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Justiça

Associações de magistrados e juízes saem em defesa de Lewandowski

Segundo as instituições, a Justiça, por determinação constitucional, relaxa prisões quando há lacunas no processo investigativo; especialista aponta que polícia e judiciário possuem problemas

Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo LewandowskiMinistro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski - Foto: Reprodução/X

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) manifestaram apoio ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, após a repercussão negativa sobre seu comentário de que a "polícia prende mal", o que obrigaria o judiciário a soltar muitas pessoas.

Segundo as instituições, a Justiça, por determinação constitucional, relaxa prisões quando há lacunas no processo investigativo.

"Os juízes do país têm cumprido, com rigor e responsabilidade, o que determina a legislação vigente. Caso esta não mais reflita os anseios da sociedade, a via adequada para a mudança é a alteração legislativa, por meio do debate democrático no Congresso Nacional", pontuou as associações, em nota.

Depois da repercussão negativa, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, mudou o tom e afirmou que a polícia brasileira é "altamente eficiente e preparada". A fala anterior do ministro havia sido criticada por representantes das forças de segurança e por governadores.

Durante evento para inauguração de um centro para acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica, em João Pessoa (PB), Lewandowski disse que sua fala foi "pinçada fora do contexto", e que ele estava defendendo a PEC da Segurança Pública e melhor estrutura para agentes de segurança.

— Quero ressaltar agora, publicamente, que nós temos uma polícia brasileira altamente eficiente e preparada. A minha expressão foi pinçada fora do contexto, que as polícias têm que ser melhor remuneradas, melhor equipadas, precisar ser melhor informadas para que possam prender para que não haja esse fenômeno do judiciário eventualmente ter que corrigir erros de prisões que não foram feitos de acordo com a lei — explicou o ministro da Justiça.

A fala de Ricardo Lewandowski havia sido criticada por representantes das forças de segurança e por governadores. Segundo a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), o governo federal "deveria estar atuando para valorização da polícia judiciária e dos delegados, diminuindo o grande abismo existente, tanto financeiro quanto de condições de trabalho".

A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) também se posicionou contra a afirmação do ministro, pontuando que as supostas más investigações se devem à "histórica omissão do próprio ministério em promover ações concretas para o aprimoramento do sistema de segurança pública — especialmente nas áreas científica e tecnológica."

Em nota, a ADPF disse ainda que só é possível falar em prisão “mal realizada” quando se detecta alguma ilegalidade, mas que essa "não é a realidade diuturna das audiências de custódia realizadas no Brasil".

"É preciso esclarecer à sociedade que na maioria esmagadora dos casos, a prisão é considerada legal e o juiz que preside o ato concede a liberdade provisória, com ou sem fiança, atendendo a um pedido feito pela defesa ou pelo Ministério Público, por entender que não há necessidade concreta de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva", diz o comunicado.

"Todos os lados têm problemas"
De acordo com o sociólogo e ex-secretário adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais Luís Flávio Sapori, a fala de Lewandowski não corresponde à realidade visto que atualmente a segurança pública enfrenta um “afrouxamento articulado do sistema”. Tanto as forças policiais quanto o judiciário possuem deficiências que comprometem o combate ao crime organizado.

— O ministro se portou como um representante do judiciário. Mas o que existe hoje no Brasil são polícias que prendem de forma abusiva — e em muitos casos a Justiça tem razão em soltar o suspeito —, e um judiciário que também não exercer plenamente seu papel de dar sustentação jurídica ao trabalho de investigação, muito por conta do abarrotamento do sistema. Então, o que acaba ocorrendo é a concessão de benefícios sem análise do perfil do criminoso. Todos os lados têm problema — defende o especialista.

Sapori define ainda a Justiça criminal como “pouco integrada, ineficiente e corporativista”. Hoje, cada instância da segurança possui um sistema próprio, que não interliga as informações e, consequentemente, patina no combate à criminalidade. A PEC da Segurança Pública, segundo o especialista, colabora no enfrentamento a esse problema.

— O que precisa de imediato é uma coordenação nacional do sistema, que inclua esferas federal, estadual e municipal, e informatize a troca de informações desde as ocorrências de crimes e as investigações da polícia civil, até a chegada ao processo penal e execução penal. Isso evita decisões equivocadas em todas as instâncias — explica.

A fala de Lewandowski ocorreu durante abertura da reunião do Conselho Deliberativo da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), em Brasília, na última quarta-feira (19).

— É um jargão que foi adotado pela população, que a polícia prende e o Judiciário solta. Eu vou dizer o seguinte: a polícia prende mal e o Judiciário é obrigado a soltar — afirmou Lewandowski.

PEC da Segurança
Durante o evento, Lewandowski também defendeu a PEC da Segurança Pública como instrumento para combate à criminalidade.

A proposta tem enfrentado forte resistência entre governadores e parlamentares.

Ele defendeu um modelo semelhante ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao sistema educacional, com diretrizes federais que organizem a segurança pública no país.

A PEC está estruturada em quatro pilares.

O primeiro é relacionado a diretrizes nacionais de segurança, no qual o governo poderá emitir diretrizes gerais para alinhar ações em estados e municípios, criando um sistema unificado de informações sobre criminalidade.

A ampliação do papel da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal também é um pilar da proposta. A PF terá atribuições mais amplas no combate ao crime organizado e ambiental e a PRF passará a atuar também em ferrovias e hidrovias, sendo rebatizada como Polícia Viária Federal.

A proposta, no entanto, também recebeu crítica da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, que alegou que a medida "desconsidera por completo o papel essencial das polícias científicas."

"Essas instituições são fundamentais para a investigação de crimes, a coleta e a preservação da cadeia de custódia das provas e o aumento dos índices de resolução de casos, mas seguem sem uma representação efetiva e uma estrutura dedicada no âmbito do MJSP. Sem um sistema estruturado de produção e análise de provas científicas, o combate à criminalidade seguirá limitado", disse o comunicado.

Ainda segundo a associação, devido à falta de repasse de verba, o Centro Multiusuário de Processamento Automatizado de Vestígios Sexuais (Cempa-VS) foi paralisado, prejudicando a análise de crimes sexuais nos estados.

Já o Sistema Nacional de Análise Balística (Sinab), ferramenta crucial para elucidação de crimes com armas de fogo, segue com dificuldades de implementação por falta de apoio institucional e demora na liberação de recursos.

Zema e Leite criticam ministro
Em uma publicação no X, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), também discordou a fala do ministro da Justiça e criticou direitos dados aos presos, como as chamadas saidinhas — benefício que permite a detentos do regime semiaberto sair do presídio.

— Discordo do ministro Lewandowski. A polícia prende, a justiça solta. Em vez de proteger pessoas de bem, concede regalias a criminosos. Minas tem uma das melhores polícias do país, mas é revoltante ver reincidentes nas ruas por saidinhas e benefícios inaceitáveis. Enxugamos gelo! — declarou o governador.

Em entrevista ao Estadão, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou que a fala do ministro não condiz com a realidade do país e defendeu que sejam feitas alterações legislativas para respaldar essas prisões.

— Ora, a queixa é nacional, em todos os Estados em que as polícias estaduais atuam. Então, todas as polícias estariam agindo errado? — questionou o governador. — É um tema que precisa ser resolvido. Eu particularmente entendo que merecem ser feitas alterações legislativas para respaldar essas prisões e dar condição aos juízes de manter preso esses criminosos, isso deve ser feito.

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