seria realizado “se não houvesse competição” com a Campanha Nacional de Vacinação não faz sentido, haja vista a já mencionada escassez mundial na oferta de vacina. Qualquer dose de qualquer vacina aplicada fora da ordem de prioridades será, mais que um erro; será um crime”, diz a nota.

Tratamento
Apesar das atenções estarem voltadas para a vacina contra o coronavírus, outro desafio para pesquisadores e médicos é a descoberta de medicamentos que possam combater os sintomas e os malefícios causados pela Covid-19. Ao redor do mundo inúmeros estudos estão em desenvolvimento, mas até agora, segundo especialistas, não há comprovação científica de que nenhum remédio já existente ou recém-criado seja eficaz no tratamento da doença.

Segundo o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), Renato Kfouri, reforça que não existe antiviral específico para a doença nem tratamento preventivo ou precoce. “Onde avançamos foi nos cuidados com o paciente grave. A gente aprendeu como ventilar melhor, como oxigenar melhor, a prevenir os coágulos usando anticoagulantes, corticóides. Tudo isso em casos graves, em situação crítica. Não adianta achar que existe medicamento milagroso”, comenta.

As informações são ratificadas pelo infectologista Marcelo Daher. “Vários trabalhos mostram que tratamento precoce não tem uma resposta ideal”, afirma. Ele ressalta que mais importante do que um remédio é o acompanhamento precoce de um médico, a partir do surgimento dos primeiros sintomas. “Tem sido comum as pessoas procurarem ajuda profissional tardiamente, após 14 ou 15 dias de evolução da doença, quando já está com muita falta de ar. Às vezes, a pessoa toma o remédio que pega na farmácia, sem indicação médica e fica em casa esperando resultado que, às vezes, não vem. Há um termo que hoje se usa muito para Covid que é o cianótico feliz. O paciente está com muita falta de ar, está roxo, mas está feliz porque não percebe que está com falta de ar”, disse.

Segundo Daher, o que faz muita diferença em relação à mortalidade da Covid é a capacidade do paciente conseguir o atendimento médico. “Quando a gente vê em Manaus que as pessoas não conseguem nem chegar em uma unidade de saúde, a mortalidade é muito alta. Nos locais onde se consegue atendimento médico a taxa de mortes cai significativamente."

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