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"Boric virou uma pedra no sapato de Lula", diz cientista política chilena

Para Paulina Astroza, ao "demonstrar autonomia", presidente do Chile tem irritado a "esquerda latino-americana mais antiga"

Boric e Lula, durante encontro bilateral em BrasíliaBoric e Lula, durante encontro bilateral em Brasília - Foto: Evaristo Sá/AFP

Quando o assunto é a invasão russa da Ucrânia, Venezuela ou Nicarágua, o presidente do Chile, Gabriel Boric, virou uma "pedra no sapato" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de outros líderes da esquerda latino-americana "mais antiga, e em alguns casos mais radical".

A afirmação é da cientista política, socióloga e advogada chilena Paulina Astroza, professora de Direito Internacional e Relações Internacionais da Universidade de Concepción, ao analisar as declarações feitas na manhã desta quarta-feira por Lula sobre Boric, em Bruxelas.

Ao ser perguntado sobre a posição claramente pró-Ucrânia expressada pelo chefe de Estado chileno na III Cúpula de presidentes da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia (UE), Lula afirmou que Boric estava “apressado” e era “sequioso”. O presidente do Chile buscava influenciar governos da região que evitam uma condenação contundente à Rússia na guerra que já dura 18 meses.

— Boric está demonstrando autonomia, inclusive em relação ao Partido Comunista chileno, que integra sua coalizão de governo, e suas posições causam problemas a Lula e a outros governos de esquerda da região. Não existe uma onda rosa na América Latina, (mas) há nuances — disse Astroza em entrevista ao GLOBO. Os principais trechos seguem abaixo:

As declarações de Boric parecem incomodar Lula…
Sim, assim parece. O interessante é que, ao comentar o que Boric disse, Lula fala sobre a juventude do chileno, sua suposta falta de experiência. Ou seja, o presidente do Brasil não questiona o conteúdo da fala de Boric, ataca suas características pessoais. Isso demonstra, a meu ver, que as posições de Boric estão causando ruído na esquerda latino-americana mais antiga, incomodam líderes como Lula, que gostariam que Boric tivesse aderido a suas posições, e não optado por um caminho próprio.

 

Boric virou uma pedra no sapato de Lula?
Definitivamente, e não apenas por suas posições sobre a guerra, mas também pelo que pensa e diz sobre Venezuela e Nicarágua. Boric, sendo um presidente de esquerda, questionou as falas de Lula sobre a Venezuela, na Cúpula de chefes de Estado sul-americanos, em Brasília. Outros presidentes de direita também se pronunciaram, mas Boric foi o único de esquerda a fazê-lo. O Chile tem um problema sério com o fluxo de imigrantes venezuelanos que conseguem escapar do regime de (Nicolás) Maduro. E Boric fala abertamente sobre violações dos direitos humanos, e o mesmo na Nicarágua. Suas posições estão fundamentadas no direito internacional, na Carta das Nações Unidas. Boric tem uma visão mais consequente que Lula sobre questões como violações dos direitos humanos e a guerra na Ucrânia. Outros países acham que, em relação à guerra, não temos de nos meter, que não nos afeta. Mas é claro que nos afeta! Boric é valente, porque sabendo que a China apoia a Rússia, e que nosso país depende muito da China, se posiciona. Na Europa, está ficando claro que não existe uma onda rosa na América Latina, há nuances.

A senhora ficou surpresa pelos posicionamentos expressados por Boric na cúpula Celac-UE?
Não, nem um pouco. Boric tem sido coerente em suas posições sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia. Ele teve reuniões com (o presidente) Volodymyr Zelensky. E o Congresso foi um dos poucos na região também manteve contatos com o chefe de Estado ucraniano. Isso causou problemas internos entre Boric e seus sócios do Partido Comunista, que se retiraram da sala na hora da conversa com o presidente da Ucrânia. Boric já tuitou seus contatos com Zelensky, e nossas votações nas Nações Unidas foram todas de firme condenação à invasão da Rússia, e às anexações de territórios ucranianos.

A esquerda latino-americana mais antiga esperava ter em Boric um aliado, e, em alguns casos, isso não aconteceu...
Sim, Boric é uma nova esquerda que não está se alinhando em tudo com a velha. Apesar de ter problemas internos em sua coalizão de governo, o presidente é coerente, como foi quando, sozinho, apoiou o projeto de uma nova Constituição no país. Ele se descolou do Partido Comunista, como agora se descola de Lula, entre outros. Boric tem convicções democráticas muito fortes, que o aproximam da social-democracia e o afastam de uma esquerda mais radical.

A senhora considera que Lula está adotando posições mais próximas de uma esquerda radical?
Bom, pelo menos mais radical do que os dois primeiros governos Lula.

Em alguns pontos, como as críticas à aplicação de sanções à Rússia e o envio de armas à Ucrânia, Boric concorda com Lula...

Sim, o Chile também se negou a enviar armas para a Ucrânia, apesar de um pedido explícito do governo alemão. E também questionou as sanções, por considerar que não são o melhor caminho, e terminam afetando mais o povo do que os regimes.

Quais são as maiores diferenças entre Lula e Boric?
Lula deseja ter um papel de mediador no conflito entre Rússia e Ucrânia, por isso é mais dúbio em suas posições. Mas um mediador deve ser imparcial, e as declarações de Lula dos últimos tempos o afastam d possibilidade de participar de uma mediação. Não se pode mediar com um discurso anti-ocidental.

Boric trocou seu chanceler este ano. O novo ministro das Relações Exteriores, Alberto Van Klaveren, alterou a política externa do governo chileno?
O novo chanceler é um especialista em relações internacionais, um acadêmico de longa trajetória, com experiência na chanceleria, moderado e não impulsivo. Ele trouxe experiência e conhecimento ao governo, e sua gestão tem sido muito bem avaliada. A combinação de Van Klaveren com Boric é muito interessante.

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