Após denúncia da Funai, PF intima líder indígena a depor por difamação contra governo federal
Sônia Guajajara acusa o governo Jair Bolsonaro de promover uma política de extermínio contra os povos indígenas, por meio do desmatamento e do descontrole da pandemia
Provocada pela Funai, a Polícia Federal intimou a líder indígena Sônia Guajajara a prestar depoimento sob acusação de difamar o governo federal. A informação é da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
Em nota, a organização, da qual Guajajara é uma das coordenadoras executivas, classificou a acusação de "ato de perseguição política e racista".
"O governo busca intimidar os povos indígenas em uma nítida tentativa de cercear nossa liberdade de expressão, a ferramenta mais importante para denunciar as violações de direitos humanos."
A líder foi intimada em 26 de abril, segundo a APIB. O inquérito é sigiloso. Por e-mail, a reportagem solicitou esclarecimentos à Funai e à PF, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
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A acusação teria como base a web-série "Maracá", disponível no YouTube, que acusa o governo Jair Bolsonaro (sem partido) de promover uma política de extermínio contra os povos indígenas, por meio do desmatamento e do descontrole da epidemia de Covid-19.
"Recebemos essa intimação como mais uma comprovação de que este governo está atuando para deslegitimar a atuação das lideranças, acabar com a nossa mobilização e assim passar o trator nos nossos territórios", afirmou Guajajara, em uma live na tarde desta sexta-feira (30).
Não é a primeira vez que o governo federal investe contra Guajajara, ex-candidata a vice-presidente pelo PSOL, em 2018, na chapa de Guilherme Boulos. Em setembro, o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general da reserva Augusto Heleno, a acusou de "crime de lesa-pátria" após uma campanha publicitária da APIB veiculada na Europa que pedia o desfinanciamento do governo Bolsonaro por causa de sua política ambiental.
Na quinta-feira (29), em sua live semanal, Bolsonaro estava acompanhado do presidente da Funai, o delegado da PF Marcelo Xavier, e de indígenas simpatizantes do governo.
O presidente voltou a defender a abertura das terras indígenas para agricultura mecanizada e para a mineração, atividades ilegais que vêm causando desmatamento e contaminação de rios por mercúrio.
Bolsonaro acusou os europeus de discriminação contra os povos indígenas por não comprarem soja produzida pelo povo parecis, em Mato Grosso. "Olha a discriminação do europeu, não compram o que eles produzem porque não querem ver o progresso deles."
Trata-se de uma alusão à Moratória da Soja, acordo pelo qual as companhias, europeias ou não, se comprometeram a não comprar soja plantada em áreas da Amazônia que tenham sido desmatadas depois de 2008, com ou sem autorização de órgãos ambientais.
Na live, Bolsonaro errou ao afirmar que os indígenas waimiri-atroaris, na divisa entre Amazonas e Roraima, cobram pedágio na BR-174 (Manaus-Boa Vista).
Na verdade, a estrada costuma ser fechada das 18h às 6h, com respaldo judicial, para diminuir o atropelamento de animais e mitigar o impacto social dentro do território indígena. Não há cobrança para atravessar o trecho.