Bolsonaro sanciona lei que abre caminho para pedágio por quilômetro
A cobrança de pedágio proporcional ao trecho percorrido já é realidade em locais como Estados Unidos e parte da Europa
O presidente Jair Bolsonaro sancionou na terça-feira (1º) lei que abre caminho para ampla alteração do sistema de pedágios em rodovias do país, com cobrança de valores proporcionais à quilometragem percorrida por motoristas.
Na visão de analistas e empresários, o novo modelo pode gerar justiça tarifária, já que os usuários pagariam pelo trecho realmente usado nas estradas sob concessão. Entretanto, ainda há pontos que despertam dúvidas e dependem de análise e regulamentação.
O texto foi aprovado pelo Senado em março e recebeu aval da Câmara dos Deputados em maio. A regulamentação estava prevista para até 180 dias após a sanção presidencial. Bolsonaro, entretanto, alegou independência dos Poderes e vetou esse trecho.
O modelo proposto é conhecido como "free-flow" (fluxo livre, em inglês). A cobrança de pedágio proporcional ao trecho percorrido já é realidade em locais como Estados Unidos e parte da Europa. No Brasil, os usuários pagam tarifas fixas atualmente, de acordo com as categorias de veículos (carros, motos ou caminhões, por exemplo).
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No modelo de fluxo livre, os valores seriam menores para quem percorre trechos curtos e maiores para aqueles que se deslocam por trajetos longos. A cobrança proporcional exigiria adaptações tecnológicas em estradas do país, porque ocorre de maneira eletrônica, sem as tradicionais cabines e cancelas de pedágio.
A ABCR (Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias) elogia a ideia. Na visão do diretor-executivo da entidade, José Carlos Cassaniga, o texto corrige "distorções" do modelo atual. Entre elas, está o caso de usuários que utilizam trechos curtos de uma rodovia e precisam desembolsar a mesma quantia que aqueles com deslocamentos maiores.
Além disso, afirma o dirigente, há estradas em que cerca de 80% dos motoristas não cruzam praças de pedágio. Com a cobrança por quilometragem, a aposta é de aumento na base de pagantes. Isso pode reduzir a tarifa para a maior parte dos usuários que já pagam as tarifas, projeta Cassaniga.
"É uma mudança importante. Para a grande maioria dos usuários, haverá uma percepção de redução na tarifa, já que o sistema atual é diferente e resulta em tarifas iguais. Tendo mais pagantes, é possível que se pague menos", estima.
Ao eliminar a necessidade das praças tradicionais, o modelo de fluxo livre se ampara em diferentes equipamentos para fazer a cobrança proporcional. Contudo, os sistemas que serão usados no país para o controle de veículos em rodovias e a forma de pagamento das tarifas ainda precisam ser regulamentados.
Caberá ao Contran (Conselho Nacional de Trânsito) estabelecer os meios técnicos para possibilitar a contagem dos quilômetros rodados.
A definição é considerada crucial para garantir a viabilidade do sistema e evitar riscos de inadimplência, segundo analistas.
No modelo de fluxo livre, pórticos nas entradas e saídas de estradas podem ser utilizados para a identificação dos veículos. As estruturas podem conter tanto sistemas de RFID (identificação por radiofrequência) quanto de OCR (reconhecimento óptico de caracteres).
A leitura por RFID é feita com a combinação entre sensores instalados nos pórticos e tags (adesivos reconhecidos eletronicamente) nos veículos. O OCR, por sua vez, funciona por meio de câmeras fixas que leem as placas.
Para o economista Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, a proposta gera "equidade" na cobrança de tarifas para os usuários. O analista vê possibilidade de redução nos valores de pedágio, mas pondera que é preciso aguardar a modelagem de cada concessão.
"É uma legislação correta. As pessoas pagam pelo trecho que usam na rodovia. A tecnologia já existe em outros países. Terá de ser adaptada", pontua.
A expectativa é que novas concessões já sejam desenhadas com o modelo de "free-flow". Nos contratos antigos, será preciso avaliar caso a caso para saber se a mudança será possível, diz Cassaniga.
"As concessionárias estudam essa metodologia há um bom tempo", comenta.
Frischtak considera que a eventual mudança em contratos já existentes é mais complexa, porque exigiria "reequilíbrio" nos termos que estão em vigor.
"Novas concessões vão ter a modelagem nesse sentido [com tarifa por trecho rodado]. Para o que já foi licitado, a questão não é tão simples. Não é algo do dia para a noite", afirma.
O texto sancionado por Bolsonaro é um substitutivo de projeto que havia sido aprovado pela Câmara em 2013. A proposta inicial buscava a isenção de tarifas para moradores de municípios com praças de pedágio.
No Senado, o projeto passou por mudanças, com a inclusão do sistema de cobrança proporcional. Por isso, teve de ser analisado novamente na Câmara.
A CNT (Confederação Nacional do Transporte) é uma das entidades que apoiam o "free-flow".
"É um projeto bastante positivo, apesar de que ainda é preciso aguardar a regulamentação", destaca o presidente da CNT, Vander Costa.
Mesmo em trajetos longos, há possibilidade de redução de gastos de transportadores com pedágios, acredita o dirigente. A projeção, diz ele, está ancorada no possível aumento da base de pagantes.
"Quando todo o mundo paga, todos pagam menos", menciona Costa.
A CCR, que administra 3.900 quilômetros de estradas concedidas em seis estados, afirma que a nova modalidade significa "justiça tarifária". A empresa também fala em economia para os usuários.
"O sistema representará justiça tarifária quando implementado em sua plenitude. O sistema permitirá a cobrança de uma tarifa menor para cada um dos clientes e irá viabilizar cobrança proporcional, que reflete a distância percorrida na rodovia", diz a CCR em nota.
No último dia 25, o Ministério da Infraestrutura e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) iniciaram estudos para concessão de 1.600 quilômetros de rodovias federais em cinco estados -Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará e Goiás.
Os leilões devem ocorrer entre o segundo semestre de 2022 e o primeiro de 2023. A previsão é de investimentos na casa de R$ 9,6 bilhões.