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Joias de R$ 16,5 milhões

Bolsonaro encontrou embaixador saudita no mesmo dia em que ex-ministro trouxe joias de Michelle

Ex-presidente não acompanhou Bento Albuquerque durante agendas em Riad, mas participou de jantar com diplomatas árabes em Brasília em 25 de outubro de 2021

Bolsonaro com o embaixador da Árabia Saudita no Brasil à época, Ali Abdullah Bahittan, em 25 de outubro de 2021Bolsonaro com o embaixador da Árabia Saudita no Brasil à época, Ali Abdullah Bahittan, em 25 de outubro de 2021 - Foto: Alan Santos/PR

No dia 22 de outubro de 2021, o então ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, iniciava uma agenda de eventos oficiais em Riad, capital da Arábia Saudita. Por quatro dias, o almirante da Marinha representou o governo brasileiro em reuniões bilaterais, conferências sobre meio-ambiente e reuniões com a realeza saudita, como consta na agenda pública ainda disponível para consulta.

Em 25 de outubro, data em que os compromissos de Albuquerque no país árabe encerraram-se, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que não participou da viagem, encontrou o embaixador saudita em Brasília. Enquanto isso, o ex-ministro iniciava o retorno ao país, onde desembarcou um dia depois. Com ele, vieram joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, um presente da Arábia Saudita para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro, como revelou o jornal Estado de S. Paulo nesta sexta-feira. O mimo milionário, porém, acabou apreendido pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

Bolsonaro chegou ao almoço na Embaixada da Arábia Saudita acompanhado do filho, o senador Flávio Bolsonaro, e do ex-ministro das Relações Exteriores, Carlos França. Na residência de Ali Abdullah Bahittam, no Lago Sul, em Brasília, também estavam outros diplomatas de países do Oriente Médio membros do Conselho de Cooperação do Golfo.

Bolsonaro, Flávio e França permaneceram na embaixada saudita por aproximadamente uma hora e meia. Fotos ainda disponíveis no Flickr do Palácio do Planalto mostram o ex-presidente sorridente, sentado em uma cadeira ao lado do embaixador saudita. Bolsonaro e Flávio também surgem com o diplomata segurando o que parecem ser presentes, como uma caneta e trajes típicos.

Na ocasião, a participação no encontro não estava na agenda pública de Bolsonaro nem na do titular do Itamaraty. O Planalto também não divulgou o teor do que foi tratado durante o almoço com os embaixadores. À época, no entanto, o jornalista Guga Chacra, colunista do GLOBO, informou que um dos temas em pauta foi a cobrança de investimentos da ordem de 10 bilhões de dólares — cerca de R$ 52 bilhões — prometidos pelos sauditas no Brasil.

A viagem de Bento Albuquerque ao país árabe também começou, no dia 22 de outubro daquele ano, com um "almoço de trabalho", tal qual está na agenda, na companhia do príncipe Abdulaziz bin Salman Bin Abdulaziz Al-Saud, ministro de Energia do Reino da Arábia Saudita. No mesmo dia, à noite, ele encontrou o Embaixador brasileiro em Riad.

Nos dias seguintes, o titular das Minas e Energia participou da Saudi Green Intiative e da Middle East Green Initiative Summit, conferências voltadas para questões ambientais. Nesta última, uma das agendas, já no dia 25, foi com Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita, que há anos é o líder de fato do país, governado a mão de ferro e sob denúncias de diversas violações.

No voo de retorno ao Brasil, Marcos André dos Santos Soeiroa, assessor do então titular das Minas e Energia, trouxe na mochila um conjunto com colar, anel, relógio e brincos de diamante, além de um certificado de autenticidade da marca Chopard — a empresa suíça é uma das mais famosas (e caras) do ramo no mundo. Durante uma checagem de rotina feita por agentes da Receita, constatou-se que os itens não haviam sido declarados, o que motivou a apreensão. Ao saber que as joias estavam retidas, ainda de acordo com o Estado de S. Paulo, Albuquerque retornou à área da alfândega e tentou, ele próprio, retirar os itens, informando, neste momento, que se trataria de um presente pessoal dos sauditas para Michelle Bolsonaro.

Na noite desta sexta-feira, já depois de o caso vir à tona, Bento Albuquerque afirmou ao GLOBO que as peças "foram devidamente incorporadas ao acervo oficial brasileiro". Mais cedo, em entrevista ao Estadão — que publicou posteriormente o áudio com a declaração —, o ex-ministro havia dado outra versão sobre o episódio, confirmando que o conjunto era um presente para Michelle, mas que, ao chegar a São Paulo, ele desconhecia o que havia no pacote fechado. "Nenhum de nós sabia o que eram aquelas caixas", disse ao jornal.

— Eu, inclusive, enviei uma carta ao príncipe saudita dizendo que os presentes, devido a seu valor material, foram devidamente incorporados ao acervo oficial brasileiro, de acordo com a legislação nacional e o código de conduta da administração pública — garantiu o ex-ministro ao GLOBO, encerrando em seguida o contato de menos de um minuto, sem responder a novos pedidos de esclarecimento da reportagem.

Albuquerque não explicou, por exemplo, como ou por que, se os trâmites se deram dentro das normas previstas, as joias acabaram apreendidas pela Receita Federal — e com ela permanecem até hoje. O Estadão relata que, a partir dali, a gestão Bolsonaro tentou reaver o material em pelo menos quatro ocasiões, escalando na missão militares e diferentes ministérios.

Em 3 de novembro de 2021, coube ao Itamaraty de Carlos França — presente ao almoço na casa do embaixador saudita — exercer pressão sobre a Receita Federal na busca pelas joias. O Ministério das Relações Exteriores pediu ao órgão fiscal que tomasse as "providências necessárias para liberação dos bens retidos", mas a Receita retrucou que só seria possível fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe nestes casos, com quitação da multa e do imposto devidos. Em seguida, a própria chefia da Receita entrou em campo para liberar o material, mas os servidores do órgão mantiveram-se firmes.

Nessas situações, só é possível resgatar o item apreendido pagando um tributo equivalente a 50% do valor estimado do material. Além disso, também é cobrada uma multa de 25% sobre o valor cheio. No caso das joias para Michelle, portanto, a soma chegaria a aproximadamente R$ 12,3 milhões. O governo Bolsonaro também poderia ter informado oficialmente de antemão se tratar de um presente para Michelle ou para o casal, tal qual Albuquerque alega, agora, ter sido feito. Neste caso, não seria cobrado qualquer imposto, mas as joias seriam tratadas como propriedade do Estado brasileiro.

A tentativa derradeira de recuperar o mimo milionário dos sauditas veio nos últimos dias de Bolsonaro na Presidência da República, em 29 de dezembro — véspera da viagem do ex-chefe do Executivo para os Estados Unidos, onde ele permanece até hoje. Chefe da Ajudância de Ordens do presidente, o sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva seguiu para Guarulhos para "atender demandas" de Bolsonaro, conforme consta na solicitação de voo da Força Aérea Brasileira (FAB) descrita pelo Estadão.

"Não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar", argumentou o funcionário ao tentar convencer os fiscais alfandegários, conforme consta em relatos colhidos pelo jornal. Um dia antes, o próprio ex-presidente enviou um ofício à Receita comunicando a viagem do subalterno e cobrando a devolução das joias.

Na noite desta sexta-feira, pouco depois de a denúncia vir a público, Michelle Bolsonaro usou uma rede social para negar que seja dona das joias retidas pela Receita Federal. "Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein? Estou rindo da falta e cabimento dessa imprensa vexatória", postou no Instagram.

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