Amiga de Flávio Bolsonaro, 'tia Carminha' é madrinha da indicação de Kassio ao STF
Juíza é apontada por participantes do processo como a principal entusiasta da ideia de indicar Kassio para uma cadeira no Supremo
A indicação do juiz federal Kassio Nunes para a vaga de Celso de Mello no STF (Supremo Tribunal Federal) teve a articulação de uma personagem pouco conhecida fora dos círculos do poder de Brasília.
Amiga do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), a juíza federal Maria do Carmo Cardoso, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), é considerada a madrinha da escolha do magistrado.
Chamada na família do presidente Jair Bolsonaro de "tia Carminha" ou de "Carminha", segundo integrantes do Judiciário e do Legislativo, a juíza é apontada por participantes do processo como a principal entusiasta da ideia de aproveitar Kassio para uma cadeira no Supremo, e não para uma futura vaga no STJ (Superior Tribunal de Justiça), como era inicialmente cogitado.
O indicado para o STF, que também atuava no TRF-1, foi apresentado ao filho do presidente Bolsonaro (sem partido) há menos de três meses. Na aproximação, Kassio estava em campanha para o STJ. Após a primeira conversa, segundo relatos de aliados, o magistrado teve ao menos mais dois encontros com Flávio.
Procurado por cotados a cargos no Poder Judiciário, o senador tentava nesse período respaldar a indicação do juiz William Douglas, do Rio de Janeiro, para o STF. Ele tinha forte apoio no segmento evangélico.
Após conhecer Kassio, no entanto, Flávio criou simpatia pelo magistrado piauiense e buscou mais informações sobre o candidato a um
cargo no STJ.
Na época, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), conterrâneo de Kassio e fiador da indicação do juiz para o STJ, conversou com o filho de Bolsonaro e deu referências sobre o magistrado.
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Foi neste momento, segundo assessores do presidente, que Maria do Carmo, considerada uma espécie de conselheira jurídica da família Bolsonaro, entrou na história.
Após ser cogitada para o Supremo, a juíza, segundo relatos à reportagem, sugeriu o nome de Kassio para a vaga de Celso de Mello.
Kassio e Maria do Carmo se conhecem, segundo integrantes do Judiciário, desde 2011, quando ele foi nomeado para o TRF-1.
A idade da magistrada, acima de 60 anos, foi considerada um agravante para sua indicação, já que Bolsonaro busca um nome com quem possa contar por bastante tempo no Supremo.
É vedada a indicação de pessoas maiores de 65 anos para a corte -a idade da juíza é omitida do perfil dela no site do TRF1 nem foi informada por sua assessoria.
A relação da família Bolsonaro com Maria do Carmo é antiga. No ano passado, por exemplo, o presidente nomeou para o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a advogada Lenisa Rodrigues Prado, filha de Maria do Carmo.
Procurada pela reportagem, a juíza informou que não iria se manifestar.
Após a sugestão do nome de Kassio, Flávio conversou com o pai sobre a indicação do magistrado para o STF.
O advogado Frederick Wassef, que também já conhecia Kassio, fez elogios ao magistrado tanto a Flávio como ao próprio Bolsonaro e apontou como uma das características do juiz o perfil garantista, o que poderia favorecer o presidente e o parlamentar, alvos de investigações.
Ciro Nogueira havia intermediado audiências do juiz com Bolsonaro pensando no nome dele para o STJ. Foi na última reunião entre eles, no dia 29 de setembro, que o presidente informou a Kassio que, na verdade, pretendia indicá-lo para outra vaga.
Segundo relatos de auxiliares do presidente, na conversa Bolsonaro disse ao magistrado que a vaga aberta era a do STF, o que surpreendeu Kassio. Em seguida, Bolsonaro afirmou ao juiz que o levaria a um jantar.
O ministro do STF Gilmar Mendes tinha uma agenda marcada com Bolsonaro à noite, no Palácio do Planalto. Por volta das 16h daquele dia, porém, o presidente telefonou para o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e disse a ele que gostaria de apresentá-lo ao seu escolhido para o STF.
Bolsonaro pediu ao senador que fosse para a casa de Gilmar. Da mesma forma, convidou Dias Toffoli, com quem o presidente manteve proximidade enquanto o ministro presidiu o Supremo.
Nenhum deles sabia quem era o magistrado que seria levado ao encontro. Até então, a indicação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, era dada como certa tanto no Judiciário como no Legislativo.
No jantar, Bolsonaro apresentou seu escolhido, disse que gostaria de prestigiar a magistratura e que tinha a intenção de indicá-lo ao STF. A escolha surpreendeu a todos, inclusive o próprio Kassio, que, em conversa com aliados, disse que não esperava um anúncio tão rápido.
Segundo auxiliares do presidente, Bolsonaro ficou bastante impressionado com o piauiense. Pesou o fato de ele ser considerado um juiz de linha garantista, de tendência menos punitivista, e perfil crítico à Lava Jato.
Com a indicação anunciada por Bolsonaro, Kassio passará por uma sabatina na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado nesta quarta-feira (21). Se aprovado, seu nome segue para apreciação do plenário, onde precisa de maioria absoluta -41 dos 81 senadores- para ser nomeado por Bolsonaro.
No último dia 6, Kassio participou de um jantar com um grupo de senadores. No encontro, segundo presentes, ele disse que, caso seja confirmado, nunca se pautará por preconceitos ideológicos ou políticas partidárias. Ele também rechaçou ter padrinhos de sua indicação.
A pessoas próximas Kassio indicou concordar com a tese da AGU (Advocacia-Geral da União) e do MPF (Ministério Público Federal) sobre a possibilidade de reeleição ao comando do Senado e da Câmara, o que favorece os planos de Alcolumbre.
Ele entende que o pleito é uma questão interna corporis, ou seja, que deve ser decidida pelo próprio Legislativo. Com esse argumento em mãos, Alcolumbre pretende alterar o regimento e liberar sua nova candidatura.
Em outra frente, Kassio também já disse a aliados entusiastas de sua indicação que não cabe ao STF se posicionar a respeito da legalização do aborto no Brasil. O juiz federal afirmou ainda que não é amigo do presidente Bolsonaro.
Sobre o debate da prisão após condenação em segunda instância, Kassio afirmou que a decisão é de responsabilidade do Congresso. O magistrado fez as declarações a um grupo de nove senadores, que participaram de uma reunião virtual com o juiz federal. O encontro durou pouco mais de uma hora.