Medo de germes

Você tira o sapato para entrar em casa? Toma banho mais de 3 vezes ao dia? Veja sinais de germofobia

O medo de ser contaminado por vírus, germes e bactérias tem nome: é chamado de germofobia ou misofobia

Higienizar as mãos com álcool mais de cinco vezes ao dia pode matar bactérias boas para o corpo humanoHigienizar as mãos com álcool mais de cinco vezes ao dia pode matar bactérias boas para o corpo humano - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em julho de 2019, a modelo Naomi Campbell publicou um vídeo na internet mostrando o ritual de limpeza que faz toda vez que entra em um avião. De dentro de sua bolsa de viagem, tira um par de luvas de látex, coloca nas mãos e logo em seguida pega um pacote de lenços antibacterianos. Campbell começa o ritual de limpeza. “Eu limpo todos os lugares que posso tocar”, diz enquanto passa o lencinho na poltrona, apoios de braços, bandeja, controle remoto de TV e janela. Depois, retira da bolsa uma capa rosa para colocar sobre a poltrona. “Não ligo para o que os outros vão dizer ou pensar. Isso tem a ver com a minha saúde e faz eu me sentir bem”, afirma.

Recentemente, Naomi voltou a chamar a atenção com esse receio de entrar em contato com germes ao criar uma linha de roupas com mais de 40 peças antibacterianas. As peças vão de ternos a calças de moletom.

Esse medo de ser contaminado por vírus, germes e bactérias tem nome: é chamado de germofobia ou misofobia. Se não tratado pode desencadear crises sérias de ansiedade e até mesmo transtornos obsessivos-compulsivos de limpeza.

A patologia pode aparecer através de métodos que visam prevenir a contaminação, como: tirar os sapatos ao chegar em casa com receio de trazer bactérias, lavar as mãos mais de 25 vezes ao dia e não estar satisfeito com a limpeza a ponto de causar fissuras e machucados, limpar todos os cômodos da casa nas mínimas superfícies todas as vezes que volta da rua, tomar banhos de uma hora, passar o sabonete mais de três vezes pelo corpo, utilizar o álcool em gel toda vez que toca em maçanetas ou botões, sair de máscara facial para todos os lugares. Até chegar ao extremo de restringir o contato com outras pessoas, ou seja, não apertar a mão de alguém, não tocar, não beijar ou abraçar os outros com pânico dos vírus e das bactérias.

— As pessoas imaginam que esses rituais vão amenizar o medo irracional e persistente delas de serem contaminadas, mas não percebem que isso acaba virando um ciclo vicioso paralisante, que causa mais angústia e não leva a nada. Ela acaba se isolando das outras pessoas, tendo uma vida empobrecida, sobrevivendo às angústias que criam — explica a psicanalista Renata Bento, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro.

A psicanalista afirma ainda que há uma diferença entre o medo e a fobia nesse caso. O medo, segundo ela, é um sentimento inquietante fundamental pois nos protege em diferentes momentos da nossa vida, ativando mecanismos de defesa. O problema é quando esse medo ultrapassa o nível razoável e se torna excessivo, atrapalhando até a vida social.

— Toda vez que saímos de casa, sabemos que algo de ruim pode acontecer, é algo concreto com que lidamos, mas preferimos pensar que estamos protegidos e nada vai acontecer. As pessoas que têm esse tipo de fobia pensam apenas com o concreto e começam a viver acreditando que todas as coisas ruins vão acontecer com elas. Elas não criam essas defesas inconscientes e ficam 100% na possibilidade, esquecendo de viver — afirma a psicóloga Carla Maia, especialista em desenvolvimento emocional e saúde mental de mulheres, crianças e adolescentes.

Pandemia
Maia explica que toda a população mundial viveu uma fase de germofobia na quarentena, durante a pandemia de Covid-19, quando não podíamos sair de casa para não espalhar o vírus mortal. Naquele momento, além do medo de pegar o patógeno, as pessoas também estavam assustadas com as imagens dos hospitais cheios, as chances mínimas de cura e o medo iminente da morte.

Isso causou um aumento desenfreado de casos de ansiedade em crianças, jovens e até mesmo em adultos. Uma publicação divulgada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) divulgou que a proporção de atendimentos em emergências de hospitais relacionados a condições mentais em crianças de 5 a 11 anos aumentou 24% durante a fase mais crítica da pandemia.

Outro estudo realizado pela American Psychological Society revelou que cerca de 75% dos adultos entrevistados citaram a pandemia como uma fonte significativa de ansiedade. O adoecimento mental já atinge 1 bilhão de pessoas em todo o mundo — uma a cada oito —, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O cenário desencadeou aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão em todo o mundo, só no primeiro ano de pandemia.

— À medida que a coisas voltaram ao normal, com a chegada da vacina, nós nos habituamos a isso, mas há pessoas que ainda estão paralisadas, vivendo uma vida isolada com rigidez psíquica, o que traz muito sofrimento. Elas precisam aprender a controlar as coisas internas do corpo e não as externas — explica Maia.

Os cientistas já descobriram que a solidão e o isolamento social elevam o risco de mortalidade em cerca de 30%, causando risco aumentado de doenças cardiovasculares, derrame, demência e problemas de saúde mental.

Bactérias amigas
Apesar de serem frequentemente relacionadas a doenças, as bactérias podem ser benéficas para os seres humanos, principalmente para crianças, pois ajudam a fortalecer a nossa imunidade, além de serem fundamentais para a homeostase corporal, ou seja, o equilíbrio constante das funções biológicas.

— 90% das células do nosso corpo são germes. Elas seriam como se nosso corpo fosse um ônibus e essas bactérias são os policiais que estão dentro do ônibus. Se os retirássemos, os bandidos, que seriam as bactérias patogênicas, entrariam e produziriam doenças. O contato de uma criança com o meio ambiente, com os animais, terra, areia faz com que essas bactérias boas cresçam, ou seja, quanto mais você criar o seu filho numa redoma de vidro com cuidados higiênicos excessivos, menor será a quantidade de policiais dentro do ônibus para lutar contra as novas doenças — explica o infectologista Roberto Figueiredo, também conhecido como Dr. Bactéria.

De acordo com o médico, se uma pessoa lavar a mão mais de dez vezes ao dia, as bactérias tendem a aumentar, porque além de usar produto químico na lavagem, há a redução do microbioma, que são as bactérias boas presentes na pele. O mesmo acontece no banho. Figueiredo diz que as pessoas podem tomar mais de um banho por dia, desde que apenas um com sabonete e xampu. O excesso desses produtos pode levar à infecção de pele.

— O contato com germes comuns ao nosso meio é essencial para nossa sobrevivência, ajuda a nossa digestão e nos protege de outros germes, por exemplo. Além desses fatos, o contato com germes potencialmente perigosos é também importante para fortalecer a nossa imunidade. Ao termos o contato, o que não significa necessariamente desenvolver a doença, faz nosso sistema de defesa aprender, produzindo anticorpos que irão nos proteger contra uma futura infecção de forma mais incisiva por estes germes — explica o patologista clínico e diretor médico do laboratório Richet Medicina & Diagnóstico, Hélio Magarinos.

Como evitar
— A melhor forma de proteger contra essas doenças é se vacinar e buscar um estilo de vida mais saudável com uma boa alimentação e a prática regular de exercícios físicos — afirma Magarinos.

Porém, em casos mais graves, se for constatado que há uma doença psíquica, é necessário buscar a ajuda de profissionais como psicólogos e psiquiatras.

— Esses pacientes precisam ser escutados em sua singularidade. Entender que eles têm esse sofrimento e precisam de ajuda. A família pode ajudar também tentando trazer clareza para o paciente, dizer que não está bem e encaminhar para um atendimento. Eles precisam ampliar a capacidade de pensar, sair do isolamento mental e físico, e entender que o ritual não vai levar a nada, apenas mais angústia — explica Renata Bento.

Sinais de excesso
Higienizar as mãos com álcool gel mais de 5 vezes ao dia pode impactar nas bactérias ‘do bem’;

O mesmo vale para pessoas que lavam as mãos mais de 10 vezes ao dia;

Higienizar os sapatos ou tirá-los sempre que entrar dentro de casa, não é necessário;

Abrir fechaduras com proteção nas mãos também é um ato desnecessário que não há grande impacto na saúde humana;

Ferver água filtrada. O líquido já não tem bactérias;

Tomar mais de 3 banhos por dia;

Escovar os dentes de forma exagerada (fora dos períodos após refeições ou antes de dormir). Pode desgastar e estragar o esmalte do dente.

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