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Agrishow e inclusão do MST no Conselhão acirram atritos do governo com o agronegócio; entenda

Decisão de incluir representantes do movimento no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável foi anunciada um dia após o BB retirar o patrocínio que daria ao evento

Plantação de trigoPlantação de trigo - Foto: Pixabay

Em mais um capítulo dos atritos entre o governo e o agronegócio, a inclusão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, o chamado “Conselhão”, aumentou as críticas de representantes do setor à gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.

O anúncio foi feito um dia após o Banco do Brasil retirar o patrocínio que daria à Agrishow, uma das maiores feiras de agronegócio do país, realizada em Ribeirão Preto (SP). A decisão foi uma retaliação ao evento, que “desconvidou” o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, devido à participação do ex-presidente Jair Bolsonaro. Após o mal-estar, a Agrishow cancelou a cerimônia de abertura que ocorreria nesta segunda-feira.

O Conselhão foi formado em março para auxiliar o Executivo sobre políticas públicas, mas ainda não se reuniu. Para integrantes da bancada ruralista do Congresso, a proximidade com o movimento compromete o diálogo com o Executivo.

— Não tem chances de sentarmos com quem senta com MST. Sentou com MST, não senta com agro. O governo é refém do MST e está fechando as portas ao agro — afirmou ao GLOBO o deputado Evair de Melo (PP-ES), vice-presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), nome oficial da bancada ruralista.

O convite para o MST integrar o Conselhão foi feito no sábado pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em visita à cozinha escola do grupo em São Paulo.

O Globo apurou que o “desconvite” dos organizadores da Agrishow a Fávaro irritou Lula, que considerou o episódio desrespeitoso. Na avaliação de integrantes do Planalto, a decisão pela retirada do patrocínio do BB foi necessária para demarcar um “limite institucional”, pois não faria sentido um banco público patrocinar um evento que serviria de palco político para Bolsonaro.

Apesar do cancelamento da cerimônia de abertura da Agrishow, Bolsonaro foi recebido ontem por centenas de apoiadores ao desembarcar em Ribeirão Preto. Eles entoavam gritos da campanha eleitoral e, a exemplo do que ocorreu ao longo do mandato, o ex-presidente participou de uma motociata pela cidade.

Fávaro usaria sua participação na Agrishow para fazer anúncios de linhas de crédito do Plano Safra, o que deve fazer agora em uma reunião que já estava agendada com a FPA amanhã. Interlocutores do ministro afirmam que ele quer aproveitar o encontro para serenar os ânimos, dizendo que o episódio com a Agrishow não irá gerar qualquer retaliação ao produtor rural ou aos fabricantes de máquinas. A mesma postura foi adotada pelo BB, que apesar de cancelar o patrocínio à feira, informou que estará presente por meio de estande comercial para realizações de negócios. De acordo com o banco público, a expectativa é movimentar R$ 1,5 bilhão no evento.

Embora Fávaro tenha condenado invasões de terras promovidas pelo MST, acentuadas no mês passado durante o chamado Abril Vermelho, ele também tem se tornado alvo dos ruralistas, que cobram do governo ações concretas para coibir essas ações.

Convocações
Integrantes da bancada ruralistas, que na semana passada conseguiram tirar do papel a CPI do MST na Câmara, pretendem apresentar nesta semana requerimentos para convocar Fávaro — além de Padilha, o ministro Paulo Pimenta (Comunicação Social) e representantes do BB — para explicarem tanto o episódio envolvendo a Agrishow quanto o convite para o MST no Conselhão.

— Não tem nada por acaso, é método. São aliados de primeira hora. É o governo que protege esses bandidos — afirmou o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), citando a presença do líder do MST, João Pedro Stédile, na comitiva presidencial que viajou com Lula à China, no mês passado.

O clima de tensão se acentuou neste domingo após um grupo de sem-terra invadir uma propriedade da família da senadora Tereza Cristina (PP-MS), em Mato Grosso do Sul. Eles foram retirados após a chegada da Polícia Militar. Em nota, o MST negou relação com o caso. “Repudiamos a tentativa de vincular a luta do MST à ação ocorrida na propriedade ligada à senadora. Em um momento de avanço da criminalização contra o MST, através, por exemplo, da instalação de uma CPI ilegal contra nós, tais vinculações só servem para incitar a sociedade contra a luta legítima do movimento”, disse.

Os capítulos da crise
Episódios envolvendo MST e feira agrícola ampliaram ruídos na relação entre Lula e agro nas últimas semanas:

17 e 23 de abril

Invasões do MST
Nos episódios mais recentes da mobilização do "Abril vermelho", o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou invasões no Espírito Santo e em três áreas na Bahia — neste caso, no mesmo dia em que deixava uma área da Embrapa em Pernambuco, invadida no início do mês.

A sequência de invasões desagradou ruralistas, que também se queixaram da postura do governo. Apesar de ministros terem criticado o MST, o líder sem-terra João Pedro Stédile fez parte da comitiva de Lula em viagem à China.

26 de abril

CPI do MST
Na última quarta-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), leu o requerimento que autoriza a abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as invasões promovidas pelo MST. No início do mês, o movimento chegou a invadir a sede do Incra em Alagoas, dirigida por um primo de Lira. A CPI surgiu em meio a pressões da bancada ruralista.

26 de abril

Fávaro 'desconvidado' para feira agrícola
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que não iria mais à abertura da Agrishow, tradicional evento do agro em Ribeirão Preto (SP), após relatar um pedido dos organizadores do evento para que não comparecesse na data em questão -- a mesma em que o ex-presidente Jair Bolsonaro era aguardado.

28 de abril

Retirada de patrocínio à Agrishow
Insatisfeito com o "desconvite" a Fávaro, o governo anunciou que o Banco do Brasil deixaria de patrocinar a feira -- o valor do patrocínio não foi divulgado. Antes do anúncio, a medida foi sugerida publicamente pelo ministro Márcio França (Portos e Aeroportos) em uma rede social. Em meio à crise, a Agrishow anunciou que não realizaria mais a cerimônia de abertura.

29 de abril

MST no 'Conselhão'
Em meio à crise com o agro, o presidente Lula incluiu um representante do MST no "Conselhão", comissão montada para auxiliar o Executivo na tomada de políticas públicas. O convite foi anunciado nas redes sociais pelo ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que reforçou no anúncio sua contrariedade com a criação da CPI do MST na Câmara.

 

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