Bolsonaro leva ao limite sua campanha contra urnas eletrônicas
Ameaças veladas à realização das eleições presidenciais de 2022, segundo especialistas, prevê eventual derrota
O presidente Jair Bolsonaro há anos semeia dúvidas sobre a confiabilidade da urna eletrônica brasileira, mas ultimamente vem adicionando a seus discursos inflamados ameaças veladas à realização das eleições presidenciais de 2022, prevendo, segundo analistas, sua eventual derrota.
Cercado por uma investigação sobre sua caótica gestão da pandemia e com uma acentuada queda de popularidade, o presidente de extrema direita ataca há semanas as urnas eletrônicas usadas desde 1996, enquanto defende um "voto impresso e auditável" nas eleições de outubro de 2022.
Em 8 de julho, o ex-militar e ex-deputado de 66 anos levantou o tom: "Ou fazemos eleições limpas ou não temos eleições". Um dia depois, disse que entregaria a faixa presidencial "para quem ganhar no voto auditável e confiável".
Esta semana, ele sugeriu que, se o Congresso não aprovar uma emenda constitucional para incluir o voto impresso, poderia não se candidatar. Antes, havia dito que pediria uma recontagem pública dos votos.
"Os comentários sobre o sistema eleitoral fazem parte de uma estratégia para erodir a confiança pública no sistema eleitoral e facilitar uma possível contestação, se o Bolsonaro não conseguir vencer", disse Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), à AFP.
A popularidade de Bolsonaro caiu para 24% este mês, o mínimo desde que chegou ao poder em 2019, e as pesquisas indicam que seria derrotado por uma larga margem pelo ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).
"Esse é o pior momento do governo. Tem uma situação que é muito difícil de administrar. Bolsonaro precisa gerar alguma confusão com o sistema político e com as instituiçoes sempre que possível, porque isso é o que traciona e mantém coesa a base", avaliou Creomar da Souza, da consultoria Dharma.
O presidente costuma afirmar, sem provas, que, se não houvesse fraude, teria vencido as eleições de 2018 no primeiro turno e que a vitória de Dilma Rousseff em 2014 também foi por meio de fraude.
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- Uma retórica "golpista"
A oposição e grande parte da imprensa viram intenções "golpistas" nas declarações de Bolsonaro, um nostálgico da ditadura militar (1964-1985), que colocou muitos militares em postos importantes e que, em muitas ocasiões, insinuou que o Exército poderia ter um papel político maior.
Essas posturas também renderam a ele atritos com aliados políticos no Congresso e com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro Luís Roberto Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), garantiu que a urna eletrônica é segura e alertou que incorporar um voto impresso exporia o processo aos riscos de manipulação do passado.
Eleito pelo menos seis vezes em sua carreira com as urnas eletrônicas, Bolsonaro chamou Barroso de "idiota".
Outra frente foi aberta este mês, quando o ministro da Defesa e os comandantes da Marinha, do Exército e da Força Aérea advertiram que "não aceitarão qualquer ataque leviano".
A reação deveu-se a uma declaração do senador Omar Aziz, presidente da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investiga os erros do Bolsonaro diante da pandemia, que apontou que um "lado podre das Forças Armadas" poderia estar se beneficiando de atos de corrupção nas negociações de compra de vacinas.
- O roteiro Trump -
Um admirador do agora ex-presidente americano Donald Trump, Bolsonaro chegou a dizer que, se o voto impresso não for introduzido, pode acontecer no Brasil "algo pior" do que nos Estados Unidos, onde partidários do republicano invadiram o Congresso para denunciar uma suposta fraude em sua derrota eleitoral contra o democrata Joe Biden.
Para Stuenkel, essa estratégia pode servir a Bolsonaro, mesmo que ele perca as eleições, para "se manter relevante nos olhos dos seguidores mais leais, algo que a gente vê no caso de Trump".
Para Souza, a aposta de Bolsonaro é ousada, pois pode colocar em risco sua aliança com o Centrão.
"Ele vai tentar jogar no limite entre não gerar dificuldade com a base de apoio no Congresso, que é o Centrão, e, de outro lado, manter a capacidade de dialogar com o governo, dizendo que não tem corrupção e que tudo é uma espécie de conspiração", explicou o analista.
"Bolsonaro está tentando se colocar agora para seus eleitores de base como uma espécie de mártir, o homem que está sendo perseguido pelo sistema", acrescentou.