Entrega de joias na sede do PL e envelopes a Bolsonaro: o que assessor disse à PF em depoimento
Auxiliar de ex-presidente contou o que sabia sobre a movimentação de bens
O assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) Osmar Crivelatti afirmou em depoimento à Polícia Federal (PF) que entregou kit de joias que pertencia ao acervo presidencial, chamado de "kit ouro branco", a outro então assessor de Bolsonaro na sede do Partido Liberal, em Brasília, no dia 3 de abril do ano passado.
O relato coincide com a fase da mobilização de aliados do ex-presidente para a devolução de parte de bens desviados, após a repercussão negativa do caso.
O kit em questão foi presenteado a Bolsonaro na condição de Presidente da República em outubro de 2019, na Arábia Saudita.
O depoimento é de agosto do ano passado, mas só foi tornado público agora, com o indiciamento, pela Polícia Federal, de Bolsonaro, Crivelatti e outras 10 pessoas por desvio de itens de luxo do acervo presidencial.
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Crivelatti, que continua no cargo de assessor do ex-presidente, afirmou que inicialmente recebeu o kit incompleto, sem o relógio da marca Rolex, do tenente-coronel Mauro Cid no fim de março. Na ocasião, ele diz que apenas guardou o kit por orientação de Marcelo Câmara, outro ex-assessor de Bolsonaro.
Dias depois, no dia 2 de abril, Crivelatti conta que foi buscar Cid no aeroporto e que, ao deixá-lo em casa, o tenente-coronel entregou o Rolex. Câmara deixou o cargo de assessor do ex-presidente em outubro do ano passado.
"(Crivelatti) pegou o relógio Rolex e levou para sua residência para junto dos demais itens do kit de ouro branco; que como havia determinação do TCU [Tribunal de Contas da União] para que os itens fossem entregues em uma agência da Caixa Econômica Federal no dia seguinte, o declarante levou o kit de ouro branco completo para o escritório do partido PL, para a sala da assessoria do ex-presidente; que na sala o declarante entregou tudo para o coronel Câmara que, por sua vez, juntamente com um advogado, levou o kit para a agência da Caixa Econômica Federal no dia seguinte”, afirmou.
Em outro depoimento concedido em março deste ano, Crivelatti falou sobre as esculturas douradas de um barco e de uma palmeira que também foram entregues a Bolsonaro em uma viagem oficial. O militar afirmou que também levou as esculturas à sede do PL. O tenente-coronel Mauro Cid tentou vender as esculturas, mas não conseguiu porque elas não eram de ouro, segundo a investigação.
Conforme Crivelatti, foi o general Mauro Lourena Cid, pai de Cid, que lhe entregou as esculturas em maio do ano passado. Na ocasião, segundo o depoente, os dois se encontraram em um restaurante em Brasília depois que o general o ligou dizendo que precisava entregar alguns bens “que seriam de propriedade do ex-presidente”.
O assessor, então, afirmou que no mesmo dia levou as esculturas à sala da assessoria de Bolsonaro na sede do PL. No local, ele e Câmara consultaram o sistema que registra o acervo privado do ex-presidente e constataram que os objetos não estavam registrados. Crivelatti conta que levou as esculturas à fazenda Piquet, uma propriedade do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, “deixando o material junto com os itens do acervo privado do ex-presidente”.
Em nota, o PL afirmou que "não tem conhecimento sobre qualquer kit de joias que tenha sido supostamente levado à sede do Partido".
"Reiteramos nosso compromisso com a transparência e a ética, e estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários. Temos também total confiança na honestidade do Presidente Bolsonaro e estamos certos de que a sua inocência prevalecerá", ressaltou.
Envelopes
Crivelatti também disse que entregou ao ex-presidente envelopes brancos repassados pelo tenente-coronel Mauro Cid. O militar afirmou à polícia que não olhou o conteúdo dos envelopes entregues ao ex-presidente em duas oportunidades, mas disse que sentiu que “envolvia um volume” e não se tratava apenas de um pedaço de papel.
Em depoimento à PF, o general Mauro Lourena disse ter entregue a Bolsonaro US$ 68 mil que foram adquiridos com a venda de relógios recebidos pela Presidência. Segundo Lourena, os repasses a Bolsonaro foram feitos "de forma fracionada".
O advogado de Osmar Crivelatti, Flávio Raupp, afirmou que está analisando o que foi tornado público e frisou que, desde que assumiu a defesa do militar, ele contribuiu para esclarecer os fatos.
– O próprio Cid (...) declarou que o Crivelatti somente tomou conhecimento dos fatos no momento de resolver a bobagem que fizeram, vender o acervo privado, sem consulta à União – disse.
Já o advogado de Câmara, Eduardo Kuntz, ressaltou que "recebeu com profunda consternação e surpresa a informação" de que o militar foi indiciado pela PF. "Todas as ações realizadas pelo coronel, enquanto exercia a função de assessor do ex-chefe do Poder Executivo e responsável pelo acervo presidencial, foram realizadas no sentido de manter total zelo e cuidado com referidos documentos, nos termos da legislação em vigor, sendo incompreensível a sua inclusão nesta investigação", pontuou.