Bíblia, Bolsonaro, cotas...: confira as principais respostas de Dino e Gonet em sabatina no Senado
Indicados por Lula ao STF e à PGR foram questionados também sobre inquéritos envolvendo fake news e os atos de 8 de Janeiro, entre outros temas
Senadores governistas e de oposição perfilaram temas variados -- alguns previsíveis, outros nem tanto -- durante a sabatina da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, nesta quinta-feira, com os indicados ao Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, e à Procuradoria-Geral da República (PGR), Paulo Gonet.
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Dino e Gonet foram pressionados a responder, em especial pela bancada do PL, sobre investigações que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e militantes bolsonaristas. O indicado pelo presidente Lula (PT) à PGR também foi instado, pela bancada petista, a se posicionar sobre declarações alinhadas ao conservadorismo.
Dino, por sua vez, foi questionado sobre episódios que já haviam gerado embates com o bolsonarismo enquanto ministro da Justiça.
Veja a seguir as principais respostas de Dino e Gonet na sabatina:
1- Investigações envolvendo Bolsonaro
Logo no início da sabatina, o senador Rogério Marinho (PL-RN) questionou se Dino teria "isenção para julgar o (ex-)presidente Bolsonaro ou aqueles que têm uma questão ideológica com afinidade com o bolsonarismo". Marinho citou declarações anteriores de Dino, como uma fala do então governador do Maranhão à TVT, em 2021, na qual chamou Bolsonaro de "serial killer", em referência às mortes durante a pandemia da Covid-19.
Dino respondeu outras questões levantadas por Marinho, mas não se referiu à pergunta sobre um eventual impedimento em ações envolvendo o ex-presidente no Supremo.
Em outros momentos, questionado por senadores como Magno Malta (PL-ES) e Marcos Rogério (PL-RO) se agiria como "militante de esquerda" ou como magistrado, Dino declarou que saberia separar sua atuação política da futura atuação com ministro do Supremo.
Senadores bolsonaristas também pressionaram Gonet a explicar qual seria seu posicionamento sobre o inquérito das fake news, aberto pelo STF em 2019 e sob a relatoria de Alexandre de Moraes. Bolsonaro é um dos alvos do inquérito, cujas provas foram compartilhadas com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em ações de inelegibilidade do ex-presidente.
-- Parte desses inquéritos, segundo me consta, está em segredo de justiça. Quem atua nesse tipo de processo é o Procurador-Geral da República. Não me caberia buscar conhecer esse inquérito antes de ser nomeado pelo Presidente da República para o cargo - afirmou Gonet.
2- Urnas eletrônicas
Gonet e Dino também foram questionados sobre críticas às urnas eletrônicas. No caso do indicado à PGR, o senador Jorge Seif (PL-SC) classificou como "uma mácula na sua história" o fato de ter se manifestado, como vice-procurador-geral eleitoral, a favor da condenação de Bolsonaro "por falar mal da urna eletrônica".
No caso em questão, em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisou uma reunião do ex-presidente com embaixadores estrangeiros em 2021, Bolsonaro foi condenado a oito anos de inelegibilidade. Em resposta a Seif, Gonet afirmou que seu parecer pela condenação se deu "diante das circunstâncias que estavam no processo".
Em outro momento da sabatina, Gonet afirmou ter seguido a legislação ao considerar que ataques à urna eletrônica, como feitos por Bolsonaro, "estavam enquadrados na hipótese (...) com a consequência da inelegibilidade".
Dino, por sua vez, aproveitou a pergunta de Seif -- que mencionou críticas anteriores do ministro da Justiça às urnas eletrônicas -- para demarcar uma mudança em sua posição:
-- Sobre declarações relativas à urna eletrônica, no meu caso, são declarações de quase 15 anos atrás. Evidentemente, a urna eletrônica não é mais a mesma. Houve uma série de inovações tecnológicas, por exemplo a biometria, e tanto é que todos nós fomos eleitos por ela, inclusive o senhor - afirmou Dino.
3- Atos de 8 de janeiro
Dino foi questionado repetidas vezes por senadores sobre supostas falhas do governo federal durante os atos golpistas de 8 de janeiro -- tema que já havia sido explorado pela oposição ao governo Lula na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou os ataques.
O ministro da Justiça repetiu argumentos já usados em audiências anteriores no Congresso: de que o plano de segurança no entorno da Esplanada dos Ministérios era responsabilidade das forças de segurança do Distrito Federal, e que sua pasta, diferentemente do argumento usado por bolsonaristas, não negligenciou alertas emitidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
4 - Cotas raciais
Em um dos raros momentos em que a base de Lula pressionou algum dos indicados, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) pediu a Gonet que explicasse o que quis dizer em um artigo, escrito por ele no passado, no qual escreveu que "o sistema de cotas é capaz de engendrar injustiças inaceitáveis, política e juridicamente".
Ao responder, Gonet afirmou que considera cota o "instrumento mais drástico" de ação afirmativa do Estado, "que deve ser reservado para os casos mais relevantes". O indicado à PGR disse, no entanto, se favorável à cota para pessoas negras, "que vêm sofrendo uma discriminação historicamente".
Gonet também cobrou uma "abordagem técnica" para a adoção de cotas:
-- Para que haja cota, é preciso que haja, em primeiro lugar, um estabelecimento de um prazo para que essa cota tenha vigência. Por quê? Porque se o problema que a cota quer resolver já for solucionado ao longo do período, ela deixa de se justificar. E isso não é nenhuma novidade - justificou.
5 - Casamento homoafetivo
Gonet também foi instado pelo senador petista Fabiano Contarato a explicitar sua posição sobre o casamento homoafetivo, e inicialmente disse não ser contrário à criminalização da homofobia, mas apresentou ressalvas à tese jurídica de equiparação ao crime de racismo -- que foi adotada pelo Supremo em 2019.
Em um segundo momento, ao ser pressionado por Contarato a ser mais claro em sua posição, Gonet afirmou que se a legislação "admite união estável ou que seja o casamento entre pessoas do mesmo sexo, como jurista, é óbvio que tenho que admitir isso também".
-- Vou dar uma opinião pessoal. Eu acho que seria tremendamente injusto que duas pessoas que vivem em conjunto, que vivem juntas, que vivem como se fosse uma unidade familiar não tivessem nenhum reconhecimento desse fato; que, diante de uma separação, não tivessem nenhuma regração do Estado para protegê-los -- afirmou.
6 - Citações bíblicas
Dino, que é católico e buscou diminuir resistências entre a bancada evangélica no Senado, fez referências bíblicas em dois momentos da sabatina. No primeiro deles, em tom bem-humorado, o indicado ao STF corrigiu o senador Esperidião Amin (PP-SC), que citava um dos dez mandamentos:
-- Amai a todos. É o primeiro mandamento. Amai o próximo como a ti mesmo. E quem é o próximo é uma outra questão para discutir -- disse Amin, antes de ser interpelado por Dino:
-- É o segundo mandamento. O primeiro é "amar a Deus sobre todas as coisas" -- corrigiu o ministro da Justiça.
Amin, também de forma bem-humorada, rebateu que "o próprio Cristo resumiu" os dois mandamentos em uma só frase "quando precisou convencer um eleitor".
Em outro momento, ao ser interpelado pelo senador Magno Malta sobre suas "convicções", Dino voltou a recorrer à Bíblia:
-- Existe uma passagem na Carta de Tiago que a fé sem obras é morta. Então, mais do que falar de convicções, e as lastreio em obras práticas. Trinta e quatro anos de serviço público não são palavras ao vento - afirmou o ministro da Justiça.
-- Eu tenho três passagens muito importantes que eu vou apenas mencionar e pedir que o senhor leia: Êxodo 16, sobre o maná que cai do céu; Mateus 25, sobre os pequeninos; e Atos dos Apóstolos 4. Essas são passagens, assim, que iluminam, com toda a certeza, aquilo que eu sou, aquilo que eu sempre fui, aquilo que eu serei - completou Dino.
7 - Decisões monocráticas no Supremo
Questionado em diferentes momentos sobre decisões monocráticas do STF -- alvo de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada no Senado, e sob análise na Câmara --, Dino argumentou que uma lei aprovada "de forma colegiada" no Congresso não pode ser desfeita por parecer de um só ministro, "salvo situações excepcionalíssimas".
-- Quando houver, por exemplo, o risco de uma guerra, o risco de alguém morrer, o risco de não haver tempo hábil para, eficazmente, impedir a lesão a um direito. Salvo essa hipótese, este é um compromisso ético: independentemente de normas existentes de um lado e de outro, assim me conduzirei, repito, porque essa foi a minha prática como governador do meu estado, economizando nos vetos -- afirmou Dino.
O indicado ao STF argumentou que as decisões monocráticas "sempre fizeram e sempre farão parte do sistema judicial brasileiro", mas frisou ser contrário à derrubada de leis aprovadas por parlamentares através desse tipo de decisão.
8 - Liberdade de expressão
Gonet foi questionado por senadores bolsonaristas sobre como atuaria, na PGR, para assegurar a liberdade de expressão. Ele argumentou que a liberdade de expressão "não é plena", e que "pode e deve ser modulada de acordo com as circunstâncias".
Para exemplificar seu argumento, Gonet citou à atuação da Justiça Eleitoral para impedir a disseminação de conteúdos falsos sobre candidatos:
-- Certas afirmações, certas expressões relacionadas com um candidato às eleições podem, às vezes, ser reduzidas, ser impedidas de se manifestar, na medida em que não haja a possibilidade do retorno, a possibilidade do debate, a possibilidade da réplica -- argumentou.
Dino, que também respondeu sobre o tema, disse estar de acordo com Gonet. O ministro da Justiça argumentou que há uma "fronteira" entre liberdade de expressão e cometimento de crimes:
-- A liberdade de expressão não alberga, não protege calúnia; não protege ameaça à vida de crianças; não protege racismo -- afirmou.
9 - Visita a favela no Rio
Um dos questionamentos levantados por senadores de oposição a Dino foi sobre uma visita feita por ele, já como ministro da Justiça do governo Lula, ao Complexo da Maré, no Rio. Há presença de grupos armados do tráfico de drogas na região.
O senador Marcos Rogério (PL-RO), por exemplo, ironizou uma justificativa apresentada por Dino para não comparecer a uma audiência na Câmara, na qual o ministro da Justiça argumentou temer por sua integridade física.
-- Consegue identificar no olhar o grau de periculosidade de quem é de direita, bolsonarista, mas não conseguiu ver a mesma coisa quando foi ao Complexo da Maré -- afirmou Rogério.
Dino explicou que fez "um ingresso de 15 metros" na Maré, para atender a uma agenda de governo, e que, diferentemente das acusações imputadas por parlamentares bolsonaristas, estava acompanhado por forças de segurança.
-- Três dias antes foi comunicado à Polícia Rodoviária Federal, foi comunicado à Polícia Federal, foi comunicado à Polícia Civil do Rio de Janeiro, foi comunicado ao Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, foi comunicado à Polícia Militar do Rio de Janeiro, todos previamente, e todas essas instituições estavam presentes lá. Eu não sei também de onde tiraram essa história de que não havia segurança. Claro que eu não compareceria sem segurança -- afirmou.