Após o Conselho Federal de Medicina, bolsonarismo busca ampliar espaços na OAB
Mobilização inclui sinalizações de apoio fora da advocacia e tentativas de isolar candidatos classificados como "de esquerda"
Após uma mobilização bem-sucedida para as eleições do Conselho Federal de Medicina ( CFM) neste ano, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentam emplacar em mais um órgão de representação de classe, a Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB), candidatos com discursos alinhados ao do bolsonarismo.
As votações para eleger as novas seccionais da OAB nos 26 estados e no Distrito Federal começaram ontem e vão até o dia 30. A mobilização inclui sinalizações de apoio fora da advocacia e tentativas de isolar candidatos classificados como “de esquerda”.
O próprio Bolsonaro deu o tom da politização da disputa em entrevista a uma rádio de São Paulo, no início deste mês, na qual se referiu às eleições das seccionais da OAB como “importantes” e pediu a cada advogado que “veja quem está ligado à esquerda e não vote nessa chapa”.
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O discurso bolsonarista, repetido por parlamentares e apoiadores do ex-presidente, é que a atual direção da OAB teria falhado em assegurar o “devido processo legal” para investigados e réus no Supremo Tribunal Federal (STF) por ataques à democracia, como o próprio Bolsonaro e os presos pelo 8 de Janeiro.
— O advogado é um dos pilares da democracia. Se ele não pode falar, está amordaçado, adeus democracia — afirmou Bolsonaro.
Campanha em SP
Na mesma entrevista, o ex-presidente demonstrou apreço por um dos candidatos na seccional de São Paulo, Alfredo Scaff, que “veio falar dessas questões”.
Um dos candidatos a conselheiro estadual na chapa de Scaff é o advogado e ex-apresentador de televisão Tiago Pavinatto, que já pediu a prisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, em uma audiência na Câmara dos Deputados no ano passado. Em um vídeo de apoio a Scaff, nas redes sociais, Pavinatto disse que a OAB precisa se tornar um contraponto ao Judiciário, que chamou de “poder ditatorial que se instalou no Brasil”.
Outra chapa na seccional paulista que apela à direita é a de Caio Augusto Silva Santos, que tem como candidata a vice Angela Gandra. Ela é filha do jurista Ives Gandra Martins, alvo de um processo disciplinar por suposta incitação a uma intervenção militar. O processo contra Gandra seria julgado pela OAB de São Paulo no último dia 8, mas foi retirado de pauta após pressão da chapa de Santos, que sugeriu uma tentativa de perseguição por parte do candidato situacionista, Leonardo Sica.
Sica é sobrinho do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que participou de um evento em apoio à sua candidatura em Mogi das Cruzes (SP), junto a outros deputados do partido. Já a candidatura de Santos é apoiada pelo presidente do Republicanos, deputado federal Marcos Pereira (SP), que é advogado e um dos principais aliados do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, seu correligionário.
Além de São Paulo, Bolsonaro fez declarações de apoio a candidatos nas seccionais da OAB em Santa Catarina e no Distrito Federal . Na disputa catarinense, o advogado Rodrigo Curi tem usado uma foto na qual recebe uma medalha de “imbrochável” das mãos de Bolsonaro. No DF, o advogado Everardo Gueiros, conhecido como Vevé, divulgou um vídeo ao lado do ex-presidente no qual disse que sua candidatura retornaria a OAB ao papel de defender “o direito do povo de ter um julgamento justo e legítimo”.
Aliados do ex-presidente Bolsonaro reproduziram a politização em outros estados. No Paraná, o vereador Eder Borges (PL) gravou um vídeo em apoio à chapa de Flávio Pansieri, advogado conhecido pela proximidade com o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que foi líder do governo Bolsonaro na Câmara. Borges alegou que, das três chapas na disputa, “duas são muito ligadas ao PT”, enquanto a de seu aliado defende “segurança jurídica” e “limitação dos poderes do STF”.
Representante da chapa da situação e ex-dirigente da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o advogado eleitoral Luiz Fernando Casagrande Pereira criticou Pansieri por “colocar políticos que nem são advogados para pedir voto a ele”:
— Nunca houve essa mistura de política com a eleição da Ordem. A campanha virou só isso, pedir voto em um acusando os outros de serem de esquerda. E os temas da advocacia acabam saindo de cena.
Polarização no Rio
No Rio também há sinais de polarização. A advogada Ana Tereza Basilio, que representa a situação, escolheu para vice uma jurista conservadora, Sylvia Drummond, que é próxima ao deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Já o advogado Marcello Oliveira, que encabeça a chapa de oposição, recebeu sinalização de apoio do ex-deputado e atual presidente da Embratur, Marcelo Freixo (PT), que compareceu à sua festa de aniversário às vésperas da campanha.
Reservadamente, aliados de Ana Tereza Basilio admitem que houve um “reconhecimento do conservadorismo” na composição da chapa, mas lembram que ela também é apoiada pelo ex-presidente da OAB Felipe Santa Cruz, conhecido por embates com o bolsonarismo.
Candidato a vereador pelo PT neste ano e integrante da chapa de Oliveira, o advogado Rodrigo Mondego argumenta que a chapa adversária foi “hegemonizada pelo discurso ultraconservador”, o que teria enfraquecido posicionamentos em temas como violência policial:
— A mobilização desse ultraconservadorismo anti-constitucional vai empurrando a OAB para se tornar uma espécie de CFM.
Atual presidente da seccional fluminense, e apoiador de Ana Tereza Basilio, o advogado Luciano Bandeira minimiza as divergências na eleição fluminense, e lembra que Oliveira também fez parte do grupo da atual diretoria.
— O que não se pode permitir é que a política partidária entre na Ordem, porque aí perde a legitimidade para questionar temas como a política de segurança do estado, como estamos fazendo no STF. A Ordem, mais do que um conselho de classe, tem atribuições constitucionais —diz Bandeira.
No caso do CFM, que elegeu seus novos conselheiros federais em agosto deste ano, médicos apoiados por bolsonaristas conseguiram se eleger em estados como Rio, São Paulo e no DF. Parte dos eleitos apoiou meses antes uma resolução publicada pelo CFM que buscava, na prática, estabelecer restrições para a realização do aborto legal.
A resolução foi suspensa pelo STF, o que depois inspirou a apresentação de um projeto com normas mais restritivas na Câmara dos Deputados, que ficou conhecido como “PL Antiaborto”.