De "não recebi" a "presente personalíssimo": as versões de Bolsonaro sobre as joias investigadas
Ex-presidente foi indiciado pela Polícia Federal em inquérito relativo à venda de presentes recebidos em viagens oficiais
Durante as investigações da Polícia Federal sobre a venda e recompra de presentes recebidos durante viagens oficiais ao exterior, o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados mudaram as versões apresentadas. Nesta quinta-feira, o ex-mandatário e outras 11 pessoas foram indiciadas pela corporação.
Ele já disse que seus assessores tinham “autonomia” para agir durante o exercício de seu cargo no Palácio do Planalto. Em outras ocasiões, negou que tivesse pedido ou recebido qualquer dos itens. Chamado a prestar depoimento, optou por ficar em silêncio diante dos agentes da corporação.
De acordo com a PF, auxiliares de Bolsonaro, indiciado nesta quinta-feira, venderam ou tentaram comercializar, com o seu conhecimento, ao menos quatro presentes de alto valor recebidos por ele em viagens oficiais ao exterior, sendo dois entregues pela Arábia Saudita e dois pelo Bahrein.
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No inquérito, a PF aponta a existência de uma organização criminosa no entorno do ex-presidente que atuou para desviar joias, relógios, esculturas e outros itens de luxo recebidos por ele como representante do Estado brasileiro. Entre os presentes negociados estão relógios das marcas Rolex e Patek Philippe, para a empresa Precision Watches, no valor total de US$ 68 mil, o que corresponde na cotação da época a R$ 346.983,60.
Logo depois de o caso vir à tona, em março, Bolsonaro afirmou ao canal CNN Brasil que "não pediu, nem recebeu" os presentes. Inicialmente, foi apontado que o governo passado tentou trazer para o Brasil, de forma ilegal, um conjunto de colar e brincos recebidos do governo da Arábia Saudita, avaliado em cerca de R$ 16,1 milhões.
— Estou sendo acusado de um presente que eu não pedi, nem recebi. Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade — afirmou Bolsonaro à época.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, saiu em defesa do pai logo após a revelação do caso, afirmando que as joias da marca suíça Chopard foram incorporadas ao seu acervo pessoal por terem caráter "personalíssimo":
— Na minha opinião, (a caixa de joias) é personalíssima, independentemente do valor. O TCU está tendo esse entendimento agora. A Comissão de Ética falou que não tinha problema. Foi seguindo o que foi sendo pedido. Não tem nenhum dolo da parte dele, de maldade, ou ato de corrupção. Zero.
A defesa do ex-presidente, após ter se oferecido para fazer a devolução dos conjuntos de joias, afirmou que Bolsonaro "em momento algum pretende locupletar-se ou ter para si bens que pudessem, de qualquer forma, serem havidos como públicos".
O posicionamento foi apresentado pouco depois de o Tribunal de Contas da União (TCU) determinar que o segundo pacote de joias presenteadas por autoridades sauditas fosse devolvido à Presidência.
As investigações da PF, porém, já apontaram que presentes chegaram a ser colocados à venda em um leilão, em fevereiro deste ano, com valor estimado entre US$ 120 mil e US$ 140 mil.
Quando voltou ao Brasil, no final de março, Bolsonaro afirmou que os presentes não entraram "escondidos" no país. A declaração foi dada no aeroporto de Orlando, nos Estados Unidos, para onde ele havia viajado ainda no fim do mandato:
— Não sei por que esse escândalo todo. Vamos em frente. Nada foi extraviado, nada sumiu. Nada foi escondido. Ninguém vendeu nada. Acho que a questão desses três pacotes [de joias] está resolvida. Se eu tivesse pego escondido, ninguém teria conhecimento.
Pouco tempo depois, em abril, o ex-presidente disse à PF que teve conhecimento do conjunto de joias apreendidas no Aeroporto de Guarulhos apenas em dezembro do ano passado, duas semanas após o ocorrido. Aos investigadores, informou que buscou informações sobre o caso para evitar um "vexame diplomático" e um "constrangimento internacional" caso os itens fossem leiloados.
— Um presente de chefe de Estado dado ao governo brasileiro jamais poderia ir a leilão por inação de quem quer que seja — explicou o advogado e ex-ministro Fábio Wajngarten, na ocasião.
Primeiro filho do ex-presidente a se pronunciar sobre operação da PF sobre a compra e venda de joias recebidas por Bolsonaro enquanto esteve na Presidência, desencadeada no início de agosto, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) afirmou que o pai cumpriu "todas as recomendações" do TCU no caso.
Posteriormente, o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno, que representa o ex-presidente no caso das joias, negou que ele tenha recebido qualquer valor referente à venda de um relógio Rolex. A defesa do ex-ajudante de ordens Mauro Cid havia alegado que o montante teria sido entregue a Bolsonaro ou à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
— O Cid evidentemente tem muita autonomia. Imagina a quantidade de demandas que chegam a ele e que ele tem que resolver sem o presidente da República. O presidente Bolsonaro nunca recebeu nenhum valor em espécie do Cid referente à venda de nada — disse o advogado.
Na ocasião, o próprio Bolsonaro voltou a comentar o caso, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo:
— Ele (Cid) tinha autonomia. Não mandei ninguém fazer nada. (...) Eu quero clarear o mais rápido possível.
Em agosto, Bolsonaro e Michelle se calaram quando foram prestar depoimento no inquérito, na sede da PF.
Procuradas, as defesas de Jair Bolsonaro, Bento Albuquerque, Marcelo da Silva Vieira, Marcos André dos Santos Soeiro, Osmar Crivelati e Marcelo Costa Câmara não responderam aos contatos da reportagem. O advogado responsável pela defesa de Mauro Cid e de seu pai, Mauro César Lourena Cid, afirma que ainda não teve acesso ao relatório.
Por meio de nota publicada na rede social X (antigo Twitter), Fabio Wajngarten alegou que atuou como advogado e que, por isso, o seu indiciamento é uma “afronta legal”. Ele disse, ainda, que a ação é “arbitrária, injusta e persecutória”.
Também indiciado pela PF, Frederik Wassef afirma que não foi Bolsonaro e nem Cid que pediram para que ele comprasse o Rolex. José Roberto Bueno Junior negou a participação em crimes e disse não ter sido informado sobre o indiciamento.
A defesa de Julio Cesar Vieira Gomes disse não ter tido acesso ainda ao relatório da PF, mas nega a prática de qualquer crime por parte do auditor da Receita Federal.