Após mirar PT e centrão, Lava Jato vira algoz de tucanos
Se nos primeiros anos da Lava Jato as investigações da Polícia Federal eram criticadas por não atingirem alvos do PSDB, hoje a operação e seus desdobramentos avançam sobre nomes do partido
Se nos primeiros anos da Lava Jato as investigações da Polícia Federal eram criticadas por não atingirem alvos do PSDB, hoje a operação e seus desdobramentos avançam sobre os três políticos que disputaram eleições presidenciais pelo partido desde 2002.
Geraldo Alckmin, José Serra e Aécio Neves, todos eles também ex-presidentes da sigla, se tornaram réus em ações em São Paulo e estão praticamente alijados das discussões sobre os rumos da legenda, que hoje tem o governador paulista, João Doria, como principal líder.
Apesar de Doria ter um discurso pró-Lava Jato e de ser ligado ao atual presidente do partido, Bruno Araújo, nenhum dos caciques tucanos que respondem a ações penais sofreu sanções da direção partidária.
Além do trio, investigações com origens em delações da Lava Jato também atingiram outros caciques tucanos como o ex-senador paulista Aloysio Nunes e os ex-governadores Beto Richa (Paraná) e Marconi Perillo (Goiás).
Nos últimos meses, Serra e Alckmin têm estado nos holofotes por serem alvos de ações da Lava Jato de São Paulo, tocada pelo Ministério Público Federal, e do braço da operação na Justiça Eleitoral, sob responsabilidade do Ministério Público de São Paulo e da Polícia Federal.
Ambos viraram réus em julho, mas negam ter cometido irregularidades. Duas investigações sobre Serra foram suspensas por ordem do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli. Nomes ligados ao PSDB de São Paulo, como Paulo Vieira de Souza, o suspeito de operar para o partido conhecido como Paulo Preto, já apareciam na Operação Castelo de Areia, anulada em 2011 pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). No entanto, investigações sobre a cúpula tucana só avançaram após a delação da Odebrecht, homologada em 2017.
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Os primeiros baques significativos que o partido sofreu aconteceram em Minas Gerais em 2015 e 2016, quando o PSDB era um dos bastiões de defesa da Lava Jato em manifestações e no Congresso.
Em dezembro de 2015, o ex-governador de Minas Eduardo Azeredo foi condenado em primeira instância por peculato e lavagem de dinheiro pelo episódio que ficou conhecido como "mensalão tucano", um embrião do mensalão petista que teria irrigado com recursos públicos a fracassada campanha de Azeredo à reeleição em Minas em 1998.
Azeredo foi preso em 2018 e solto após 18 meses. O político, que recorre a tribunais superiores e responde em liberdade, se desfiliou do partido. Meses depois da condenação de Azeredo, uma operação em maio de 2016 prendeu o ex-presidente do PSDB de Minas Narcio Rodrigues, também sob suspeita de participar de um esquema de desvio de dinheiro para irrigar campanhas políticas.
A operação se chamava Aequalis (igualdade em latim), para sinalizar que não só os petistas, mas os tucanos também eram alvos de investigações por suspeitas de irregularidades. Narcio responde em liberdade a ações penais, e sempre negou ter cometido irregularidades.
Minas é reduto de Aécio, ex-governador do estado e tucano que ficou mais próximo de levar o partido de volta à Presidência da República, em 2014, com um discurso anticorrupção. Viu sua imagem pública se corroer ao ser flagrado em gravação pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, da JBS, em 2017.
Por causa do episódio, chegou a ser alvo de ordem do Supremo determinando que permanecesse em recolhimento domiciliar noturno e virou réu na corte sob acusação de corrupção e obstrução de Justiça.
No ano passado, conseguiu tirar essa denúncia do STF -onde o esgotamento de todos os recursos contra eventual condenação poderia levar menos etapas- e enviá-lo para a primeira instância, em São Paulo. A medida ocorreu porque ele deixou de ser senador e se elegeu deputado federal.
Outros dois ex-líderes de expressão nacional do partido também caíram no ostracismo após serem alvos de desdobramentos da Lava Jato. Ex-governadores, o goiano Marconi Perillo e o paranaense Beto Richa tiveram destino parecido após consolidarem hegemonia política em seus estados. Ambos concorreram ao Senado em 2018, mas foram derrotados.
Richa havia sido preso semanas antes da votação. Perillo, alvo da delação da Odebrecht, passou um dia preso após a eleição, suspeito de receber propina, e chegou a ser denunciado sob acusação de corrupção, lavagem e organização criminosa pelo Ministério Público em 2019. Mas o caso foi enviado para a Justiça Eleitoral, sem que até hoje uma ação tenha sido aberta.
Richa, também delatado pela empreiteira, é réu hoje na Justiça Federal em ação sobre pagamentos da construtora. Em processos relacionados a supostos desvios em obras de estradas rurais e de escolas, conseguiu vitórias: a suspensão de um deles, por ordem do ministro do STF Gilmar Mendes, e o envio para a Justiça Eleitoral por determinação do Tribunal de Justiça do Paraná. Aloysio, Richa e Perillo negam ter cometido qualquer irregularidade.
Conheça alguns casos que envolvem ex-presidenciáveis do PSDB
Aécio Neves
Acusado de corrupção e obstrução de justiça em processo que corre na Justiça Federal de São Paulo, por pedir R$ 2 milhões em empresário Joesley Batista, da JBS, em 2017. Sua irmã, Andrea, e o primo Frederico Pacheco também são alvo da ação.
Processo pouco avançou. Movimento mais importante aconteceu em março, quando o juiz responsável decidiu redistribuir a outra vara porque não envolvia lavagem de dinheiro, especialidade daquela unidade.
Em 2018, Aécio foi alvo de mandados de busca na Operação Ross, desdobramento da delação da JBS, que apura pagamentos ao tucano e a aliados. Um ano depois, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinou o envio da investigação para a Justiça Eleitoral no DF por entender que havia conexões com crimes eleitorais.
A delação da JBS, firmada pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot, ainda terá sua validade julgada no Supremo. Eventual anulação do acordo e das provas beneficiaria o ex-presidenciável tucano.
Em abril deste ano, a Procuradoria-Geral da República denunciou o tucano sob acusação de lavagem de dinheiro e corrupção no recebimento de propina das empreiteiras Andrade Gutierrez e Odebrecht. Os repasses somam R$ 65 milhões e, segundo acusação, visavam influência na área de energia, como em projetos das hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia.
Outro capítulo da delação da Odebrecht acabou enviado para Minas. Em maio, o STJ decidiu que um inquérito que apura se houve corrupção e fraude a licitações na construção da sede do governo de Minas, entregue em 2010, não tinha relação com crime eleitoral e deveria ser conduzido pela primeira instância mineira.
Ainda está em aberto também inquérito contra o tucano relativo a suspeitas na estatal Furnas, com origem ainda em etapas iniciais da Lava Jato. A peculiaridade dessa investigação é a de que o Ministério Público levantou suspeitas sobre uma conta em um banco de Liechtenstein, paraíso fiscal europeu, vinculada à mãe de Aécio, Inês Neves Faria. Em documento em 2019, a Procuradoria disse que eram necessários mais detalhes desses dados bancários no exterior.
O que diz a defesa:
Afirma que ele nunca cometeu qualquer ato ilícito. "Após mais de três anos de investigações, não foi apresentada nenhuma prova que vincule o parlamentar à prática de qualquer ato irregular. Delações sem prova e falsas acusações, criadas para ganhar benefícios pessoais, precisam ser enfrentadas com coragem pelo país."
José Serra
Serra é réu na Justiça Federal de São Paulo sob acusação de lavagem de dinheiro, junto a sua filha Verônica. O ex-governador era alvo de investigação sob suspeita de corrupção após a delação da Odebrecht.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu que crimes atribuídos ao tucano cometidos até 2010 estavam prescritos. No entanto, ao descrever suas investigações, os procuradores apontam que houve movimentações financeiras até 2014 em uma conta atribuída a Verônica.
Só a Odebrecht, diz a denúncia contra Serra, pagou ao tucano "cerca de R$ 4,5 milhões entre 2006 e 2007, supostamente para fazer frente a gastos de suas campanhas no governo do estado de São Paulo, e cerca de R$ 23,3 milhões entre 2009 e 2010, em contrapartida à liberação de créditos havidos junto à Dersa, no valor total atualizado de R$ 191.590.000,00".
Além dessa ação penal, Serra foi alvo de busca e apreensões na Operação Revoada, de julho.
Em outra investigação, no âmbito da Operação Paralelo 23 da Lava Jato Eleitoral, Serra é suspeito de estar no topo político de um esquema de doações via caixa dois que teria beneficiado sua campanha ao Senado em 2014.
As apurações da Revoada e da Paralelo 23 foram suspensas durante o recesso de julho do Judiciário pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, até posterior análise da corte. O relator dos casos é o ministro Gilmar Mendes. Por causa dessa decisão, a ação penal contra Serra também foi suspensa em primeira instância. O Ministério Público Federal recorre da decisão.
O que diz a defesa:
Quando a Revoada foi deflagrada e a denúncia apresentada, ambas no dia 3 de julho, a defesa manifestou "manifestar profundo repúdio à busca e apreensão" e afirmou que a denúncia partia de "fatos antiquíssimos, e que vinham sendo apurados pela Justiça Eleitoral. Sobre eles, aliás, José Serra nunca foi ouvido".
Na visão da defesa, o tema é de competência da Justiça Eleitoral, e não da Justiça Federal. Serra disse que "aguarda com serenidade o reconhecimento de todas as ilegalidades e inverdades das acusações que lhe foram feitas".
A respeito das investigações, afirmou que "culminaram em abusos inaceitáveis contra o senador".
"Em ambas as esferas, era evidente o excesso e ilegalidade das medidas determinadas contra o senador da República, em clara violação à competência do Supremo Tribunal Federal e em inegável tentativa de criar fantasias relacionadas a seu mandato parlamentar."
Geraldo Alckmin
O ex-governador de São Paulo é réu na Justiça Eleitoral sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e de receber caixa dois da Odebrecht.
A acusação se refere a pagamentos para as campanhas eleitorais de 2010 e 2014, quando ele disputou o governo do estado. Segundo a Promotoria, o ex-governador recebeu R$ 2 milhões em espécie da Odebrecht na campanha de dez anos atrás e R$ 9,3 milhões quando disputou a reeleição. Ele foi eleito nas duas ocasiões.
O que diz a defesa:
A defesa de Alckmin disse que "lamenta a injusta e indevida exposição" e que tem confiança de que, ao final, a verdade prevalecerá.
"[O ex-governador] nunca recebeu valores a título de contribuição de campanha eleitoral que não tenham sido devidamente declarados nos termos da legislação vigente, nem tampouco praticou qualquer ato de corrupção, como, aliás, nunca fez durante mais de 40 anos de vida pública".