Análise: Bolsonaro usa Carnaval para criar armadilha para opositores
Debate, inócuo do ponto de vista de segurança sanitária, serve à nova onda de politização da pandemia promovia pelo presidente
Por mais de um ângulo, debater neste momento a "realização" do carnaval em 2022 é inevitável e, ao mesmo tempo, inócuo do ponto de vista de segurança sanitária, mas tem serventia à nova onda de politização da pandemia promovida pelo presidente Jair Bolsonaro. Especular decretações de fechamento ou abertura extremas daqui a três meses é inútil.
O sinal disparado por Bolsonaro — "Por mim nem haveria carnaval" — abriu a batalha de apontar hipocrisia do lado rival nas redes e promove uma "guerra cultural" útil para amenizar perdas de popularidade.
O presidente tenta acertar alguns coelhos e cria uma armadilha para seus opositores. O aceno moralista à base conservadora é óbvio, e remete ao apelativo episódio do "golden shower" no primeiro tríduo momesco sob seu governo. Sem pudor para inverter sinais, busca ainda empurrar os que passaram os dois últimos anos chamando-o de negacionista a adotar, na forma binária que captura todo debate nas redes, a posição contra medidas restritivas — a despeito da diferença de circunstâncias como vacinação, taxa de contaminação e outras.
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A militância bolsonarista entendeu o recado e tenta impor constrangimento a quem defendia isolamento e distanciamento e agora vê viabilidade nos festejos, acusando incoerência. A situação é outra com a boa adesão da população brasileira à vacinação e com a momentânea baixa na disseminação do vírus no país, mas circunstâncias podem mudar — a nova variante sul-africana é só o exemplo mais recente. Este cenário impõe um desafio também aos cientistas, muitas vezes premidos a exercer futurologia para decretar de público, hoje, se esta ou aquela atividade será segura daqui a três meses.
Em resposta, os antibolsonaristas apontam hipocrisia do presidente. A súbita conversão presidencial ao isolamento no carnaval entra em clara contradição com atitudes do próprio governo, a começar pela contínua resistência em exigir passaporte sanitário de turistas, medida unânime entre especialistas.
Para prefeitos de centenas de cidades que costumam sediar as festas, equilibrar o risco de propiciar uma onda de contaminação e promover o evento que aquece a economia local é decisão tão mais difícil quanto mais cedo precisar ser tomada.
Festa que simboliza e define a identidade nacional, o carnaval de 2022 concentra antes de começar o puro suco do Brasil recente: politização da crise sanitária e a submissão da ciência, em meio à falta de dados que permitam prever cenários ainda longínquos, à guerrilha das redes.