Transição

Alckmin apresenta PEC da Transição "turbinada" com impacto de R$ 198 bi: "Não há cheque em branco"

Proposta da equipe de Lula retira da regra fiscal excesso de arrecadação, recursos próprios de universidades e doações ambientais

Geraldo Alckmin fala à imprensa, após reunião de alinhamento de transição de governo, no Palácio do PlanaltoGeraldo Alckmin fala à imprensa, após reunião de alinhamento de transição de governo, no Palácio do Planalto - Foto: Evaristo Sá/AFP

O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) entregou ao Congresso nesta quarta-feira (16) a chamada proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição, que abre espaço no Orçamento de 2023 para as promessas de campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Além de prever o Bolsa Família fora do teto de gastos de forma permanente, o formato escolhido para a PEC terá outras exceções, uma delas que permite um gasto de R$ 22,9 bilhões acima da regra fiscal. Como o programa social, atualmente chamado Auxílio Brasil, tem custo de R$ 175 bilhões por ano, a PEC vai permitir um furo no teto de R$ 197,9 bilhões no próximo ano, se for aprovada nesses termos pela Câmara e pelo Senado.

A proposta foi apresentada após duas semanas de debates e com menos de um mês para o prazo considerado ideal pelo governo eleito para sua aprovação: 15 de dezembro. Depois de entregar o texto que servirá de base para a PEC na Câmara e no Senado, o vice-presidente eleito defendeu a proposta, rejeitada no mercado financeiro, com forte queda da Bolsa e alta do dólar hoje.

Alckmin negou que a PEC seja um risco às contas públicas, mas admitiu que haverá negociação dos termos no Congresso. Um dos pontos que a equipe de Lula sabe que podem ser alterados é o caráter permanente da exceção fiscal para o Bolsa Família.

"Não há nenhum cheque em branco. Agora, não tem sentindo colocar na Constituição brasileira detalhamento (do espaço que a PEC cria ao retirar o Bolsa Família do Orçamento), isso é a LOA, a Lei Orçamentária (Anual). Só que antes de votar a Lei Orçamentária precisa ter a PEC. A PEC vai dar o princípio e a LOA vai detalhar, que é o Congresso", disse.

Expansão dos investimentos públicos

Alckmin defendeu a ampliação dos investimentos públicos, o que seria viabilizado com essa nova permissão de gastos fora do teto, de até R$ 22,9 bilhões. O valor é decorrente de recursos extras, equivalente a 6,5% do excesso de arrecadação em 2021. Ele afirma que o objetivo é fazer com que o governo destine 1% do PIB em investimentos.

"O investimento público atrai investimento privado. No Orçamento enviado, é o menor número da série histórica. É 0,22% do PIB, R$ 22 bilhões para o Brasil. O DNIT (que cuida de estradas) tem pouco mais de R$ 6 bilhões. (Sem a PEC) Paralisaria as obras do Minha Casa, Minha Vida. Investimento, educação e meio ambiente", afirmou o vice-presidente eleito.

O texto da PEC foi entregue pelo vice-presidente eleito ao senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Ele recebeu a proposta em nome de Rodrigo Pacheco (PSDB-MG), presidente da Casa, que está na COP27, no Egito.

"Nós recebemos uma proposta que será construída a várias mãos, por vários senadores que estão dispostos a ajudar, não ao governo eleito, mas ao Brasil. Todos nós saímos da reunião com o dever de casa. Meu compromisso como presidente da comissão é dar celeridade, porque o tempo está contra", afirmou o presidente da CCJ.

O vice-presidente eleito também se dirigiu à Câmara dos Deputados para entregar a PEC ao presidente Arthur Lira (PP-AL), que posou para fotos, mas não se manifestou.

Tramitação começa no Senado

Parlamentares defendem a regra de tirar do teto receitas extras para impulsionar obras e também investimentos em áreas como saúde, educação e pesquisa. Castro também diz que a medida não é infinita. Uma queixa muito comum em Brasília desde 2021 é que o governo não consegue gastar o que considera "excesso de arrecadação" por conta do teto. É isso que o novo governo quer corrigir.

O relator do orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), esclareceu que a PEC tramitará como uma proposta dos senadores:

"Nós vamos negociar internamente até chegarmos a um entendimento de qual é o texto ideal. Na hora que tivermos a segurança do texto ideal, o ideal aqui é o possível e com maior probabilidade de ser aprovado, só neste momento vamos recolher as assinaturas. Nós estamos tomando uma medida de salvação nacional. Se não aprovarmos a PEC, não temos como fechar o Orçamento. O Orçamento que está aqui tem furos de ponta a ponta 1 afirmou o senador", disse Castro. 

Universidades e meio ambiente

A pedido da ex-ministra Marina Silva, a proposta ainda tira do teto receitas de doações ao governo para financiar políticas públicas na área ambiental. A PEC também tira do teto despesas de universidade feitas com receitas próprias. Hoje, se uma universidade vende um projeto a uma empresa privada, por exemplo, o gasto do dinheiro ainda fica dentro do teto.

No caso das universidades e das doações ambientais, não há resistência de especialistas porque não há impacto fiscal. O restante da proposta é alvo de críticas de economistas por não vir acompanhado de algum tipo de âncora fiscal capaz de controlar o crescimento da dívida pública.

Permanente, mas para negociar

O texto prevê o Bolsa Família fora do teto de forma permanente. Mas integrantes do PT admitem que a versão deve ser modificada, com a exceção da norma fiscal valendo somente quatro anos. Deixar a PEC sem prazo definido dá margem de negociação aos parlamentares para chegar a uma proposta que contemple todo o próximo mandato de Lula.

Como o GLOBO mostrou nesta terça-feira, Lula discutiu com Pacheco os detalhes da PEC no país africano.

Na conversa, da qual participaram outros senadores e integrantes da equipe de transição, Pacheco indicou a Lula que haveria dificuldades de o Congresso aprovar uma PEC retirando o Bolsa Família do teto de forma permanente, como quer o PT. Mas sinalizou que é factível que essa exceção dure quatro anos, durante todo o mandato de Lula, para evitar a necessidade de uma PEC todos os anos.

Portanto, ao apresentar o texto com o Bolsa Família fora do teto de forma permanente, a equipe de transição cria uma espécie de gordura para queimar. Partidos do Centrão ligados ao presidente Jair Bolsonaro, como PP, PL e Republicanos, pressionam para que a retirada do programa de transferência de renda do teto de gastos ocorra apenas em 2023.

Esse grupo apoia Lira para a presidência da Câmara em 2023. Lula já disse ao PT para não lançar candidato próprio ao cargo no ano que vem, numa sinalização ao presidente da Câmara.

Entenda as contas para cumprir promessas de campanha

A PEC da Transição é necessária para pagar o Bolsa Família de R$ 600 no próximo ano e um adicional de R$ 150 para famílias com crianças de até 6 anos, além de abrir espaço no Orçamento para outras despesas. A manutenção do valor de R$ 600 pago hoje era uma promessa de campanha de Lula e de Bolsonaro, mas o atual presidente enviou proposta orçamentária ao Congresso prevendo recursos suficientes apenas para um benefício de R$ 405.

O teto de gastos trava o aumento das despesas federais acima da inflação. Nos últimos anos, porém, foram aprovadas PECs para criar exceções ao teto e permitir gastos fora dessa regra. A ideia agora é aprovar uma nova proposta de Emenda à Constituição para criar uma nova exceção.

Como já há R$ 105,7 bilhões para o Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) na proposta orçamentária de 2023, a exclusão do valor total do programa do teto deixaria esse montante livre para ser remanejado para uma série de gastos. Na prática, portanto, a PEC terá um custo maior que o necessário hoje para bancar o Bolsa Família.

O PT quer priorizar ações logo no início do governo como aumento da merenda escolar, Farmácia Popular, saúde indígena, habitação popular, pavimentação de estradas e conclusão de obras inacabadas. A destinação desses recursos não constará na PEC, mas na proposta orçamentária de 2023.

A equipe de Lula tem pressa para aprovar a PEC antes da posse presidencial e do novo Congresso, em 1º de janeiro. Esse calendário, porém, é desafiador. Uma PEC requer uma ampla maioria de votos (308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores) em dois turnos de votação em cada Casa.

Mais regras

O texto da PEC, além de tirar o teto o Bolsa Família, também exclui a regra da meta fiscal de 2023 e a regra de ouro do arcabouço de responsabilidade fiscal. A partir de 2024, essas regras voltariam a valer.

A PEC diz ainda que os R$ 105 bilhões que estarão disponíveis para gastos em 2023 se destinarão, exclusivamente, ao atendimento de solicitações da equipe de transição. Além disso, esse dinheiro não poderá ser destinado para emendas parlamentares, incluindo as emendas de relator, mais conhecidas como orçamento secreto.

A PEC ainda diz que qualquer ato editado em 2023 relativos ao programa social ficará dispensado da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental, inclusive quanto à necessidade de compensação.

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