Após rusgas, PT abraça medidas de Haddad e põe mercado como alvo
Partido tem histórico de posturas dissonantes com a Fazenda, mas poupa críticas ao pacote fiscal e exalta mudanças no IR
Ao contrário de outros momentos em que o Ministério da Fazenda estudou medidas de viés mais simpático à cartilha do mercado financeiro, o PT abraçou nas últimas semanas o pacote fiscal anunciado pelo ministro Fernando Haddad, filiado ao partido desde 1983. Em casos passados, como a discussão envolvendo impostos sobre combustíveis, alterações nos gastos com Saúde e Educação e a revisão da meta fiscal, por exemplo, houve tensão entre a sigla e a pasta.
Pensadas como forma de dar um recado de equilíbrio dos gastos do governo a longo prazo, as iniciativas foram mal recebidas no mercado por causa da inclusão do que Haddad classificou como “revolução” no imposto de renda — justamente o ponto que tem feito petistas enaltecerem o pacote e não atacarem os cortes.
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“Corrigir essa injustiça (no imposto de renda) não pode receber prioridade menor que as medidas de contenção de gastos anunciadas no mesmo conjunto pela Fazenda, qualquer que seja o pretexto. O país e o Congresso não devem se curvar à chantagem do mercado e de seus porta-vozes, que já estava prevista muito antes do anúncio feito”, publicou nas redes sociais a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Se o IR levou a demonstrações públicas de apoio, petistas e aliados têm reclamado, de forma reservada, das mexidas em programas sociais.
A isenção aos trabalhadores que ganham até R$ 5 mil é uma promessa da campanha de Lula. Apesar de a reação do mercado ter elevado o dólar e colocado em xeque o objetivo original de sinalizar para a estabilidade das contas públicas, há quem avalie que o governo conseguiu transformar o bloco de ideias em algo positivo para a população, já que o IR dominou a repercussão sobre o anúncio de Haddad. É a isso que o PT se agarra.
— O ministro apresentou uma proposta que converge com as ideias defendidas historicamente pelo PT que apontam para a justiça tributária. A bancada do PT apoia Haddad e estará na linha de frente da defesa das medidas — afirmou o deputado federal Lindbergh Farias (RJ), que assumirá a liderança petista na Câmara em 2025, à newsletter Jogo Político, do GLOBO.
Na semana passada, Lindbergh divulgou por lista de transmissão um texto em que anuncia o embate com a Faria Lima: “O mercado está atacando o pacote de justiça tributária apresentado pelo presidente Lula porque ele enfrenta privilégios e beneficia quem mais precisa”, escreveu.
Antes, em dezembro de 2023, o parlamentar havia criticado a visão de Haddad sobre a importância de não permitir deficit nas contas do governo, na esteira de uma discordância entre Gleisi e o ministro. Durante evento do próprio PT, a presidente defendeu a expansão de gastos para impulsionar o crescimento do país, mesmo que isso gerasse déficit de até 2% do PIB. O chefe da Fazenda rebateu e reforçou o posicionamento pró-déficit zero. Lindbergh, então, foi às redes em defesa de Gleisi.
No mesmo período, a direção do partido aprovou uma resolução que pregava contra o “austericídio fiscal”.
Quando a Fazenda estudou enquadrar gastos com Saúde e Educação nas regras do arcabouço fiscal, Gleisi classificou como “boa leitura” uma coluna no UOL que repudiava a ideia. Já no mês passado, na esteira das discussões sobre o pacote fiscal, o partido produziu o manifesto “Mercado financeiro e mídia não podem ditar as regras do país”. A equipe de Gleisi alega que o texto não era uma pressão ao governo.
O primeiro embate entre a direção petista e a Fazenda se deu no início do mandato, quando ainda se discutia a continuidade das desonerações de impostos sobre combustíveis implementadas sob Jair Bolsonaro (PL). Gleisi defendeu a manutenção, ciente do impacto político que um aumento no preço da gasolina poderia acarretar. Preocupado com perdas na arrecadação, Haddad foi contra.
A briga com o mercado marcou o posicionamento de vários petistas nos últimos dias, incluindo o próprio Lula. “O PIB de 2024 não vai ser 1,5% como o mercado previu, vai ser maior que 3%. E aos poucos vamos retomando a normalidade e melhorando a vida dos brasileiros, apesar de quem torce contra”, publicou o presidente na quarta-feira.
Irritou os petistas a pesquisa Quaest que mostrou rejeição de 90% a Lula no mercado financeiro. O ministro da Secom, Paulo Pimenta, elencou dados positivos da economia no governo Lula e lamentou a repercussão do levantamento, que ouviu 105 gestores, economistas, analistas e tomadores de decisão.