Bolsonaro volta a reclamar da falta de informações de inteligência
GSI tem orientado Abin a dar maior agilidade nas informações e cogita repassar informes que não estão totalmente confirmados
O presidente Jair Bolsonaro voltou a demonstrar irritação com a falta de informações de inteligência. O incômodo ficou explícito em uma reunião ministerial realizada no Palácio do Planalto, segundo pessoas que participaram do encontro. O objetivo inicial do evento era discutir o alinhamento para a campanha à reeleição, mas Bolsonaro dedicou boa parte do tempo a atacar o processo eleitoral.
As reclamações mais recorrentes do presidente são as de que os órgãos de inteligência não são ágeis em antecipar informações e muitas vezes pouco eficientes em confirmar dados que chegam ao presidente. Segundo pessoas próximas, Bolsonaro exige receber relatos estratégicos de forma instantânea, quase na mesma velocidade que recebe boatos em seu WhatsApp.
Um exemplo do motivo da irritação de Bolsonaro ocorreu recentemente. Um aliado do presidente pediu a um membro do governo que acionasse a área de inteligência para levantar informações sobre o paradeiro do empresário Carlos Alberto Bettoni, apoiador de Bolsonaro que, em 2018, foi empurrado contra um caminhão por ex-vereador Manoel Eduardo Marinho, o "Maninho do PT", em frente ao Instituto Lula, em São Paulo.
A solicitação foi feita logo após o ex-presidente Lula fazer uma declaração em que agradeceu o aliado por defendê-lo e ficou preso por sete meses.
Leia também
• Bolsonaro diz que André Mendonça é um "freio" colocado no STF
• Com PEC aprovada, governo corre para pagar benefícios a tempo de Bolsonaro colher efeito eleitoral
• Bolsonaro minimiza trocas na presidência da Petrobras
Como resposta, o aliado do presidente recebeu a informação de que o Bettoni estava bem. Depois, assessores do presidente descobriram, por conta própria, que o homem havia morrido vítima de Covid-19 em dezembro do ano passado, episódio que passou a ser explorado pela rede de apoiadores do presidente para desviar o foco do petista assassinado por um bolsonarista em Foz do Iguaçu, no Paraná.
O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) tem orientado a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) a dar maior agilidade nas informações. Em entrevista no início deste mês ao GLOBO, o atual chefe da Abin, Victor Felismino Carneiro, afirmou que ao assumir o cargo, em abril, recebeu de Heleno uma orientação de continuar otimizando a "velocidade das mensagens dos relatórios, devido à demanda", feita muitas vezes pelo presidente.
Para atender as cobranças do presidente, segundo relatos, também está sendo analisada a possibilidade de compartilhar alguns informes, que são relatos não totalmente confirmados, mas que tenham o mínimo de consistência ou confiabilidade da fonte. A mudança neste procedimento, porém, é considerada internamente um risco porque podem embasar decisões da Presidência, segundo um integrante da área de inteligência.
Integrantes do governo dizem concordar em parte com críticas feitas por Bolsonaro, mas tentam explicar que os relatos que ele recebe da “inteligência paralela” que atua no WhatsApp não têm o mesmo rigor e compromisso de verificar os fatos.
Procurado, o GSI informou que não se manifesta sobre assuntos relacionados com a Inteligência de Estado. Já a Abin informou por meio de nota que realiza assessoramento oportuno à Presidência da República com vistas “à redução de incertezas diante da necessidade de decidir” e que compete a ela “contribuir com as autoridades constituídas, fornecendo-lhes informações oportunas, abrangentes e confiáveis, necessárias ao exercício de processo decisório setoriais.”
A agência ainda acrescentou que "vem sendo seguidamente demandada por esses atores, inclusive pela Presidência da República, acerca do risco de desabastecimento e forças que incidem no preço de combustível e fertilizantes, uma realidade atual decorrente do conflito na Ucrânia, que traz consequências para o Brasil, tanto no panorama externo quanto interno”.
Insatisfação antiga
Essa não é a primeira vez que o presidente Bolsonaro reclama de não receber informações do serviço de inteligência. A crítica já havia sido feita durante a reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cuja gravação foi tornada pública por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito que apurava a acusação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que o presidente tentava interferir na Polícia Federal. Naquela ocasião, Bolsonaro disse que tinha um “sistema particular de informação”.
— Sistemas de informações, o meu funciona. O meu particular funciona. Os que têm oficialmente, desinforma. E voltando ao tema prefiro não ter informação a ser desinformado em cima de informações que eu tenho — disse o presidente naquela época.
Depois, ao ser questionado o que era esse sistema particular, o presidente falou se tratar de "um grupo tem uma pessoa da imprensa, policiais e militares". Esse núcleo atua de maneira informal enviado mensagens para Bolsonaro com denúncias de desvios de recursos e acusações contra adversários políticos.
Bolsonaro sempre deu muita atenção ao tema da inteligência. Em 2019, na posse do então diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, o presidente lembrou que produzia relatórios de informação quando servia no Exército na cidade de Nioaque (MS).
— A gente precisa da informação para que não seja surpreendido. Nós temos que ter a capacidade de se antecipar a problemas e, mais ainda, a informação bruta, mais precisa, para que a gente possa tomar boas decisões — discurso Bolsonaro naquela ocasião.
Como o Globo mostrou, o núcleo de campanha também tem tentado neutralizar “as más influências do zap”, ou seja, reduzir a influência de aliados mais radicais sobre ele. Essa ala de bolsonaristas tem por hábito se comunicar por meio do aplicativo WhatsApp, torpedeando o presidente com mensagens desde a madrugada. Por vezes, segundo membros da campanha, esse material pauta declarações de Bolsonaro.
Com isso, as orientações repassadas pelo núcleo político acabam sendo preteridas em detrimento do conteúdo enviado pela turma do WhatsApp, que estimula Bolsonaro a centrar fogo em temas que, de acordo com pesquisas internas, não lhe rendem votos como ataques, sem provas, às urnas eletrônicas e aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para neutralizar os efeitos da suposta má influência, integrantes do grupo da campanha com mais trânsito com o presidente planejam se revezar logo cedo no Palácio da Alvorada para repassar as estratégias, análises de cenários e propostas de discursos. Há um receio de que falas ácidas de Bolsonaro desencadeiem crises e ruídos durante o período eleitoral.