Policiamento

Bahia: ex-chefe da PF diz que Torres pediu reforço em cidades específicas no 2º turno

Ex-ministro e ex-diretor-geral da corporação justificaram pedido com base em relatos de compra de votos no estado

Anderson Torres Anderson Torres  - Foto: Marcos Corrêa/PR

Considerado peça-chave no inquérito da Polícia Federal que investiga se Anderson Torres e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) atuaram para atrapalhar a presença de eleitores de Lula nos locais de votação no segundo turno, o delegado Leandro Almada, superintendente da PF na Bahia no período eleitoral, afirmou em depoimento que recebeu um pedido do então ministro da Justiça para reforçar o policiamento nas ruas em 30 de outubro. Segundo Almada, a justificativa dada pelo então chefe da pasta era de que havia uma suposta “anormalidade” na compra de votos no estado.

Questionado pelos investigadores se recebeu alguma orientação quanto às localidades onde deveria reforçar o policiamento, Almada respondeu que “houve, sim, uma relação de cidades”, mas não a apresentou no momento do depoimento. Esse é um dos pontos principais em apuração no inquérito.

A investigação foi aberta após a maior parte das blitzes ter sido registrada na Região Nordeste, região do país onde Lula havia registrado sua maior vantagem sobre Jair Bolsonaro. Na Bahia, o petista teve 69,7% dos votos no primeiro turno, enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro ficou com 24,3%. O resultado foi mais largo do que no panorama geral do país, em que o atual presidente teve 48,4%, e o então candidato do PL, 43,2%.

O ex-superintendente na Bahia contou também que recebeu uma “sugestão” para que a PF atuasse em conjunto com a PRF na data do segundo turno, o que ele avaliou como “inadequado” e, por isso, acabou não executando.

No último dia 8, Torres também foi ouvido no inquérito e negou quaisquer irregularidades. A sua defesa afirma que ele é inocente. Na oitiva, o ex-ministro afirmou que sua preocupação durante o período eleitoral era com o combate a possíveis crimes eleitorais, independentemente de candidato ou partido. Ele também negou que tenha havido uma “determinação” sua para que a PF e a PRF trabalhassem juntas no dia da eleição. O delegado Almada não fala em “determinação”, mas em “sugestão” — que, segundo ele, não foi acatada.

Já sobre o reforço no policiamento no dia da votação, o ex-superintendente da PF afirmou que o colocou em prática, até porque havia recebido dias antes um pedido similar do presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, que manifestou a ele “medo de estar um pouco conflagrada a situação eleitoral” devido à polarização entre Lula e Bolsonaro.

Além disso, relatou Almada, o diretor-geral da PF à época, Márcio Nunes, também já havia dado uma ordem genérica para que todos os 27 superintendentes reforçassem o policiamento no dia do pleito em seus estados.

O delegado Almada foi ouvido no inquérito porque, cinco dias antes do segundo turno, ele recebeu uma visita de última hora de Anderson Torres e Márcio Nunes. O GLOBO teve acesso ao depoimento, prestado em 15 de março. A suspeita dos investigadores é que, na visita ao então superintendente, o ex-ministro tenha pressionado os policiais federais a atuarem na Bahia de forma a prejudicar eleitores de Lula, como teria feito a Polícia Rodoviária Federal.

No dia do segundo turno, houve a suspeita de que bloqueios feitos pela PRF em estradas do Nordeste estavam dificultando a locomoção dos eleitores. O Nordeste é o principal reduto de Lula, e a Bahia, por sua vez, é o maior colégio eleitoral da região, onde o petista teve ampla vantagem nas urnas, o que contribuiu para sua vitória. Em 30 de outubro, a PRF parou 324 ônibus em estradas do Nordeste, enquanto no Centro-Oeste foram 152; no Sudeste, 79; no Norte, 76; e no Sul, 65.

Fake news e atuação conjunta
Almada relatou aos investigadores que “a tônica da reunião (com Torres e Nunes) foi em torno da questão eleitoral”. “Pediram para reforçar bastante a nossa parte ostensiva no dia do segundo turno, porque eles ouviram relatos de uma compra de votos muito grande que estaria ocorrendo no estado da Bahia”, disse.

Ainda de acordo com Almada, Torres e Nunes mencionaram na reunião que “facções criminosas em Salvador estariam nitidamente apoiando candidato do PT, que estariam constrangendo eleitores em seções eleitorais com armas de fogo, enfim, a votarem em determinados candidatos”.

O ex-superintendente relatou que explicou então a seus superiores que, “em relação à questão de facções criminosas apoiando o candidato que ele citou, a gente já tinha visto que era uma fake news”, que “isso aí não procede”. De acordo com Almada, havia uma “boataria” desde o fim do primeiro turno, quando circulou um áudio sobre um suposto traficante que usava uma estrela do PT e que teria coagido eleitores.

Depois de esclarecido esse ponto, a reunião tratou “da desconfiança de compra de voto, de uma suposta anormalidade na Bahia”, relatou Almada. O diretor-geral da PF pediu 100% dos homens trabalhando na data do segundo turno, e o superintendente respondeu que atenderia.

“Nesse dia também, além do reforço, foi sugerido que a gente atuasse também em conjunto com a PRF”, contou Almada. “A gente alinhou depois dessa reunião, quando eles foram embora, que a gente não... Entendendo inadequada essa ação conjunta, a gente atuaria sozinhos, dentro do nosso planejamento da PF. E foi o que ocorreu”, afirmou.

Os investigadores perguntaram a Almada se, além do pedido de reforço no policiamento, ele recebeu orientação sobre as localidades onde a PF deveria atuar. “A gente foi informado, sim, que tinha algumas localidades especificamente, não sei se em função do número de eleitores ou pela cobertura da cidade, enfim. Houve sim, foi encaminhada uma sugestão de cidades para que fosse reforçado”, respondeu Almada.

O reforço, de acordo com ele, consistiria em mandar equipes ostensivas para essas localidades, “ir lá, ver no TRE, ou na polícia local, conseguir uma base e ficar lá aguardando as demandas”. “Houve uma relação de cidades. Eu não tenho, mas houve”, disse Almada no depoimento, comprometendo-se a procurar a lista e enviá-la aos responsáveis pelo inquérito.

Um dos focos da investigação é saber se uma planilha feita pela Diretoria de Inteligência do Ministério da Justiça serviu para orientar a PRF na montagem das blitzes em estradas. A planilha, feita entre o primeiro e o segundo turno, listava as cidades em que Lula e Bolsonaro tiveram mais de 75% dos votos na primeira etapa da votação.

Outro documento feito na gestão de Torres que também chamou a atenção dos investigadores é o planejamento operacional da PF e da PRF para as ações que seriam executadas em 30 de outubro. A ex-diretora de Inteligência do ministério Marília Alencar disse em seu depoimento que, a pedido de Torres, encaminhou a Almada, na véspera do segundo turno, esse planejamento elaborado pela direção da PF.

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