iniciação sexual

Virgindade: conceito de 'primeira vez' não é mais o mesmo; entenda

Especialistas explicam que a expressão 'perder a virgindade' é retrógrada e machista, já que dá conotação pecaminosa ao sexo

A iniciação sexual é vista sob novo olhar atualmente A iniciação sexual é vista sob novo olhar atualmente  - Foto: Pexels

Um dos momentos mais significativos da vida de um jovem é a iniciação sexual. Nem sempre a experiência corresponde às expectativas, mas costuma marcar as pessoas pela idealização exagerada ou pelo nervosismo. Durante séculos, associou-se a “perda da virgindade” à primeira penetração.

No entanto, o conceito de primeira vez passou por uma transformação nos últimos anos e tem feito muitas pessoas enxergarem o próprio começo de outra forma.

Se a masturbação conjunta, o sexo oral e outras carícias eram apenas “preliminares”, hoje pode-se entender a atividade sexual de uma maneira muito mais ampla, ao abranger todo tipo de contato íntimo a dois.

Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH), o psicólogo e pesquisador Itor Finotelli, entende que “o conceito de virgindade pode ser visto de maneira menos rígida” atualmente, refletindo a história e os valores de cada um.

— Hoje, as pessoas têm a liberdade de estabelecer os próprios parâmetros para decidir quando e com quem se engajar em práticas sexuais consentidas —afirma.

Para a terapeuta sexual e psicóloga Laura Meyer, as pessoas estão se aproximando cada vez mais de uma prática sexual livre e saudável.

— As pessoas se respeitam mais. Vejo gente fazendo sexo pela primeira vez quando se sente bem, quando encontra uma parceria bacana (hétero ou homossexual). Temos a liberdade de se descobrir, de transar com um amigo ou amiga. É algo mais liberado

Pela ótica da sexologia, a “perda da virgindade” acontece, na verdade, com o primeiro beijo, segundo Finotelli, já que esse costuma ser o contato íntimo inicial entre duas pessoas.

— Os beijos fazem parte de práticas sexuais. Hoje, “ser virgem” seria nunca ter tido nenhuma experiência que provocasse prazer sexual, algo praticamente impossível. As experiências (mesmo as solitárias) ocorrem de forma não consciente e em manifestações espontâneas de desejo sexual — explica.

Além da penetração
Na prática, definir quando e como foi a primeira vez fica cada vez mais sob a interpretação de cada um.

— Tentamos não falar em “virgindade”, esclarecer e deixar a cargo de quem está passando pela situação entender se foi uma primeira relação. A pessoa deve considerar se aconteceu, ou não, sua iniciação sexual. Isso quando falamos de relações consensuais, é claro — avalia Nathalie Raibolt, ginecologista, sexóloga e professora substituta de ginecologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). — Pode haver bastante intimidade e ser uma relação muito satisfatória sem a penetração.

Assim é a visão da artesã Paula Bertão, 32 anos, cuja primeira relação se deu aos 19 anos em uma “experiência de troca de intimidade e prazer” com o primeiro namorado. Na ocasião, a falta de preservativo impediu o ato. Anos depois, quando ele aconteceu, já na companhia de outro parceiro, sentiu que foi “completamente sem graça e com alguém que não significava nada”.

— Lamentava que a “primeira vez” fosse apenas sobre a penetração. Apagava um momento lindo da minha vida e dava importância demais para algo que significou tão pouco. Quando troquei experiência nas redes e li sobre a sexualidade, desconstruí vários preconceitos.

Para Laura Meyer, “fazemos sexo a partir do momento que começamos a descobrir a sexualidade e dividir essa intimidade com alguém”. Assim, uma pessoa não deixa de ser virgem apenas pela penetração.

— Não entendo a virgindade como “perda”. É um ganho. As pessoas passam para um outro momento de vida, de desfrutar de algo maravilhoso: o corpo, que nos dá prazer.

Raibolt considera que a expressão “perder a virgindade” não é saudável para a educação sexual feminina.

— Na prática médica, não usamos mais esse termo. Pelo contrário, tentamos desmistificar o conceito de virgindade. Hoje, fala-se “a primeira relação sexual” ou “a primeira vez” — afirma.

Ela explica que o conceito tinha sentido quando a mulher era vista como “propriedade do homem” e a única forma de garantir que um herdeiro seria, de fato, um filho de sangue era a presença do hímen — embora ele seja, muitas vezes, elástico e não rompa ou sangre.

— Isso não tem a menor aplicabilidade hoje. Com a “virgindade”, a mulher supervaloriza a primeira vez a dois e tem uma expectativa muito alta quando está iniciando a vida sexual. Ela deixa de explorar o próprio corpo, o prazer individual, e fica sem entender como o corpo funciona — reflete, ao reforçar que a expressão evidencia “os papéis de gênero”.

A educadora sexual e produtora de conteúdo Clariana Leal, 32 anos, iniciou as relações íntimas, incluindo o primeiro beijo, com mulheres. A carioca lembra ter “treinado” com as amigas até que a experiência acontecesse com um homem. Hoje, ela entende que a primeira vez que transou não houve penetração — mas que isso é, sim, sexo.

— Nunca questionei minha bissexualidade, mas, por uma ótica falocêntrica, atribuí todas as minhas primeiras experiências às válidas com homens, através de um olhar masculino.

Atividades sexuais de casais homossexuais femininos acabam sendo classificadas apenas como “preliminar”, uma vez que não há penetração do pênis na vagina.

— A gente é criado em uma visão muito heteronormativa e cristã — diz. — E a penetração não é o jeito mais prazeroso para a mulher. Gera uma falta de conhecimento do corpo e uma culpa muito grande. Tem muita expectativa e quase nenhuma informação sobre consentimento e prazer.

Ela observa que as pessoas valorizam tanto a penetração que fazem uma série de outras coisas para se ainda sentirem “virgens”.

— É como se a virgindade fosse, somente, o momento de tirar um “lacre”. As pessoas estão transando, já não são virgens, mas precisam do título para se sentir puras.

Segundo a sexóloga, algumas pessoas encontram “mecanismos para explorar e sentir o prazer” sem a penetração vaginal. O comportamento, que envolve práticas como o sexo anal,é associado às gerações passadas ou a alguns indivíduos as mais religiosos, porém ainda é comum.

— Como muitas mulheres ainda acreditam que o sexo vaginal é o sexo oficial, exploram outros campos, como o sexo oral, anal e a masturbação conjunta —avalia.

Novo olhar
Embora a mentalidade do que é a “virgindade” tenha mudado, Laura Meyer alerta que muitos homens ainda associam a atividade sexual apenas à penetração.

— A gente vive em um país muito machista. Muitos homens, mesmo os mais jovens, ainda pensam que, sem ereção, penetração ou gozo, não é sexo. Eles acham que não valeu, uma mentalidade completamente diferente das mulheres. Porque elas valorizam o toque, o carinho e a intimidade. Está tudo bem se não gozar — diz ela, cuja maioria de pacientes é masculina.

Em consultório, a psicoterapeuta observa que desconstruir essa ideia é um processo lento e trabalhoso na terapia sexual. O novo olhar para a primeira vez é mais difundido entre mulheres, sobretudo àquelas que se informam e trocam sobre o assunto.

Veja também

Coreia do Norte mostra pela primeira vez instalações de enriquecimento de urânio
ÁSIA

Coreia do Norte mostra pela primeira vez instalações de enriquecimento de urânio

China pede 'negociação' para acabar com guerras em Gaza e Ucrânia
MINISTRO DA DEFESA

China pede 'negociação' para acabar com guerras em Gaza e Ucrânia

Newsletter