'Capitã cloroquina' disse que enviou perguntas para governistas da CPI fazerem a ela
Vídeo com a conversa foi obtido pela CPI na quebra de sigilo da servidora
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A secretária da Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, afirmou ter enviado a senadores governistas da CPI da Covid perguntas para que eles fizessem a ela durante o depoimento que prestou à comissão.
"Eles jogam para eu fazer o gol", resumiu a servidora, conhecida como "capitã cloroquina", em uma conversa em que ela se preparava para o depoimento, dado em 25 de maio.
Vídeo com a conversa foi obtido pela CPI na quebra de sigilo da servidora. O link para a conversa estava em sua caixa de email.
"A gente tem um grupo que nos apoia, que acredita no nosso trabalho. Esse grupo tem que fazer perguntas, no direito que eles têm de interrogar o depoente, que nos ajudem no nosso discurso. Então, que perguntas eu posso dar para esses senadores fazerem a mim. Entendeu? Eles jogam para eu fazer o gol. Eles chutam para eu fazer o gol", disse Mayra a um epidemiologista que participou da conversa.
Ela afirmou ainda que já havia enviado dez perguntas aos senadores governistas. Entre outras, afirma ter pedido para que eles fizessem perguntas sobre sua formação, as atividades que desempenhou no Ministério da Saúde e os esforços da sua secretaria no enfrentamento à Covid-19.
"São cinco senadores que vão jogar com a gente. Eu preciso dar perguntas a eles para eles interrogarem, cuja resposta seja a oportunidade de eu falar. Certo? Faz o que o senhor achar que pode. A gente tem cinco senadores, cada um tem 15 minutos para me perguntar o que eles quiserem. Então a gente tem 15 minutos vezes 5."
O link da gravação aparece em um email encaminhado a Mayra pelo epidemiologista Regis Bruni Andriolo, –que defende o chamado tratamento precoce, descartado pela comunidade científica–, dias antes do depoimento dela.
No vídeo aparecem Mayra Pinheiro, o epidemiologista e Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. A intenção declarada por eles era organizar as publicações científicas a favor do tratamento precoce para que Mayra os usasse no depoimento.
"Qual é a bala de prata que eu posso levar estampada num cartaz para dizer aos senadores: 'Está aqui a prova estatística que tenho até hoje que hidroxicloroquina, que ivermectina funcionam'. O que eu posso visualmente colocar numa apresentação para entregar a cada um dos senadores que me dê essa certeza que eu posso manter o meu discurso. Entendeu?"
E continua: "O que que eu posso levar. O que a gente aprontar de um desenhozinho, literalmente um desenho porque eles são leigos, nenhum deles entende o que o senhor explicou para a gente, mas eles levam um bocado de papel que a militância da esquerda está dando e ficam assim: olha aqui dra. Mayra, um artigo tal".
Em outro trecho, ela ironiza o próprio apelido, dizendo que o colega do ministério é "o olavista" –ele tinha um livro do bolsonarista Olavo de Carvalho em sua estante– e ela, a "capitã cloroquina".
Em outro ponto, diz: "Eu vou ser a primeira pessoa que vai para a CPI para falar de tratamento precoce. Especificamente o que eles vão me falar é tratamento precoce, porque eu sou a dra. cloroquina. Então eu já sou estigmatizada, criaram uma caricatura minha. A imprensa usou isso 44 vezes em uma semana em publicações".
Mayra também sugeriu que poderia arrumar um cargo para o epidemiologista, mesmo ele não tendo sinalizado se tinha ou não interesse em trabalhar na pasta.
Em depoimento à CPI da Covid, a secretária fez defesa ferrenha do uso da hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para tratamento da Covid-19, e admitiu que a pasta federal orientou médicos de todo o país para que adotassem o tratamento precoce.
Mayra também apresentou versões que conflitam com as apresentadas à comissão pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, em particular sobre a crise em Manaus e a plataforma TrateCov.
Mayra é investigada em ação que corre em segredo na Justiça do Amazonas. Ela confirmou ter dito à Secretaria de Saúde do estado que era inadmissível não adotar a orientação da pasta sobre a utilização desses medicamentos –ineficazes no enfrentamento da doença, segundo estudos.
Essa não é a primeira vez que membros do governo enviam perguntas a senadores governistas. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) questionou o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, durante depoimento à CPI da Covid, sobre sua orientação inicial para as pessoas evitarem buscar hospitais se acometidas de sintomas leves da Covid-19.
Mandetta então apontou que a pergunta lida pelo senador tinha sido elaborada pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, que encaminhou o texto por engano ao ex-ministro.
"Senador Ciro Nogueira, ontem [segunda-feira] eu recebi essa pergunta, exatamente nessa íntegra, do ministro Fabio Faria, que ele inadvertidamente mandou para mim a pergunta. Quando eu ia responder, ele apagou a mensagem. Então vou responder para o senhor, mas também para o meu amigo, que foi parlamentar comigo, ministro Fábio Faria", afirmou Mandetta.
Nogueira já havia apresentado requerimentos de convocações para participação na CPI que foram redigidos por uma servidora da Secretaria de Governo da Presidência da República.
Nem Mayra nem o Ministério da Saúde responderam aos contatos da reportagem.