Voo que levaria migrantes do Reino Unido para Ruanda é cancelado
Governo britânico estava determinado a expulsar migrantes ilegais para Ruanda
O primeiro voo previsto nesta terça-feira (14) pelo governo britânico, determinado a expulsar migrantes ilegais para Ruanda, foi cancelado após recursos legais de última hora, um revés humilhante para o Executivo chefiado por Boris Johnson.
O governo britânico estava determinado a expulsar para o país africano pelo menos dez imigrantes ilegais na primeira aplicação de uma política migratória defendida como uma questão de "princípios", mas qualificada de "imoral" pela Igreja Anglicana.
No entanto, após recursos judiciais e uma decisão urgente do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, o avião fretado especialmente para a ocasião ao custo de centenas de milhares de euros ficou em terra.
"Último bilhete cancelado. NINGUÉM VAI A RUANDA", tuitou a organização beneficente de apoio aos refugiados Care4Calais.
"Recursos legais e alegações de última hora fizeram com que o voo de hoje não tenha podido decolar (...) Não nos dissuadiram de fazer o certo", disse a ministra britânica do Interior, Pitri Patel.
"Nossa equipe legal está revisando cada decisão tomada sobre este voo e a preparação para o próximo voo começa agora", acrescentou.
O Executivo de Boris Johnson quer mandar os migrantes para este país do leste da África, situado a 6.500 km de Londres, para desestimular as chegadas ilegais pelo Canal da Mancha, que não param de aumentar.
"Abomináveis" traficantes de pessoas
"Terá gente neste voo e se não tiver neste voo, terá no seguinte", assegurou a ministra das Relações Exteriores, Liz Truss, ao canal Sky News.
"O que realmente importa é estabelecer o princípio" e "romper o modelo de negócios destas pessoas abomináveis, estes traficantes que comercializam com a angústia" dos migrantes, acrescentou.
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"Não vamos nos deixar dissuadir, nem obstruir de nenhuma forma por algumas críticas", disse Johnson.
O governo ruandês se disse disposto a receber "milhares" de migrantes e voltou a defender o acordo, considerando-o uma "solução inovadora" para um "sistema global de asilo exaurido".
Em Calais, na costa norte da França, de onde partem muitos migrantes rumo à Inglaterra, alguns aspirantes não parecem impressionados com esta medida "dissuasória".
Moussa, de 21 anos, procedente de Darfur, diz querer ir para a Inglaterra para "obter papéis" e porque já fala inglês.
"Atravessaram tantos países, enfrentam tantas situações de estresse e perigos imediatos" que vão correr este risco, explicou à AFP William Feuillard, coordenador da associação L'Auberge des Migrants.
"Vergonha"
As travessias ilegais do Canal da Mancha são o calcanhar de Aquiles do governo conservador britânico e provocam tensões constantes com a França.
Desde o começo do ano, mais de dez mil migrantes atravessaram ilegalmente da costa francesa para a inglesa em embarcações precárias, o que supõe um número recorde em relação a anos anteriores.
Em virtude de seu acordo com as autoridades ruandesas, Londres financiará inicialmente o plano com 120 milhões de libras (157 milhões de dólares, 140 milhões de euros). O governo de Kigali afirmou que dará aos migrantes a possibilidade de "se estabelecerem permanentemente".
"Esta política imoral envergonha o Reino Unido", reagiram líderes da Igreja Anglicana, entre eles o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, o arcebispo de York, Stephen Cottrell, e 23 bispos, em uma carta publicada no jornal The Times.
"Nossa herança cristã deveria nos incentivar a tratar os solicitantes de asilo com compaixão, equidade e justiça", destacaram.
Mas Truss rechaçou estas críticas. "Nossa política é totalmente legal. É totalmente moral", afirmou a ministra, assegurando que Ruanda é "um país seguro". "Os imorais neste caso são os traficantes", acrescentou.
Para aumentar a polêmica, o príncipe Charles, herdeiro do trono britânico de 73 anos, qualificou em caráter privado o plano governamental de "horroroso", noticiou no sábado o jornal The Times.
Em Ruanda, país chefiado pelo presidente Paul Kagame desde o fim do genocídio de 1994 em que, segundo a ONU, 800.000 pessoas morreram, o governo é regularmente acusado por ONGs de reprimir a liberdade de expressão, de crítica e a oposição política.
Os migrantes deportados serão alojados no albergue Hope de Kigali, que "não é uma prisão", mas um hotel onde os residentes serão "livres" para partir, segundo seu diretor, Ismael Bakina. O estabelecimento tem capacidade para 100 pessoas, com diária de 65 dólares por pessoa.