"Vi como meu bebê começou a congelar", diz mãe de recém-nascido que morreu de frio em Gaza
Pelo menos sete recém-nascidos foram vitimados pela hipotermia devido à falta de calefação ou estruturas adequadas para aplacar as baixas temperaturas no enclave
Yahya al-Batran agarra-se às roupas minúsculas do seu filho, Jumaa, poucos dias depois de o recém-nascido ter morrido de frio em uma barraca na Faixa de Gaza devastada pela guerra entre Israel e Hamas, que se arrasta há mais de um ano.
— Estamos vendo nossos filhos morrerem — lamenta o homem de 44 anos.
Seu bebê foi uma das sete crianças que morreram de frio no pequeno território palestino em apenas uma semana, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, cujo território é governado desde 2007 pelo Hamas.
— Fugimos dos bombardeios de Beit Lahia para que ele morresse de frio aqui? — questiona Noura al-Batran, a mãe do bebê, de luto, referindo-se à sua cidade natal, no norte de Gaza, de onde a família fugiu devido aos incessantes bombardeios israelenses.
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A mulher de 38 anos ainda está se recuperando do parto prematuro de Jumaa e do seu irmão gêmeo, Ali, que atualmente recebe tratamento em uma unidade de cuidados intensivos em um hospital no sul do enclave palestino.
De acordo com a rede britânica BBC, os bebês têm um mecanismo de regulação de temperatura corporal subdesenvolvido, podendo desenvolver hipotermia facilmente em um ambiente frio. Bebês prematuros são especialmente vulneráveis.
A família Batran, deslocada várias vezes pela guerra, sobrevive atualmente sob uma barraca improvisada em Deir el-Balah, feita de cobertores e tecidos gastos. Assim como centenas de outras pessoas deslocadas que agora moram em acampamentos, eles lutaram para se manter aquecidos e secos em meio a fortes chuvas e temperaturas que caíram para 8 ºC.
— Não temos cobertores suficientes ou roupas adequadas. Vi como meu bebê começou a congelar, sua pele ficou azul e então ele morreu — lembra Noura al-Batran.
Os gêmeos nasceram prematuros e, segundo ela, o médico decidiu retirar os bebês da incubadora mesmo que a família não tivesse acesso à calefação. Em um tapete encharcado de chuva, o pai abraçou firmemente os filhos mais velhos com cobertores e panos em um canto da barraca.
O diretor regional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Edouard Beigbeder, disse que as mortes "evitáveis" desses bebês "expõem as condições desesperadoras e deteriorantes enfrentadas por famílias e crianças em Gaza". Argumentou que, com "a previsão de que as temperaturas cairão ainda mais nos próximos dias, é tragicamente previsível que mais vidas de crianças sejam perdidas devido às condições desumanas que estão enfrentando."
'Tudo leva à morte'
Assim como milhares de outras famílias, os pais do bebê falecido sobrevivem em meio a uma grave escassez de alimentos, combustível e medicamentos. As Nações Unidas já alertaram para o colapso iminente do sistema de saúde em Gaza. Desde o início da guerra, em outubro de 2023, até 30 de junho passado, Israel realizou pelo menos 136 ataques contra 27 hospitais e outras 12 instalações médicas, nos quais 500 profissionais de saúde morreram, cometendo possíveis crimes de guerra e contra a Humanidade, alertou o Escritório da ONU para os Direitos Humanos.
Em Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza, Mahmoud al-Fasih também diz que encontrou a sua filha, Seela, "congelada pelo frio" na sua pequena barraca perto da praia de al-Mawasi. A família de al-Fasih foi deslocada pelo conflito mais de dez vezes. À BBC, a mãe, Nariman al-Najmeh, disse ter acordado de manhã e relatado ao marido que a bebê não se mexia há algum tempo. Foi então que a mulher reparou que seu rosto "estava azul, [e a bebê estava] mordendo a língua, com sangue saindo pela boca".
O homem, deslocado da Cidade de Gaza, levou-a rapidamente para o hospital local, mas sua filha já estava morta. Ahmad al-Farra, médico e diretor do serviço de emergência e pediatria do Hospital Nasser, disse à AFP que o bebê de três semanas chegou ao hospital com "hipotermia grave, sem sinais vitais e com parada cardíaca que causou sua morte".
Outro bebê de 20 dias, Aisha al-Qassas, também morreu de frio na região, segundo sua família.
— Em Gaza, tudo leva à morte — diz o tio do bebê, Mohamed al-Qassas. — Aqueles que não morrem sob o bombardeio israelense sucumbem de fome ou de frio.
A assessoria de imprensa do governo do Hamas em Gaza emitiu um alerta na segunda-feira sobre as condições climáticas esperadas para os próximos dias. Representam uma "ameaça real para dois milhões de pessoas deslocadas", a maioria das quais vive em barracas de campanha, sublinhou.
— A vida nas barracas é perigosa devido ao frio e à escassez de fontes de energia e calefação — explicou al-Farra, temendo que o mau tempo provoque "a morte de um maior número de crianças, bebês e idosos".